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Coleção de matérias sobre "Bloqueio do WhatsApp"
 


2016:

Lei na Fonte: O Globo
[03/01/16]  WhatsApp não está acima da lei - por Marcos Dantas

Qualquer empresa, esteja onde estiver, se atuar em território brasileiro tem que cumprir as nossas leis e obedecer aos nossos poderes instituídos

A emergência da internet e a essencialidade que adquiriu num curtíssimo período de pouco mais de década para um amplo conjunto de práticas sociais e econômicas cotidianas têm suscitado enormes desafios políticos e jurídicos no exame de situações que, em outros contextos, pareceriam de relativamente simples solução consuetudinária. Polêmicas como as suscitadas pelo Uber ou pelo WhatsApp são bons exemplos. Legisladores e juízes se desdobram buscando produzir ou aplicar leis a situações que, não raro, podem parecer inusitadas.

Em 16 de dezembro último, a juíza Sandra Marques, de São Bernardo, São Paulo, decretou a suspensão, por 48 horas, dos serviços do WhatsApp. Um dia depois, a ordem foi revogada pelo desembargador Xavier de Souza, da Justiça paulista. A juíza alegou que tomara a decisão porque a empresa controladora do WhatsApp, a Facebook Inc., com endereço e CNPJ no Brasil, ignorou solenemente a ordem judicial de fornecer ao Ministério Público alguns dados sobre uma investigação criminal. Já o desembargador considerou a decisão “desproporcional” por atingir milhões de pessoas, sendo recomendável, antes, aplicar à empresa multas crescentes.

Claro, o tema provocou muitos debates, não faltando especialistas em leis para advogar, com base nessas leis, tanto a favor quanto contra a decisão da juíza. Talvez tenha faltado o debate político, antecedente ao jurídico. WhatsApp e Facebook são useiros e vezeiros em ignorar decisões judiciais em outros países que não os Estados Unidos, não sendo a primeira vez que afrontam a Justiça brasileira — fato que o desembargador Souza já deveria saber. Alegam que suas leis são as do Estado da Califórnia. Ora, nenhuma empresa pode desrespeitar ou não fazer caso da soberania de qualquer Estado, muito menos a do nosso Estado brasileiro. Qualquer empresa, esteja onde estiver, se atuar em território brasileiro tem que cumprir as nossas leis e obedecer aos nossos poderes instituídos. Isto, inclusive, está claro no Marco Civil da Internet: as leis que valem são as nossas. Só por isso, atitudes como as do Facebook e do WhatsApp já deveriam causar revolta a qualquer brasileiro, não lhes merecendo nenhuma solidariedade.

WhatsApp não é internet, Facebook muito menos. São plataformas, entre outras, disponíveis na internet. Dizer que a suspensão do WhatsApp derrubou a comunicação das pessoas seria similar a argumentar que uma manifestação de rua impede o direito de ir e vir. Num caso e noutro, num Estado Democrático de Direito, desculpem-se os transtornos, mas se busquem caminhos alternativos... Aliás, no caso do WhatsApp, como sabido, milhões de brasileiros logo encontraram outros caminhos.

Qualquer Estado, nos termos da sua legislação e dos poderes de suas instituições, pode suspender o funcionamento de alguma indústria ou serviço, caso estejam infringindo as leis. Restaurantes podem ser fechados, bancos podem sofrer intervenção federal, universidades podem ser descredenciadas e fechadas... Por que o WhatsApp não pode? Se, porém, entendermos que a suspensão do WhatsApp poderia causar um transtorno social com dimensões similares à interrupção dos serviços, digamos, de uma empresa fornecedora de energia elétrica, então estaríamos lhe atribuindo a importância de um “serviço essencial”. Neste caso, precisaria ser declarado “serviço público” e submetido à legislação pertinente... Se não é o caso, o WhatsApp pode ser paralisado por algumas horas, a bem da Justiça, tanto quanto, por exemplo, pode ser fechado um supermercado pego vendendo produtos com validade vencida. O consumidor que busque alternativa.

Empresas que prestam serviços suportados na internet, assim como também as pessoas que usam a internet, não estão acima das leis, ou sob alguma proteção legal especial. Não existem “direitos digitais”. Por acaso existiram outrora “direitos analógicos”? Existem direitos humanos, independentemente de tecnologias. Nesse sentido, nenhum direito — expressão, ir e vir, saúde, moradia, privacidade, qualquer outro — foi infringido pela decisão de uma Juíza brasileira, no cumprimento das suas atribuições. Se a liberdade de expressão estivesse dependente do WhatsApp (felizmente não está!), nós nos encontraríamos diante de flagrante caso de monopólio nas comunicações, vedado pela nossa Constituição.

A base de um Estado Democrático de Direito é uma justiça eficaz, isto é, que possa ter suas decisões cumpridas. Facebook e WhatsApp talvez tenham aprendido, graças ao desembargador Souza, que, no Brasil, decisões da Justiça não precisam ser cumpridas. Aliás, sabe-se que o Facebook já deve, ao Estado brasileiro, mais de R$ 12 milhões, em multas. Certamente uma bagatela diante da fortuna de Mark Zuckerberg. Talvez por isso, ele tenha se esquecido de pagar...

Marcos Dantas é professor da Escola de Comunicação da UFRJ e conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil


2015:

Leia na Fonte: Estadão
[19/12/15]  O bloqueio do WhatsApp - Editorial Estadão

Por terem uma formação acadêmica voltada mais para as instituições de direito do há muito decaído império romano do que para as necessidades jurídicas decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico do mundo contemporâneo, há juízes que enfrentam dificuldades para julgar litígios relativos aos novos mecanismos de informação propiciados pela expansão da internet. A decisão da juíza de uma Vara Criminal de São Bernardo do Campo, obrigando as operadoras de telefonia a bloquear por 48 horas o aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp, é mais uma prova disso.

A decisão foi proferida numa ação penal movida contra um homem acusado de latrocínio, tráfico de drogas e vínculo com o Primeiro Comando da Capital. A juíza alegou que por duas vezes pediu ao Facebook – empresa proprietária do WhatsApp – que enviasse o teor das mensagens trocadas por esse homem e que as informações não foram liberadas. Apesar de ser previsto pelo Marco Civil da Internet, o bloqueio foi interpretado como represália nos meios forenses.

O problema é que, ao tomar uma decisão tão drástica, imposta por medida cautelar, a juíza prejudicou quase 100 milhões de pessoas que usam o WhatsApp como instrumento de trabalho. O aplicativo é utilizado por 93% dos internautas brasileiros. Nos Estados Unidos, dirigentes do Facebook invocaram o direito de sigilo de seus clientes. Afirmaram que “decisões extremas” não devem ser tomadas por um juiz singular.

Essa não foi a primeira vez que são tomadas decisões polêmicas em litígios que envolvem a rede mundial de computadores. Em fevereiro, um juiz do Piauí determinou o bloqueio do WhatsApp, para obrigar o Facebook a colaborar com as investigações da polícia relacionadas a um caso de pedofilia. Há oito anos, um juiz paulista também determinou o bloqueio de um vídeo que mostrava um empresário e uma modelo brasileira em tórridas cenas de amor.

A decisão aplicada ao caso causou perplexidade entre os especialistas em tecnologia de comunicações. Uma das empresas responsáveis pela divulgação do vídeo funcionava no exterior – não ficando sob jurisdição da Justiça estadual. Outras empresas intimadas não tinham qualquer relação com a divulgação do vídeo. Além disso, desafiando o juiz, internautas brasileiros retransmitiram o vídeo para o mundo todo.

O alcance e a velocidade na troca de informações e tráfego de arquivos são as principais características das novas tecnologias. Viabilizadas por operadoras de conexão espalhadas por todo o mundo, esses sistemas de informação transcendem fronteiras e jurisdições. Não podem ser controlados nem mesmo por ditaduras, como a Coreia do Norte e a China.

Assim, decisões judiciais de bloqueio de um arquivo de vídeo, dentre os bilhões que circulam na rede mundial de computadores, são, mais do que ineficazes ou inócuas, patéticas. Entre outros motivos, porque têm a pretensão de usar meios físicos para coagir ações virtuais. Além disso, diante da incompatibilidade entre a lógica operacional da internet e o bloqueio de um arquivo ou aplicativo, juízes são tentados a tomar decisões de bloquear tudo – de operadoras de telefonia a plataformas abertas, o que colide com os direitos fundamentais de liberdade e de expressão.

O avanço da internet multiplicou as oportunidades de livre expressão, conexão entre pessoas, criação de arte e promoção de discussões políticas. Também abriu novas possibilidades de comunicação para o crime organizado e para divulgação de pornografia e de notícias falsas, injuriosas ou difamatórias. Mas, para assegurar o uso responsável das novas tecnologias de informação e coibir abusos, há softwares com filtros de texto e imagens, que podem ser adotados com base nos marcos regulatórios já acordados por organismos multilaterais. Bloqueios preventivos tomados por juízes singulares são apenas demonstração de desconhecimento técnico da internet, mas que podem resultar em censura. Consciente disso, o Tribunal de Justiça de São Paulo teve a sensatez de cassar a decisão da juíza de São Bernardo em menos de 24 horas.


Reportagem
Leia na Fonte: Estadão
[19/12/15]  Dra. Sandra, a juíza que parou o WhatsApp - por Alexa Salomão

"Na última quarta-feira, a juíza Sandra Regina Nostre Marques, da 1.ª vara criminal do Fórum de São Bernardo do Campo, em São Paulo, estarreceu usuários de novas tecnologias no mundo. A juíza havia determinado que o Facebook, que controla o aplicativo WhatsApp, liberasse as mensagens de um investigado por crimes de tráfico de drogas ligado ao Primeiro Comando da Capital – o PPC, como é conhecida a organização criminosa. Como foi ignorada pelo Facebook, a juíza determinou o bloqueio do WhatsApp para todos os 100 milhões de usuários, em todo o Brasil, por 48 horas. Criou-se um rebuliço internacional.
No meio judicial de São Bernardo, porém, não houve tanta surpresa assim. Odiada por defensores criminais, amada por policiais, folclorizada pelos presos, temida e respeitada pelos funcionários do Fórum, a Dra. Sandra, como é tratada, ficou conhecida justamente por levar ao extremo o limite da lei em busca de justiça."

“Tenho ouvido todo tipo de brincadeiras e comentários maldosos sobre a juíza Sandra, por causa da história do WhatsApp, mas a verdade e que ela é admirada aqui por ser uma combatente implacável do crime organizado”, diz advogado criminal Luís Ricardo Vasques Davanzo, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Bernardo do Campo. Apesar do tom cordial, Davanzo está na lista dos incontáveis advogados que já tiveram embates com a juíza por discordar de suas táticas.

Na 1ª vara, comandada pela juíza Sandra, vão parar os processos de crimes que não têm relação com a vida: furto, roubo, tráfico, prostituição, crime organizado de maneira geral. Os julgamentos dessas matérias conduzidos por ela, dizem, tem 99,9% de chance de condenação, ainda que a acusação seja leve. As penas, por sua vez, são determinadas pelo teto previsto pela lei. Se tiver a opção de fazer a condenação entre três e oito anos, costuma cravar oito. Também é conhecida por apertar o réu. Se identificar contradição no depoimento, encara o acusado e pergunta: “Você quer que eu acredite nessa história da carochinha?”

Com ela, contam, não há risco de clemência: na dúvida, não solta, manda prender. “Se alguém comete um furto simples, aqui em São Bernardo, a gente já avisa que o caso é fácil, não vai preso – desde que não caia na 1ª vara da Dra. Sandra”, explica um dos advogados que aceitaram falar com o Estado sem ter o nome revelado para não se indispor com a juíza.

Os advogados que convivem com ela há anos não poupam sarcasmos na hora de defini-la. “Como ela acha que está salvando o mundo, leva a lei ao extremo: caso descubra que bebês estão roubando mamadeiras, vai defender a redução da idade penal para dois anos”, diz um deles. Mas até esses desafetos, de certa forma, a admiram. “Para nosso desespero, tecnicamente é boa de caneta e a maioria das discussões são bem embasadas, dá muito trabalho para a gente”, diz outro advogado.

A juíza também tem fama de não ter medo de nada ou de ninguém. “Eu tiro o chapéu porque ela não verga: quando o bandido faz cara de mau, não baixa os olhos, coisa que outras juízas não conseguem”, diz uma antiga funcionária do Fórum. Quando vai julgar uma quadrilha, não gosta de separar os acusados, como outros juízes costumam fazer. “Podem ser quatro, 10, 15, coloca todos juntos, faz com que eles se entreguem entre eles e encara todos”, diz outra funcionária do Fórum. A polícia, quando precisa de decisões mais enérgicas, faz o possível para puxar o caso até a jurisdição de São Bernardo. “Há um tempo, conseguiram transferir um caso do PCC de Santo André para cá porque sabem que a Dra. Sandra não vacila”, diz um funcionário do Fórum.

Trator.
Se ela tem uma meta, “segue adiante como um trator esteira, desses que não tomba nem quando cai no buraco”, diz outro advogado. Davanzo, da OAB, conta que, há tempos, a juíza quer criar uma vara especializada em tratar de casos de violência doméstica. Foram juntos defender a ideia na presidência do Tribunal de Justiça. “Recebemos um não e ela podia ter sido política, ficado quieta, mas não: ficou ali insistindo. Ela é assim.”

Entre os colegas e funcionários do Fórum é conhecida como pessoa de poucos amigos. Chega cedo. Sai tarde. Almoça exatamente por uma hora. Nem um único funcionário sob suas ordens quis falar com a reportagem. “Eles sabem que se saírem da linha, ela assina a exoneração sem piscar”, diz o funcionário de outra área. Pessoas que já trabalharam com ela contam que não é de sorrisos, fazer brincadeiras ou dar intimidade. “A piada máxima que ouvi dela foi, num ano de inverno forte, que morreríamos de frio”, conta outra funcionária que trabalhou próxima à juíza.

Sandra Marques também não tem vida social. Não é de frequentar rodinha de juízes, ir a jantares ou eventos de entidades. No ano passado, a Câmara da cidade quis lhe fazer uma homenagem. Recusou. Não quer aparecer em público, nem ser fotografada. Há muitos relatos de que foi jurada de morte, recebe ameaças e anda com escolta.

Os presos criaram histórias horripilantes e traumáticas na tentativa de justificar o rigor da juíza. O bom tom impede que a maioria seja narrada aqui. Na mais leve, ela estaria vingando um familiar que, vítima de sequestro, teria tido o dedo amputado e enviado a ela para forçar o pagamento do resgate. Na mais divertida, a juíza Sandra seria dona da empresa de marmitex que fornece refeições para presos e estaria condenando a rodo para elevar as vendas. “Tudo mentira”, diz um advogado.

Questionamentos.
A busca extrema por justiça, porém, faria com que a juíza cometesse erros. Há muitas histórias sobre inocentes que teriam ido parar na cadeia. “Juízes condenarem inocentes é mais comum do que se possa imaginar, mas a incidência com ela tende a ser maior porque, diferentemente da maioria dos juízes, que absolvem em caso de dúvida, ela manda prender”, diz Davanzo da OAB.

Quem questiona o que chamam de “sua pressa para punir” pode se indispor seriamente com ela. No site da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, há o relato oficial sobre a repercussão de uma das pendengas. Ao participar da defesa de um réu julgado na 1ª vara da juíza Sandra, o procurador do Estado Roberto Ramos apontou irregularidades em um documento do inquérito policial que deu origem à denúncia contra o seu cliente. Segundo ele, havia divergência entre as assinaturas dos policiais militares em documentos utilizados como provas. Ramos argumentou, assim, pela ausência de provas suficientes para a condenação. Na hora de dar a sentença, a juíza Sandra discordou com veemência. Qualificou de “levianas” as argumentações de Ramos. Para Sandra Marques, elas estariam a “beirar as raias da denunciação caluniosa”.

Com base nessa avaliação, a juíza mandou tirar a peça de defesa do processo e determinou que fosse encaminhada à Delegacia Seccional local, para ser utilizada como prova para a eventual instauração de inquérito policial contra o procurador Ramos. O procurador reagiu na Justiça. Entrou com um habeas corpus para trancar o eventual inquérito policial e também conseguiu uma liminar para impedir que fosse processado. Para arrematar, Ramos solicitou e conseguiu uma sessão de desagravo no Conselho da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, para reforçar a defesa de sua honra. A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da procuradoria para tentar entrevistar Ramos, mas às véspera do recesso da Justiça, não foi localizado.

Recíproca.
A juíza Sandra é conhecida por respeitar a polícia e auxiliar como pode no trabalho das corporações, tanto civil quanto militar. E a recíproca é verdadeira. “A Dra. Sandra é cordial, simpática, nos ouve com atenção, bem diferente da maioria dos juízes que nem sabe que a gente existe”, diz Sebastião José da Silva, o Tião, chefe do 3º Departamento de Polícia Civil de São Bernardo, com quase 20 anos de atuação em diferentes áreas da polícia. “Ela não fica em cima do muro como outros e fornece os instrumentos para a gente fazer o nosso trabalho, sempre dentro da lei: no dia em que ela se aposentar, não é a polícia, mas a população que vai ficar sem pai e sem mãe.”

Tião lembra de várias operações que só foram possíveis graças à juíza: prisão de quadrilhas de roubo a banco, entre o ano passado e este, o combate à prostituição infantil no centro da cidade, além da operação que impediu o PCC de levar a cabo a execução de agentes penitenciários porque a juíza Sandra liberou a realização de escutas telefônicas. “As pessoas ficaram fazendo mimimi por causa do WhatsApp, mas se ela pediu, é porque era necessário e teve coragem de fazer”, diz Tião. “O País não estaria esta baderna se em cada comarca houvesse uma Dra. Sandra e um Sérgio Moro (juiz da Lava Jato).”

Estratégia.
Na avaliação de Davanzo, Sandra Marques não foi ingênua ou maluca, como muitos disseram nas redes sociais, quando mandou suspender as conversas do WhatsApp. A juíza está no que se considera a base da pirâmide do judiciário, a primeira instância, válida no município de São Bernardo. Suas decisões podem ser abatidas por colegas com raio de atuação e ingerências maiores. Tanto que o previsível ocorreu. Cerca de 12 horas depois, o desembargador Xavier de Souza, da 11ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, suspendeu o bloqueio.

No entanto, na avaliação de Davanzo, é preciso ter em mente que a canetada da juíza Sandra desencadeou uma acirrada discussão sobre os limites da privacidade e as limitações da lei local que rege os serviços virtuais, o Marco Regulatório da Internet. Milhões de brasileiros, indignados com a suspensão do serviço, debateram o uso do aplicativo, a validade da privacidade, a atuação do judiciário e a postura e a estrutura empresarial do Facebook, que é o controlador do aplicativo.

A juíza mobilizou até o empresário americano Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, que redigiu posts sobre a decisão. A medida da juíza de São Bernardo foi notícia em grandes jornais internacionais. Especialistas em direito da área de tecnologia no Brasil formularam teses sólidas para apoiar ou questionar a medida.

A análise do presidente da OAB de São Bernardo sobre toda essa movimentação: “Pelo que eu conheço dela, sabia o que estava fazendo, gostem ou não, as pessoas discutiram os limites e obrigações do WhatsApp e do Facebook: embora antipática, a medida teve um efeito positivo de levantar a discussão e não sabemos o que vai desencadear daqui para a frente.” Procurada pela reportagem, a juíza Sandra Marques não quis dar entrevista.

10 alternativas para trocar mensagens enquanto o WhatsApp está bloqueado

Telegram
Muito popular por sua tecnologia de encriptação, que protege as mensagens, o Telegram é outra boa ferramenta para quem continuar conversando durante o bloqueio do WhatsApp. Nas últimas horas, mais de 1,5 milhão de brasileiros se cadastraram no serviço, de acordo com a empresa. Ele está disponível para Android, iPhone, Windows Phone e PC.

O bom e velho SMS
Não dá para mandar vídeos, fotos ou mensagens de voz, mas o bom e velho SMS é uma forma simples de trocar mensagens curtas em qualquer celular. O custo do SMS varia de acordo com pacote, mas em geral as tarifas giram em torno de R$ 0,50 por mensagem

Facebook Messenger
App de mensagens do Facebook, funciona para Android, iOS e Windows Phone. Permite gravar mensagens de voz, como no WhatsApp, além de mandar fotos, vídeos e figurinhas.

Line
Aplicativo famoso pela grande quantidade de stickers (aqueles emoticons maiores e com movimento). É popular no Japão, mas tem versão brasileira. Faz ligações dentro do app e está disponível para iPhone, Android, Windows Phone, BlackBerry, Nokia Asha e Firefox OS.

Skype
O aplicativo do Skype tem as mesmas funções tradicionais da versão para computador, chamadas de vídeo e voz. No celular, Android, iOS, Windows Phone, BlackBerry, Nokia X e Amazon Fire. Também em tablets, TVs e videogames.

Viber
Além de mensagens, o Viber tem o diferencial de fazer ligações telefônicas gratuitas de Viber pra Viber. A ligação é feita via conexão na internet (VoIP). Disponível para iPhone, Android, Windows Phone, BlackBerry e Nokia. Também no PC.

Kakao Talk
De origem sul-coreana, está disponível no Brasil. Além das funções básicas de mensagens e troca de arquivos, faz ligações dentro do app. É possível seguir posts de celebridades dentro do aplicativo. Disponível para iPhone, Android, Windows Phone, BlackBerry e Nokia.

WeChat
Mistura de app de mensagens com rede social. Permite publicação de fotos em um perfil público. Para quem quer conhecer gente nova, tem uma função para descobrir pessoas. Disponível para iPhone, Android, Windows Phone, BlackBerry, Symbian e Nokia.

ICQ
Quem usou internet nos anos 2000 lembra do ICQ (oh oh!). Em 2014, ele voltou: um diferencial do app é permitir que você conecte suas redes sociais ao ICQ e concentre suas trocas de mensagens. Funciona em Android, iPhone e Windows Phone.

Google Hangouts
App do Google, o velho Gtalk virou Hangouts. Faz chamadas de vídeo, inclusive em grupo. Funciona dentro do Gmail mas também como aplicativo para celulares Android e iPhone.
 


Leia na Fonte: Band / Colunas
[16/12/15]  A misteriosa derrubada do WhatsApp pela Justiça - por Mariana Mazza

Este fim de ano está um agito só. E o setor de telecomunicações entrou na confusão nesta quarta-feira. Chegou às mãos das empresas de telefonia uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo exigindo a suspensão por 48 horas do funcionamento do aplicativo WhatsApp em todo o território nacional. Então fica o alerta: a partir das 0h00 dessa quinta-feira, 17, até às 0h00 de sábado, 19, nenhum tipo de acesso ao aplicativo deverá funcionar, a não ser que a Justiça revise sua decisão. No início da noite de hoje, o sindicato que representa as empresas de telefonia que operam no Brasil enviou a seguinte nota à imprensa.

“As prestadores de serviços de telefonia móvel, representadas pelo SindiTelebrasil, receberam na tarde desta quarta-feira (16) intimação judicial e cumprirão determinação da Justiça para bloquear o aplicativo WhatsApp, em todo o território nacional, a partir das 0h00 desta quinta-feira (17/12), pelo prazo de 48 horas, de acordo com as possibilidades técnicas e operacionais.

O SindiTelebrasil esclarece ainda que as prestadoras não são autoras e não fazem parte da ação que resultou na ordem judicial.”

Esta não é a primeira vez que a Justiça suspende o funcionamento do aplicativo. O que torna esta decisão peculiar é que ninguém sabe o motivo para o bloqueio. Tive acesso à cópia do despacho recebido pelas empresas e nem mesmo na intimação há registro sobre a motivação para um bloqueio tão amplo.

Tanto mistério seria por conta de um pedido de sigilo feito pelo autor da ação, que obviamente também é desconhecido do público afetado pela medida. Tudo isso deixou o setor – e com certeza deixará os consumidores a partir de amanhã – em frenesi.

O despacho assinado pela juíza Sandra Regina Nostre Marques, da Comarca de São Bernardo do Campo, é bem mais contundente do que as empresas dão a entender na nota oficial. A ordem judicial é para suspender o acesso a todos os domínios e subdomínios associados ao WhatsApp, incluindo a limpeza de cache das páginas. Ou seja, bloqueio completo. Não será possível usar o serviço nem no celular nem na página WhatsApp.com e se a medida for cumprida na íntegra até o acesso ao histórico de mensagem poderá ser comprometido. Caso as empresas não cumpram a ordem serão penalizadas por crime de desobediência e multadas pela Justiça.

Mas o que poderia ter gerado uma decisão tão forte? Há muitas teorias. A que ganhou voz mais rapidamente colocaria as próprias teles no centro da ação. Há meses, as empresas de telefonia têm travado uma batalha com as autoridades públicas na tentativa de regulamentar o WhatsApp. As teles reclamam que o serviço rouba tráfego de telefonia e representantes das empresas já chegaram a chamar o serviço de “pirata”. A Anatel tem resistido a regulamentar o aplicativo, alegando que este tipo de serviço não é considerado “telecomunicações”. Na teoria, a agência está correta.

Em meio a esse imbróglio é fácil imaginar que as empresas estariam satisfeitas com o bloqueio compulsório. Mas a coisa não é tão simples assim. Mesmo fazendo campanha contra o WhatsApp desregulamentado, boa parte das operadoras telefônicas têm uma relação bastante amistosa com a empresa. Ao longo de 2015, uma parceria entre WhatsApp e teles transformou o aplicativo no maior laboratório para uma outra frente de batalha das empresas de telefonia: a liberação do zero rating como modelo de negócios que não fere a neutralidade de redes.

Para quem não acompanha este debate, o zero rating é uma espécie de parceria entre operadoras telefônicas e fornecedores de conteúdo ou serviços na web para dar acesso limitado aos aplicativos de forma gratuita para o consumidor. É bem possível que o plano que você contratou em sua operadora móvel dê acesso gratuito ao WhatsApp. Pois isso pode ser classificado como zero rating. Existe uma polêmica mundial em torno deste assunto pois muitos especialistas defendem que esse tipo de pacote fere a neutralidade de redes, princípio em que as empresas não podem praticar qualquer discriminação no acesso a conteúdo na plataforma de Internet. Aqui no Brasil, este princípio está definido no Marco Civil da Internet.

Sendo assim, a tal “briga” entre teles e WhatsApp não é tão simples quanto parece. Se as teles perdem receita com o tráfego “roubado” pelo aplicativo, acordos comerciais com o próprio aplicativo podem repor essas perdas.

O motivo mais provável por trás da decisão que deixará o Brasil sem o estimado aplicativo pelos próximos dois dias é uma fronteira ainda muito sensível na discussão sobre as novas tecnologias: o acesso a informações necessárias em investigações criminais. Há indícios de que o que está sendo debatido na ação sigilosa nada tenha a ver com as intrigas no setor de telecomunicações. O mais claro deles é que a juíza Sandra Marques é titular da 1a Vara Criminal da Comarca de São Bernardo do Campo. E, apesar de todo o sigilo sobre a autoria e o teor da ação, o resumo do material faz referencia a um “pedido de quebra de sigilo de dados telefônicos”. Outra informação importante, divulgada pelo Tribunal de Justiça, é que o próprio WhatsApp já havia sido notificado duas vezes no decorrer do processo - nos dia 23 de julho e 7 de agosto de 2015 – e as demandas da Justiça não foram atendidas. Com a recusa, o Ministério Público solicitou o bloqueio, utilizando-se de artigos do Marco Civil da Internet, provavelmente os que tratam do direito das autoridades de terem acesso às informações digitais.

Situação parecida aconteceu em fevereiro deste ano, quando a Justiça do Piauí também determinou o bloqueio do WhatsApp. A decisão foi anulada no dia seguinte pela esfera superior para não prejudicar os milhões de usuários do serviço. O caso de Piauí foi muito criticado por conta do exagero da medida inclusive por autoridades públicas que conhecem as dificuldades na obtenção de dados para investigações criminais.

Este drama começará a ser resolvido apenas quando o governo concluir a proposta para a Lei de Proteção de Dados Pessoais, em gestação no Ministério da Justiça. A ideia por trás dessa nova lei é criar fronteiras que garantam a privacidade dos usuários de serviços digitais, mas também estabelecer um cenário mais claro de quando esses direitos podem ser rompidos para as investigações criminais. A proposta de lei já passou por consulta pública mas não há previsão de quando o governo a entregará ao Congresso Nacional para análise. Enquanto isso, os fãs do aplicativo passarão a noite torcendo para que o desfecho do caso de São Paulo seja o mesmo escolhido para o caso do Piauí.