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Leia na Fonte: EM.com.br
[03/04/14]  Marco Civil da Internet muda o uso da rede, mas ainda é incógnita para muitos - por Shirley Pacelli

“Eu tô te explicando pra te confundir. Eu tô te confundindo pra te esclarecer”.
Como define o cantor e compositor Tom Zé, nem sempre é fácil interpretar palavras. Quando se trata do Marco Civil da Internet, então, as dúvidas, tanto dos cidadãos quanto das empresas, são inúmeras. Os provedores de internet não podem mais suspender a conta de usuários que distribuem spam na rede? O filtro de spam seria contra o princípio da neutralidade de rede? Segundo Alexandre Atheniense, advogado especialista em direito digital, se nos termos de serviço está prevista a suspensão da conta por distribuição massiva de propaganda, o princípio não se aplicará. É importante que a informação esteja clara nos termos. Já os filtros de spam, de acordo com ele, não vão contra a neutralidade, pois fazem a leitura de metadados (dados sobre outros dados). Eles não controlam o tipo de conteúdo do tráfego on-line.

E se dentro de um mesmo grupo há duas empresas que compartilham o cadastro de usuários? Segundo Atheniense, nesse caso será preciso incluir essa autorização no termo de serviço, além de colocar a notificação para atualizá-lo em destaque nas páginas. “Todas as empresas terão que se adequar às condições do marco. Com a aprovação na Câmara dos Deputados, foi cumprida mais uma etapa, mas, por minha experiência, ainda haverá mudanças no texto enviado ao Senado, como na Lei Carolina Dieckmann. Os interesses são grandes”, afirma.

DÚVIDAS

Os brasileiros, por sua vez, estão aflitos com as possíveis interpretações de alguns trechos do projeto. O parágrafo 3, do Artigo 10, dá a entender que o Estado poderá requerer dados cadastrais às empresas mesmo sem pedido judicial. Segundo Cristina Sleiman, advogada especialista em direito digital e mestre em sistemas eletrônicos, realmente existe essa brecha. “Autoridades administrativas, desde que tenham competência legal, podem pedir esses dados a fim de identificar autoria de crimes. Devem existir justificativas e critérios para que tais informações não sejam entregues de forma indiscriminada”, afirma.

Segundo Sleiman, não fica claro quais seriam essas autoridades, mas as informações solicitadas serão sobre conexão, acesso e cadastro (IP, hora e data). Portanto, o conteúdo não poderá ser solicitado. Não é preciso ficar preocupado também com o Artigo 15, sobre a guarda de registros. De acordo com a advogada, a própria constituição assegura o direito à liberdade de expressão, mas veda o anonimato. “Na minha opinião, a guarda é necessária e o tempo determinado no Marco é pouco, pois podem ocorrer casos em que a vítima descubra ou sofra o dano mais do que seis meses depois. Qualquer contéudo na internet é perpétuo, pois, ainda que seja removido, pode ser copiado e compartilhado”, destaca.

Sleiman explica que a guarda de informações pelo prazo de um ano é destinada a provedores de conexão, enquanto o de aplicativos, como o Google e o Facebook, passa a ser de seis meses. “Atualmente as empresas já fazem a guarda, mas não existe uma lei que as obrigue. Independentemente de legislação específica, sendo notificada de que tais informações serão necessárias, elas devem fornecê-las, sob pena de ser responsabilizadas e arcar, muitas vezes, com indenização”, esclarece Sleiman.

Conforme a advogada, que lida diariamente com incidentes envolvendo situações vexatórias, descobrir o autor é primordial para que o conteúdo retirado não volte à web. Ela explica que o princípio de inimputalidade (que não pode ser responsabilizado por um fato punível) aplicado aos provedores não significa que os conteúdos ilícitos, como pedofilia e pornografia de vingança, permanecerão na internet. As empresas apenas não serão responsabilizadas por atos de terceiros.

Inocência do consumidor

Se Tom Zé transformou em versos a dúvida nossa de cada dia, Zeca Pagodinho ganharia a boca do povo como resposta à indagação sobre o que é o Marco Civil: “Nunca vi, nem comi, eu só ouço falar”. Não importa a idade – seja de 15 ou 50 anos – os cidadãos desconhecem o projeto de lei que estabelece direitos e deveres do uso da internet no país, aprovado na Câmara dos Deputados em 25 de março. Das cinco pessoas questionadas pelo Informátic@ sobre a legislação, apenas uma tinha ciência do tema.

Exceção entre os entrevistados, o supervisor Reinaldo Guimarães, de 45 anos, aprova a novidade, desde que não haja intervenção do governo no uso da web pela população. Ele usa a internet tanto no trabalho quanto em casa, mas não gasta seu tempo em redes sociais. Mesmo sem saber o que é a tão falada neutralidade de rede, que garante acesso igualitário às informações durante o tráfego on-line, Reinaldo foi contra a prática. Questionado sobre uma possível taxação da banda larga tal qual os planos de telefonia – com custos específicos para cada serviço (mensagens, chamadas e dados) –, ele concordou com o modelo. “Seria bom. Eu só uso e-mail. Nem todos usam a internet completa. Poderia ter um custo menor para mim. Acredito que essa escolha não influenciaria na velocidade”, diz.

Ao mesmo tempo, o supervisor afirma que os interesses dos usuários devem vir em primeiro lugar: “Tem que ter liberdade de escolha”. Mal sabe ele que, pela ausência da neutralidade compulsória, hoje as empresas favorecem parceiros comerciais de acordo com suas estratégias. Pode ser que um serviço que você utiliza na rede esteja lento não por um problema técnico, mas por opção de negócios do seu provedor.