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Leia na Fonte: Band / Colunas
[04/04/14]  A fábula das antenas - por Mariana Mazza

Era uma vez uma lei que tinha como objetivo proteger a saúde de milhões de usuários da telefonia celular. A ideia dos legisladores era garantir que todas as antenas instaladas no Brasil seguissem os parâmetros da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre a emissão de radiação não-ionizante, gerada pelos celulares que usamos todo dia (embora, não apenas eles). De quebra a lei, promulgada em 2009, determinava um uso mais racional das milhares de antenas de celular espalhadas pelo país, exigindo que as companhias compartilhassem essa infraestrutura como forma de diminuir o impacto desses equipamentos na saúde da população. E é ai que essa história virou um pesadelo.

A Lei 11.934/2009 estabeleceu que a Anatel deveria organizar esse compartilhamento das antenas, definindo as exceções à regra, sempre usando critérios técnicos. Pois a agência reguladora parece ter entendido que critérios técnicos não são abrangentes o suficiente para a execução do trabalho e partiu para um universo mais amplo de considerações e ponderações para justificar que o compartilhamento pode ser uma péssima ideia. O conflito se estabeleceu mais claramente na reunião desta semana do Conselho Diretor da autarquia.

Alegando elevação de custos das operadoras - e eventual repasse para os consumidores -, parte dos conselheiros se mostrou contrária ao compartilhamento das antenas já instaladas. Isso a despeito do fato de a maioria das operadoras móveis ter declarado que quase a metade desses equipamentos já ser compartilhada nos dias atuais. O conselheiro Igor de Freitas, que levantou o questionamento sobre a eficácia da medida, foi além. Substituindo o poder Judiciário, resolveu ele próprio interpretar que a lei em questão não tem o direito de retroagir, valendo apenas para as antenas que foram instaladas apenas após a edição da medida.

Com a crise instalada, a Anatel resolveu adiar a decisão sobre o assunto. A polêmica criada no Conselho Diretor é mais uma peça no quebra-cabeças que virou o debate sobre a instalação de antenas no Brasil. A contradição entre a necessidade de expansão dessa malha de antenas para atender a crescente demanda dos consumidores por um serviço de melhor qualidade e os limites impostos pela legislação à instalação de novos equipamentos está na ordem do dia há anos. Mas, a cada passo dado adiante, o setor parece retroceder outros dois.

Não está claro como o compartilhamento das antenas pode elevar os custos das companhias ao ponto de prejudicar o setor e os consumidores. Fosse essa uma realidade, como explicar o fato de a própria Anatel estimular esse compartilhamento, criando regras para isso e obrigando as companhias a dividir essa infraestrutura em cidades com baixo acesso à telefonia móvel? Talvez a resposta para essa mudança de interpretação esteja em outra via dos debates sobre a instalação das antenas.

Embalados pelos problemas recorrentes na qualidade do sinal oferecido pelas operadoras de telefonai móvel, os deputados federais atenderam em 2012 uma antiga demanda das teles: a criação de uma Lei das Antenas. Esse projeto de lei propõe regras para a expansão da rede móvel no país, hoje regida por leis estaduais e municipais. Como cada estado pode definir como quer os limites para a instalação desses aparelhos, a ampliação da rede de telefonia celular virou um desafio para as empresas. Assim, a criação de uma lei federal colocaria ordem no assunto ao estabelecer uma regra básica e limites comuns para a instalação das antenas.

Pois, acreditem ou não, as teles passaram a sabotar a lei que tanto queriam. Na reta final para aprovação do projeto que já foi validado inclusive pelo Senado Federal as companhias passaram a defender a criação de uma nova proposta. Tudo porque aquela outra não está "perfeita", segundo os deputados que apoiam a reavaliação do projeto. É claro que, à luz do dia, as teles defendem o antigo projeto, estabelecendo de vez a confusão. Querem o velho projeto, apoiam a rediscussão, afirmam que já compartilham metade das antenas, mas temem o aumento de custo se a regra for imposta de forma geral. Parafraseando Raul Seixas, o lema das teles parece ser o da "metamorfose ambulante".

Mas há uma grande vantagem no estabelecimento da contradição como postura básica no tema das antenas. Enquanto a Anatel debatia a regulamentação da lei sobre limites de exposição aos campos magnéticos e o Congresso Nacional trabalhava na Lei das Antenas, a degradação da qualidade da telefonia móvel acabou virando um argumento para adoçar os governos estaduais no debate sobre as leis locais. Nos últimos dois anos, diversos governos estaduais aceitaram flexibilizar suas leis para atender à necessidade de expansão da infraestrutura da telefonia móvel, em nome da melhoria da qualidade no sinal.

No ano passado, as teles chegaram a elaborar uma espécie de manual para "ajudar" os estados a produzirem leis que se adequassem às necessidades das empresas privadas na instalação das antenas. Novas leis locais foram anunciadas por governadores "sensíveis" à necessidade de melhorar a qualidade dos serviços móveis e elogiadas pelas companhias. É bem verdade que não há telefonia móvel sem as torres de celular, que ainda assustam parte da população preocupada com os efeitos na saúde de viver ao lado de uma estação de sinais eletromagnéticos. Isso sem falar na preocupação dos administradores da cidade com degradação da paisagem urbana gerada pela instalação desordenada dessas antenas. Mas as frequentes falhas na telefonia móvel parecem ter colocados esses temores em segundo plano. O estímulo à criação de uma infraestrutura moderna e eficiente, fomentando o compartilhamento pleno das antenas e a busca por soluções tecnológicas que, embora mais caras, garantam uma expansão com qualidade dessa rede tornou-se conversa de sonhadores. O importante é instalar mais e mais antenas. E rápido.

Ao que tudo indica, a Lei Geral das Antenas não é mais necessária já que o manual das teles somado à crise na qualidade dos serviços têm se mostrado suficientes para acabar com os limites impostos anteriormente pelos estados e municípios. A solução paliativa tornou-se definitiva. E com o bônus de ser a saída mais barata para as companhias telefônicas, que não precisarão se adaptar às regras em prol da eficiência na instalação dessas antenas.