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Leia na Fonte: Exame
[14/08/14]
Com Marco Civil, projetos buscam cobrir lacunas da Internet
A reforma da Lei de Direitos Autorais e o rascunho da Lei de Proteção de Dados
Pessoais são pontos de debates importantes, mas ainda incipientes
São Paulo - É comum ouvir que a lei não acompanha o avanço da tecnologia. O
Marco Civil da Internet, sancionado em abril, levou sete anos para deixar de ser
uma mera ideia de "Constituição da internet" e entrar em vigor, mas não encerrou
o assunto. Há duas leis importantes para a regulamentação do uso de internet no
Brasil, em debate há pelo menos quatro anos: a reforma da Lei de Direitos
Autorais e o rascunho da Lei de Proteção de Dados Pessoais.
"É como se o Brasil tivesse só a Constituição e não tivesse Código de Defesa do
Consumidor ou Código Penal", compara o jurista Paulo Rená, que participou da
elaboração do Marco Civil da Internet no Ministério da Justiça (MJ).
"São dois temas importantes e que ainda estão incipientes no país." Apesar de
contemporâneas entre si, as duas leis - que tiveram seu andamento preterido em
função do destaque recebido pelo Marco Civil -, ainda são anteprojetos, ou seja,
não possuem um texto definido e protocolado no Congresso Nacional.
A proposta de reforma da Lei de Direitos Autorais está na Casa Civil desde o
início do ano e a Lei de Proteção de Dados Pessoais foi enviada só em abril ao
Ministério do Planejamento, de onde seguirá para análise da Casa Civil, o último
estágio antes de se tornar um projeto de lei.
Por sair na frente, o Marco Civil da Internet ora incorporou elementos de uma
delas (lei de proteção de dados pessoais), ora deixou assuntos em aberto a serem
resolvidos no futuro.
Ao regular a proteção de dados, por exemplo, o texto do Marco Civil faz
referência a uma "lei" específica sobre o tema que "não existe ainda", lembra
Danilo Doneda, coordenador-geral na Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon/MJ),
especialista em proteção de dados pessoais, e um dos responsáveis pela
elaboração do anteprojeto da lei referente à área.
Proteção de dados
A lei garante direitos ao cidadão sobre seus dados pessoais, bem como o acesso
livre a essas informações por ele, além de determinar o modo de tratamento
desses dados por entidades públicas ou privadas, mesmo que as informações
estejam armazenadas em centros de dados fora do país - algo muito comum na
internet.
O projeto ainda prevê a criação de um Conselho Nacional de Proteção de Dados
Pessoais, com autonomia para fiscalizar o cumprimento da lei, atender demandas
do cidadão e impor sanções. A existência de regras sobre o assunto seria
importante para evitar casos de abuso de tratamento desses dados.
Exemplos não faltam. Em agosto de 2013, o Tribunal Superior Eleitoral fechou
acordo com a Serasa Experian, uma entidade privada, que previa a cessão de dados
de eleitores entre troca de certificados digitais - o acordo foi posteriormente
anulado.
Em julho, a Senacon aplicou multa de R$ 3,5 milhões à operadora Oi por ter
vendido dados de seus clientes a uma empresa britânica - a Oi disse que
recorreria.
Na semana passada, o Google denunciou um americano após a empresa identificar
fotos de abuso infantil em seu Gmail. "Foram coisas terríveis", opina Doneda.
"Mas, pela reação que se viu, percebi que a discussão sobre uso de dados
pessoais para o proveito próprio de empresas ou órgãos públicos terá apelo na
sociedade."
Direitos autorais
O Marco Civil colocou "um ponto final" na questão de retirada de conteúdos da
internet - o ofendido deve entrar na Justiça, que julgará o caso e passará a
ordem pela derrubada ou não ao provedor de serviço, como Google e o Facebook.
"Mas ao fazer a ressalva sobre conteúdos que infringem direitos autorais não
resolve um grande problema", diz o especialista em propriedade intelectual e
professor de Direito no Ibmec, Sérgio Branco.
Pedidos de retirada de conteúdo devido a direitos autorais congestionam serviços
de internet. Só o Twitter, que publicou seu relatório de transparência no final
de julho, contabilizou 9.199 pedidos neste semestre - ou 79% do total de
requisições de retirada de conteúdo -, alta de 38% no semestre.
A lei de direitos autorais em vigor no país, que data de 1998, obriga o serviço
a atender pedidos de retirada com ordem judicial. Mas, visando evitar problemas
legais, muito conteúdo é derrubado após reclamação do titular de direitos
autorais.
"A ausência de regras permite uma regulamentação privada", diz Allan Rocha de
Souza, professor e pesquisador de Políticas Culturais e Direitos Autorais da
UFRJ. "Isso é um problema, porque há direitos fundamentais que devem ser
respeitados. A lei não deve se valer só pelo direito autoral."
O debate sobre a atualização da lei começou, formalmente, em 2007. Foram feitos
debates, seminários e consultas públicas até 2010. O anteprojeto da LDA foi e
voltou do MinC para a Casa Civil, ao menos três vezes. Versões do projeto se
tornaram públicas apenas por meio de vazamentos. O último envio teria sido feito
no início deste ano, mas nenhuma previsão de publicação foi feita até agora.
"Se a sociedade entender o quanto essas leis são estratégicas para o país,
veremos apelo pelas votações, como foi no Marco Civil", acredita Juliana Nolasco,
diretora executiva do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio). "Podemos
ter novas leis de direito autoral e de dados pessoais, mas seu formato dependerá
de um processo mais complexo, envolvendo sociedade, governo e congresso."
O que pode mudar
Anteprojeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais
Texto dá controle ao cidadão sobre suas informações pessoais, detalha formas
adequadas de tratamento e prevê sanções
Princípios
Entidades públicas e privadas que lidem com dados pessoais devem seguir
princípios de finalidade (coleta justificada pelo uso), transparência (o uso
deve ser explicitado), segurança e responsabilidade (prevendo eventual reparação
ao usuário).
Dados só podem ser cedidos ou vendidos a terceiros com consentimento do titular,
que pode "opor-se, total ou parcialmente" caso os fins sejam publicitários -
hoje, muitas empresas de internet vivem da venda de dados a anunciantes.
Acesso
O cidadão tem direito de exigir todas as informações existentes sobre ele em um
banco de dados de forma gratuita. O pedido deve ser atendido em até cinco dias.
Sob o mesmo prazo, pode-se exigir suas correções ou bloqueio.
Punições
Entidades privadas estão sujeitas a pagar multa de até 20% do seu faturamento
anual; demais responsáveis (pessoas físicas, jurídicas, associações públicas ou
privadas) arcariam com multas de R$ 2 mil a R$ 6 milhões.
Dados sensíveis
São quaisquer dados que possam resultar em discriminação (etnia, religião,
filiação partidária, informações genéticas e biométricas). A lei proíbe obrigar
a divulgação de tais informações e a criação de bancos de dados deste tipo.
Autoridade
A proposta cria um Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais com autonomia
para fiscalizar o cumprimento da lei de proteção de dados e atender demandas da
população. Estados e municípios poderão criar suas próprias autoridades.
Proteção de dados chega tarde ao Brasil
A primeira lei nacional de proteção de dados foi feita na Suécia, em 1973. De lá
para cá, mais de 100 países (incluindo os vizinhos Argentina, Uruguai, Chile e
Colômbia) criaram legislações próprias, sendo que 92 mantém agências
específicas, segundo Danilo Doneda, do Ministério da Justiça.
"O Brasil chega tarde ao debate, talvez pela demora em alguns setores entenderem
que a proteção de dados não está só ligada a privacidade", diz. "Ela dá
segurança jurídica e ajuda nossa indústria a ser bem vista de fora."
Nova lei de direitos autorais já foi moderna
A lei de direitos autorais é de 1998. A revisão é debatida desde 2007 e não tem
previsão para ser publicada. "Quando for, já chegará tarde", diz o professor
Allan Rocha de Souza, da UFRJ. "Era moderna até no máximo 2010. Hoje, ela só
formaliza práticas já correntes e resolve algumas dúvidas."
Souza comemora a permanência do sistema de "notice and notice" (veja abaixo) ao
longo das diferentes gestões do MinC, o que mostraria um possível consenso nessa
parte. "Ela, assim, protege também a liberdade de expressão."
Proposta torna texto mais claro, flexibiliza o acesso e a reprodução de conteúdo
e cria modelo mais razoável sobre retirada do material
Reforma da Lei de Direitos Autorais
O novo texto adota o método "notice and notice" (notificação e notificação).
Assim, quando um provedor de serviço (como Google ou Facebook) for notificado
sobre conteúdo ilegal, ele retira o conteúdo e notifica o usuário. Este, então,
decide se aceita o bloqueio ou mantém e responde por ele judicialmente.
Mudança de formato
A última revisão torna mais clara a descriminalização de uma prática banal:
transformar um CD ou DVD em arquivos .mp3 ou então escanear um livro e lê-lo em
PDF. Ela permite a reprodução "de qualquer obra" para "portabilidade ou
interoperabilidade" desde que para uso privado e não comercial.
Cópia provada
O texto mais recente melhora mas não resolve o problema de cópia (de livro no
xerox, de CD ou DVD). Antes era permitida uma cópia "de pequenos trechos". Agora
mantém-se a permissão a apenas uma cópia (embora da obra toda) e exige-se que
seja feita "pelo próprio copista" para "seu uso privado".