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Leia na Fonte: Exame
[07/08/14]  Detalhes são o maior desafio para regulamentar Marco Civil

São Paulo - Aprovar o Marco Civil da Internet não foi o fim da complexidade em torno da questão da neutralidade: a regulamentação da Lei 12.965/2014 parece ainda estar longe de um consenso pacífico em relação a detalhes técnicos e principiológicos.

Em debate realizado durante a ABTA 2014 nesta quarta, 6, a discussão mostrou que há aspectos econômicos e tecnológicos a serem levados em consideração e mesmo de definições principiológicas para que a intenção do texto não acabe saindo pela culatra.

Nas mãos da presidência da República, a regulamentação por decreto das exceções técnicas do Marco Civil deverá contar com o aconselhamento da Anatel e do Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI.br).

Na opinião do conselheiro da Anatel Igor Freitas, um tratamento irrestritamente isonômico acabaria sendo danoso à própria Internet ao por em risco a inovação.

Ele afirma, dando apenas sua posição pessoal, que é necessário ter uma "abordagem sistêmica" para tratar a neutralidade de rede com uma combinação de princípios constitucionais e legais previstos na Lei Geral de Telecomunicações (LGT), no Código de Defesa Civil e do Marco Civil.

"Essa é uma linha que tem que seguir, não pode julgar neutralidade de forma absoluta", diz.

"Acho que é dever da Anatel mediar relação entre prestadores de telecom com usuários, está previsto na LGT, há uma discussão para ver até onde vai o dever e atuação da agência".

Na opinião do conselheiro, o papel da Anatel seria ajudar na discussão técnica para estabelecer alguns parâmetros, como o próprio conceito de redes de entrega de conteúdo (CDN) e serviços especializados (como IPTV, VoIP e VPN).

"Estamos discutindo internamente, não há uma opinião formada. Estamos nos antecipando para formar a posição para a presidência", explica.

"Se não houver discussão técnica, coloca em risco acordos de qualidade de serviço (SLAs), VPNs (redes privadas), inclusive acordos do próprio governo", exemplifica.

Acordos comerciais

Outro exemplo dado pelo conselheiro Igor Freitas é da possibilidade de usar como base o Sistema de Negociação de Ofertas de Atacado (SNOA) para avaliar acordos comerciais de troca de tráfego semelhantes aos praticados por empresas como Netflix e Comcast, como aconteceu nos Estados Unidos recentemente.

Ele diz que, no caso de os termos tratarem de acordos comerciais isonômicos (ou seja, disponíveis para qualquer player), a questão já poderia ser tratada pela regulação atual, independente da regulamentação do Marco Civil.

"O caminho da Anatel é o método do SNOA, é consagrado na regulação para caracterizar se existe alguém atuando como poder de mercado significativo (PMS), se tem alguém em condições de formar preço, e reagir a isso".

O entendimento é que se trata de um acordo semelhante ao de uso de exploração industrial que se celebrou entre as operadoras Vivo e Nextel neste ano, apesar de serem duas empresas outorgadas para o serviço móvel pessoal.

"Se outro operador como a Virgin precisar chegar a regiões onde a Vivo tem rede e precisar replicar acordos de tráfego semelhantes que fez com a Nextel, a agência intervém na hora. É o mesmo raciocínio."

No caso específico de uma provável degradação proposital de tráfego ou bloqueio por omissão técnica para entregar o serviço over-the-top (OTT), conforme a Netflix acusa a Comcast, o problema seria investigado, pois deixaria o acesso abaixo do nível para preservar a qualidade.

E, da mesma forma que a Federal Communications Commission (FCC, órgão regulador norte-americano), a Anatel poderia pedir para revisar contratos entre as empresas. "Fazer acordo pode sempre, esse teor é que não pode".

Discordâncias

O diretor de relações institucionais e de novas mídias das Organizações Globo, José Francisco de Araújo Lima, não concorda.

"Nós não teríamos condições de competir com Google, Netflix e Facebook no privilégio de banda. Por mim, não deveria poder ter acordo (como o dos EUA), nem de forma isonômica", disse, ao se referir a um eventual acordo financeiro entre um provedor OTT e uma rede de telecomunicações para permitir uma conexão melhor.

Ele acredita que eventualmente até pode ser necessário regular casos excepcionais prevendo a quebra da neutralidade. Mas há preocupação com a forma com que isso seja feito.

"Eu não imagino que uma Autobahn na Alemanha com seis pistas, se cinco tiverem privilégio em cinco pistas, não iria alterar a velocidade da sexta pista", diz.

Araújo Lima ainda destaca que a regulamentação por decreto da Presidência já foi um avanço, e que o modelo principiológico é acertado.

"Na primeira versão, era o Poder Executivo (que iria regulamentar), e tínhamos o pavor de uma lei principiológica como essa cair nas mãos de um setor técnico. Já imaginou essa lei regulamentada pela Anatel? Deus me livre."

Para o diretor de estratégia regulatória da NET Servicos, Gilberto Sotto Mayor, é necessário o debate técnico para assegurar "prioridade natural" de serviços que usam engenharia de tráfego, como VoIP e CDN na regulamentação.

"A lei foi muito feliz para que sejam realmente consultados os especialistas, não é tema para blogueiro e cantor", provoca.

Ele também cita o caso Comcast/NETflix, mas argumenta que foi diferente por se tratar de prioridade de interconexão, e não de tráfego. "Interconexão é questão regulatória, não é de neutralidade".

O problema no Brasil, diz o executivo da NET, tem raízes econômicas.

"O gargalo não é na neutralidade. (O problema) é que não temos capital para concorrer. Neutralidade é um problema que não existe, qualquer um que usa a rede da NET pode usar Skype ou ver Netflix", detalha.

Sem garantias para 2014

O processo de regulamentação do Marco Civil deve ser coordenado pela Casa Civil.

A Anatel não foi ainda solicitada pela presidente Dilma Rousseff para se manifestar sobre os aspectos polêmicos da Lei.

Ela chegou a prometer em maio uma consulta pública para a regulamentação por meio do portal Participa Brasil, mas a janela parece estar se fechando para que saia ainda em 2014.

O conselheiro Igor Freitas diz que "há chance (de ser regulamentada ainda neste ano), mesmo com as eleições, mas acho que não é o foco", conclui.