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[26/07/14]
Uma análise do primeiro mês de vigência do Marco Civil na Internet
- por
Andreia de Andrade Gomes e Alberto Esteves Ferreira Filho
Andreia de Andrade Gomes e Alberto Esteves Ferreira Filho são advogados da área de Propriedade Intelectual do escritório Tozzini Freire.
O Marco Civil da Internet no Brasil completa o primeiro mês de validade.
Publicada em 23 de abril deste ano, a lei 12.965 consagra diversos aspectos que,
até então, por falta de previsão legal, amparavam-se em recomendações do Comitê
Gestor da Internet (CGI), comparações de legislação estrangeira, em
interpretações dos tribunais brasileiros e, em alguns casos, em diversas
disposições legais esparsas em nossa Carta Magna, Código Civil, Código de Defesa
do Consumidor e, até mesmo, no Código Penal.
A partir de agora, o Brasil possui uma legislação ampla, que estabelece não
apenas a atuação do poder público e o intuito do uso da internet no Brasil, como
também indica, de forma expressa, obrigações e direitos, identifica termos
técnicos, agentes, procedimentos relacionados ao uso e armazenamento de dados,
assim como sanções em caso de infrações.
Dentre medidas de uniformização e internalização de termos técnicos de
informática ao ordenamento jurídico, os provedores de internet foram
identificados nas seguintes categorias: os de conexão, cuja função é
autoexplicativa, e os de aplicações, assim entendidos como provedores de um
conjunto de funcionalidades acessadas por um terminal conectado à internet, ou
seja, todos os demais serviços com o uso da internet, que não seja a própria
conectividade. Dentre outras, são provedores de aplicações empresas como Google
e Facebook.
Estão sujeitas ao Marco Civil quaisquer operações de coleta, armazenamento,
guarda e tratamento de dados pessoais e de comunicação digital em que pelo menos
um dos atos ocorra em território nacional. Para dados coletados no Brasil, a
aplicação da lei depende da existência de ao menos um terminal localizado em
nosso país. Também se aplica a lei às empresas com sede no exterior, desde que
prestem serviços ao público brasileiro ou haja uma integrante do mesmo grupo
econômico com estabelecimento no Brasil.
Dentre os princípios do Marco Civil, merecem maior destaque a garantia da
neutralidade da rede, através do qual provedores de conexão não podem realizar
qualquer forma de distinção por conteúdo, origem ou destino para realizar
transmissões de dados, e a garantia à proteção de dados pessoais.
Quanto à coleta de dados pessoais, sua realização dependerá do expresso
consentimento do usuário, que possui, inclusive, o direito de requerer a
exclusão definitiva dos dados que tiver fornecido, o chamado “direito ao
esquecimento”.
A respeito da forma de consentimento, nota-se que não ficou estabelecido se
bastará incluir políticas de uso e privacidade, se os provedores deverão incluir
em seus websites ferramentas como botões “eu aceito” (opt-in) ou outros
mecanismos equivalentes antes que algum serviço seja disponibilizado. É possível
até mesmo cogitar, para provedores de conexão, que deverá haver assinatura em
contrato impresso para que o mencionado consentimento expresso efetivamente
ocorra.
De toda forma, quaisquer dados obtidos pelos provedores, inclusive registros de
comunicações e dados de acesso à rede só poderão ser disponibilizados mediante
ordem judicial, que poderá ser inclusive obtida através de juizados especiais,
com possibilidade de ser decorrente de uma tutela antecipada concedida pelo juiz
designado. Única exceção à necessidade de ordem judicial ocorrerá quando houver
divulgação de materiais contendo reprodução de atos sexuais ou nudez. Nesta
hipótese, o usuário retratado deverá enviar uma notificação com elementos que
permitam a clara identificação do material que viole sua intimidade e sua
legitimidade para apresentação do pedido de exclusão.
De enorme relevância foi também o estabelecimento formal do prazo de guarda de
dados. Antes da publicação do Marco Civil, a prática recorrentemente adotada e
endossada pela maior parte da jurisprudência era seguir a recomendação do CGI e
armazenar dados por um período de 3 anos. A partir de agora, provedores de
conexão devem manter registros por um período de 1 ano, em ambiente seguro e
controlado, sem a possibilidade de transferir esta obrigação a terceiros. Já os
provedores de aplicações deverão manter os dados por 6 meses.
Não passou sem observação legal a associação do direito consumerista às relações
digitais, sendo incluído o respeito à defesa do consumidor como um dos
fundamentos para uso da internet no Brasil, assim como uma garantia para os
usuários. Havendo essa associação expressa, um ponto a ser debatido é a
possibilidade de interpretar que um usuário da internet seja uma pessoa
jurídica, e, nessa qualidade, que seus dados não públicos eventualmente
armazenados por um provedor também sejam informações sujeitas à proteção dada
pelo Marco Civil.
Outra dúvida finalmente sanada e ponto de destaque no Marco Civil está
relacionada à responsabilidade dos provedores por conteúdo de terceiros.
Seguindo a tendência jurisprudencial e prática internacional, o provedor de
aplicações somente poderá ser responsabilizado por danos decorrentes de conteúdo
gerado por terceiros se, após ordem judicial, ou da notificação em caso de
material reproduzindo sexo ou nudez, não tomar as medidas necessárias para
tornar indisponível o conteúdo indicado como infringente.
Infrações às obrigações de sigilo de dados pessoais ou de comunicação poderão
levar os provedores ao recebimento de advertências, multa, suspensão temporária
de suas atividades ou até mesmo a proibição do seu exercício.
Quanto à multa, esta poderá chegar a até 10% do faturamento, no Brasil, do grupo
econômico ao qual o provedor pertença. Fica em aberto a interpretação do
conceito de grupo econômico para aplicação das possíveis multas. Oportunamente,
restou a pergunta de como se punirá aquele que tiver faturamento apenas no
exterior.
Ainda por vir, aguardaremos a promulgação de decreto presidencial que
regulamentará procedimento de apuração de infrações, norma que indique exceções
para discriminação do tráfego de informações na internet, assim como lei
específica sobre a responsabilidade do provedor de aplicações por danos
decorrentes de conteúdo gerado por terceiros relacionados a direitos autorais e
conexos.
O Marco Civil, por seu pioneirismo em amplitude de escopo e de aplicações,
destaca um grande avanço do Brasil, especialmente por seu caráter inovador,
servindo inclusive como inspiração para demais países da América Latina.
Como toda nova lei, em especial uma com foco tão moderno, dinâmico e repleta de
termos técnicos até então pouco usuais em leis brasileiras, diversos aspectos
ainda precisarão ser observados pela doutrina e pelos tribunais para que haja
maior precisão quanto a melhor forma de aplicabilidade das normas. Apesar das
pendências, diversas são as conquistas e resoluções de aspectos até então
imprecisos, que se alongaram durante a história da internet no Brasil. Com o fim
de tantas dúvidas, ganha o judiciário, ganham os provedores e, principalmente,
ganham os usuários.