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Fonte: Portal da Band / Colunas
[15/04/14]
A agenda sem polêmicas da NETmundial - por Mariana Mazza
Desde a semana passada, entidades responsáveis pela escolha das melhores
matérias jornalísticas do ano trouxeram de volta à berlinda o escândalo da
espionagem eletrônica conduzida pelo governo dos Estados Unidos. O ponto alto de
reconhecimento da cobertura do tema ocorreu nessa segunda-feira, 14, com a
entrega do famoso Prêmio Pulitzer aos jornais The Guardian e Washington Post,
que em parceria mostraram ao mundo o esquema de monitoramento denunciado pelo
ex-funcionário da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA) Edward Snowden.
Mas se os editores mundo afora homenageiam e relembram a repercussão da
espionagem, onde se esperava que o tema tivesse destaque a covardia se fez
presente.
Na mesma segunda em que se falava do Pulitzer, a organização do evento
NETmundial, que será realizado em São Paulo nos próximos dias 23 e 24, divulgou
a proposta final dos temas que serão debatidos no encontro. E a vigilância
eletrônica promovida pelos Estados Unidos e outros países ficou de fora da
lista. É como se, passado um ano, o tema já tivesse envelhecido e não merecesse
sequer ser alvo de conversas em um evento internacional que busca justamente
encontrar o melhor rumo para a governança da Internet. Mas essa não foi a única
omissão relevante na proposta final.
A neutralidade de redes, tão debatida em território nacional por conta do Marco
Civil da Internet, também não mereceu destaque na agenda do evento. Comenta-se
que a retirada do tema - que estava previsto no primeiro esboço da lista de
temas para debate - tenha sido provocada pelas críticas de Neelie Kröes,
vice-presidente da Comissão Europeia, ao rascunho apresentado pela organização
do evento na semana passada. Kröes, que tem liderado os debates sobre a
neutralidade na Comunidade Europeia, ponderou que este é um tema que não será
resolvido em um único evento e que há vários debates regionais ocorrendo em todo
mundo.
De fato, cada país (ou grupo de países) tem discutido qual a melhor forma de
aplicar os preceitos da neutralidade em suas redes - sendo que o foco básico,
que é impedir que as empresas telefônicas discriminem os usuários da Internet
com base no tipo de conteúdo a ser acessado, é um ponto comum a todos esses
debates. Talvez a crítica de Kröes tenha sido superestimada. O que a
representante da Comissão Europeia disse foi: "Nós (os participantes da
NETmundial) não deveríamos ser vistos como prejulgando o que virá em um
procedimento democrático em temas tão sensíveis". Percebam que a frase não é
contra a discussão do tema no evento, mas sim a forma com que o debate estava
proposto, como se uma definição da neutralidade de redes que valesse para todo o
mundo tivesse obrigatoriamente que surgir do evento realizado em São Paulo.
Aliás, a maior crítica feita por Neelie Kröes não foi atendida pela comissão que
organiza o evento. A comissária classificou o rascunho das propostas como
excessivamente "abstrato" e "vago". O que dizer agora da proposta final, que ao
invés de descrever com maiores detalhes o alvo dos debates, apenas excluiu
tópicos considerados polêmicos?
A carta divulgada por Kröes merece ainda mais um destaque: a lembrança de que os
direitos humanos devem ser defendidos acima de tudo, mesmo que o debate seja
tecnicamente apenas sobre a governança da Internet. Em suas considerações este
foi o primeiro tópico de ressalvas à proposta de condução dos debates na
NETmundial. Para Kröes, o texto produzido pela organização do evento é
"desnecessariamente fraco" ao se referir "só de passagem" à preservação dos
direitos humanos no ambiente da Internet. Nesta esteira, o tema "monitoramento
de cidadãos pelos governos" se encaixaria com perfeição. E ainda assim, o comitê
responsável pelo evento, achou que excluir a neutralidade dos debates atenderia
com maior precisão as críticas feitas pela Comunidade Europeia do que incluir no
debate a necessidade de combater a espionagem internacional como forma de
preservação dos direitos humanos.
Antes mesmo de começar, a NETmundial já frustra boa parte das expectativas. Até
mesmo a ideia do governo Dilma Rousseff de ter o Marco Civil sancionado antes do
evento pode não vingar, dada a demora na articulação política em torno do
projeto, que já atrai novos opositores no Senado Federal. Talvez esteja ai, na
arena política, uma explicação melhor para a retirada do tema "neutralidade" do
circuito de debates. Será que o governo já considera perder a disputa no
Congresso Nacional e resolveu se precaver de um possível vexame? Ou, sem a lei
sancionada em mãos, o governo entendeu que sequer vale a menção ao Marco Civil
durante o evento, apesar de todo o esforço feito durante dois anos para termos
uma lei que aponte em uma nova direção na gestão da Internet no Brasil?