WirelessBRASIL |
|
WirelessBrasil --> Bloco Tecnologia --> Crimes Digitais, Marco Civil da Internet e Neutralidade da Rede --> Índice de artigos e notícias --> 2014
Obs: Os links originais das fontes, indicados nas transcrições, podem ter sido descontinuados ao longo do tempo
Leia na
Fonte: Farol Comunitário
[11/04/14]
Marco civil da internet é defendido por especialistas mas admitem que ainda
existem pontos a serem melhorados
O jornalista carioca Gustavo Gindre, especialista em regulação da atividade
cinematográfica e audiovisual, resumiu o consenso estabelecido na manhã desta
sexta-feira (11/4/14) no Ciclo de Debates Comunicação, Regulação e Democracia,
realizado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). "Nossa atenção deve
ser direcionada a um único objetivo: aprovar o marco civil da internet no
Senado", afirmou.
O projeto, aprovado dia 25 de março pela Câmara dos Deputados, foi o tema
abordado também por outros dois especialistas. Todos os participantes defenderam
o marco para assegurar a liberdade de expressão, a democratização do acesso à
informação e a privacidade dos usuários, mas também admitiram que alguns pontos
ainda precisam ser equalizados. O debate foi coordenado pelo deputado Adelmo
Carneiro Leão (PT).
Embora totalmente favorável ao projeto apresentado pelo Governo Federal, Gindre
provocou a plateia a fazer algumas reflexões. Ele lembrou que alguns pontos
abordados pelo marco terão que ser regulamentadas por decreto do Executivo, o
que, em sua opinião, traz outra preocupação. "O decreto terá que descer a um
nível de sutileza para garantir que os critérios técnicos de gestão da rede
sejam contemplados sem permitir que outros pontos sejam imbutidos para manter o
que desejamos evitar", afirmou.
Gindre citou o exemplo da regra da neutralidade da internet. O novo marco civil
determina que os provedores não poderão limitar o acesso do usuário a qualquer
conteúdo disponível na rede. Na opinião do especialista, não existe uma rede
totalmente neutra, pois em algum nível a operadora faz diferenciação de pacotes
de serviços oferecidos. Ele concorda, por exemplo, que seja diferenciada a
prioridade para serviços oferecidos pelos provedores aos usuários. E citou o
exemplo de dois deles - download de vídeos e envio de e-mails -, defendendo que
nesse caso pode haver priorização do primeiro serviço, já que ele ocupa mais
espaço na rede. Isso, explicou Gindre, é diferente de o provedor diferenciar
usuários por seu poder econômico, o que é vedado pelo marco civil.
O especialista também falou da privacidade na rede, o que, em sua opinião, será
um desafio. "Provavelmente o Google sabe mais de nossa vida do que nós mesmos.
Essa é uma questão que precisa ser mais bem equacionada", disse. O especialista
ressaltou, no entanto, que o marco aprovado pelos deputados federais é um grande
avanço em relação à primeira proposta apresentada pelo ex-senador Eduardo
Azeredo (PSDB-MG), que segundo ele pretendia simplesmente criminalizar o uso da
internet.
Neutralidade e privacidade são princípios da nova legislação
Para o fundador do projeto Software Livre Brasil, Marcelo D'Elia Branco, o marco
civil da internet passa a ser um direito fundamental do brasileiro, na medida em
que tenta estabelecer um princípio próprio para o serviço que vai nortear
inclusive decisões judiciais. A neutralidade, conforme o texto aprovado na
Câmara dos Deputados, não permitirá que as operadoras coloquem filtros para
interferir na qualidade dos conteúdos oferecidos a seus usuários. "Internet não
é um serviço de telecomunicações, e sim uma rede de pacotes onde a informação
está circulando por caminhos diversos. As telecomunicações é que passaram a ser
um serviço de internet", explicou. Por isso, as relações comerciais e de
mercado, segundo ele, precisam ser repensadas e não podem impedir que o marco
seja aplicado – como já ocorre em outros países.
Outro ponto polêmico abordado pelo marco civil é a garantia da privacidade ao
usuário da internet. A norma proíbe que os provedores utilizem as informações do
internauta sem sua autorização expressa. Marcelo Branco lembrou que a maioria
dos usuários não lê as licenças que assinam com vários serviços. Ao assinar o
contrato com o Windows, por exemplo, o internauta autoriza que todo o conteúdo
de seu computador seja enviado para a Microsoft. O Instagram também tem a
permissão de seus usuários para comercializar qualquer foto publicada no
aplicativo. "Hoje os provedores armazenam nossos hábitos diários e vendem essas
informações para clientes corporativos, sem que saibamos", afirmou.
A proteção à intimidade esbarra em outro ponto, que é o da responsabilidade dos
provedores por crimes cometidos por usuários. O marco civil determina que cabe
apenas ao Poder Judiciário o direito de usar as informações confidenciais dos
usuários, proibindo definitivamente a vigilância atualmente praticada pelas
corporações que utilizam a internet. Dessa forma, o grampo é definitivamente
proibido, assim como a retirada de conteúdos de forma unilateral. Apenas
conteúdos que ferem a dignidade humana, como imagens de pornografia e pedofilia,
podem ser imediatamente retirados.
Marco civil é fruto de amplo debate
O consultor do Comitê Gestor da Internet no Brasil, Carlos Affonso Pereira de
Souza, ressaltou que o marco civil é fruto de um amplo debate foi realizado na
própria internet há cinco anos. Foi elaborado a partir de sugestões apresentadas
por diferentes segmentos num site específico para sua discussão. Foram
apresentadas mais de 2 mil sugestões enviadas por acadêmicos, organizações
diferenciadas, governo e representantes da sociedade civil. Também foram
consideradas experiências enviadas por embaixadores brasileiros que trabalham em
outros países, como Suécia, Argentina, África do Sul, Japão, Israel, entre
outros.
"Ele é apenas um passo num processo mais longo de construção colaborativa das
normas da internet, mas é o melhor projeto de lei possível", defendeu. Conforme
afirmou, a proposta não atende todos os interesses de nenhum setor isolado, mas
representa um acerto entre as forças de interesses.
Carlos Souza afirmou que é fundamental a aprovação da norma para evitar que no
futuro a internet fique sujeita a acordos que podem rivalizar com modelos
econômicos estabelecidos. "As leis têm que criar o ambiente para que as
inovações prosperem, afinal, nenhum modelo de negócio tem direito garantido à
sua sobrevivência", disse. "Pode parecer paradoxal, mas defendo que o marco
seja, ao mesmo tempo, conservador e revolucionário: conservador para preservar a
internet que temos hoje, aberta à inovação e a novos modelos de negócios e
expressão cultural; e revolucionário ao permitir que essas inovações surjam por
esta rede aberta", finalizou.
Debates enfocam direitos autorais e conteúdos impróprios na rede
Na fase de debates, várias pessoas formularam questões a serem respondidas pelos
palestrantes. O jornalista Paulo Barcala questionou como fica a
responsabilização do provedor de serviço diante de uma atitude criminosa por
parte de um usuário. Ele citou o caso de vários comentários machistas e racistas
criticando a campanha "Eu não mereço ser estuprada", proposta por mulheres nas
redes sociais.
O consultor Carlos Affonso Pereira de Souza respondeu que há legislação contra
crimes de ódio e racismo, mesmo que sejam praticados na internet. Além disso,
segundo ele, o texto do novo marco civil da internet aponta no sentido de que a
pessoa que gerou o conteúdo inadequado seja notificada para que retire o
comentário. Se isso não for feito, aí sim, é acionado o provedor.
Para Marcelo Branco, do projeto Software Livre Brasil, a polícia deveria
identificar as pessoas que pregam o ódio e o racismo na web, em vez de ficar
procurando quem baixa músicas. Aliás, tratando de direitos autorais, respondendo
a uma questão da jornalista Lidyane Ponciano, ele afirmou que nova legislação
precisa ser discutida no Brasil. "Não é possível que se considere crime o
compartilhamento sem fins comerciais", destacou. Na sua avaliação, as licenças
Creative Commons são as mais adequadas, "porque é o autor que vai dizer de que
forma autoriza a veiculação de sua obra".
O especialista Gustavo Gindre, falando sobre direitos autorais, afirmou que o
cenário atual é de crise e oportunidade ao mesmo tempo. "O modelo atual é
concentrador de receita nos intermediários – gravadoras, editoras etc. Novos
modelos estão surgindo, mas não são necessariamente positivos. A web não resolve
todos as questões; na verdade, são novos problemas", postulou. Para ele, é
preciso não só discutir novos modelos de negócio, mas dar um passo além.
"Precisamos discutir cultura além da mercadoria. Como garantir que os produtores
de cultura sobrevivam e os usuários tenham acesso aos conteúdos?", indagou.
Segurança de dados - Os participantes Marco Eliel, Mônica Santos e Florence
Posnansky mostraram-se preocupados com a segurança dos dados pessoais na
internet e perguntaram como o assunto é tratado no novo marco civil.
Na avaliação de Carlos de Souza, o marco civil até agora não avançou muito com
relação à guarda de dados. "A aprovação do marco civil é o primeiro passo, e o
desafio agora é regulamentar como a lei será aplicada", concluiu. Também para
Gustavo Gindre, o problema dos data centers, que armazenam dados da internet, é
uma questão não resolvida. "Esse debate terá que ser feito na Organização das
Nações Unidas. Temos que discutir soluções de governança da web em nível
mundial. Os data centers sozinhos não vão resolver", finalizou.