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Leia na Fonte: Fórum Jus Navegandi
[07/05/00]  A Urna eletrônica é segura para o eleitor?

Resposta de Paulo Gustavo Sampaio Andrade - advogado / Teresina

O voto, como pilar da democracia, deve corresponder à vontade dos cidadãos. A instituição do voto secreto, universal e periódico, assegurado aos brasileiros pela Constituição de 1988, é resultado de séculos de lutas políticas. A fim de assegurar a lisura do processo eleitoral, diversos conceitos e procedimentos foram desenvolvidos, tais como o sigilo do voto e o direito ao recurso em caso de suspeita de erro ou fraude.

Com o advento da urna eletrônica, implantada com pioneirismo no Brasil, a pretexto de um suposto avanço tecnológico, teria ocorrido considerável retrocesso democrático. Foram atropelados direitos conquistados ao longo da História, tais como a inviolabilidade do voto e a fiscalização da honestidade do processo eleitoral, garantias de segurança que existiam no voto tradicional, mas foram ameaçadas ou suprimidas no voto eletrônico. Tais vícios podem abrir brechas perigosas, que comprometem o futuro de nossas instituições democráticas.

A votação eletrônica vem sendo implantada no Brasil desde as eleições de 1996, sob a direção do Tribunal Superior Eleitoral. Inicialmente introduzida nos Municípios com mais de 200 mil eleitores, foi estendida em 1998 àqueles que tivessem mais de 20 mil eleitores, e, nas eleições municipais deste ano, deve ser adotada em todos os Municípios brasileiros.

São inegáveis a praticidade e a comodidade proporcionadas pela urna eletrônica. O penoso trabalho manual de apuração, suscetível a falhas, é eliminado. Evitam-se também as fraudes feitas com papel e caneta, pela violação de urnas e adulteração de votos.

Não obstante, a par de eliminar diversos problemas típicos da votação tradicional, a urna eletrônica brasileira trouxe novos vícios, imanentes ao novo sistema, que poderiam ter sido perfeitamente evitados com medidas simples de segurança.

O Brasil foi o primeiro país do mundo a implementar o voto eletrônico em eleições oficiais. Em diversos países (tais como Estados Unidos, Grã-Bretanha, Espanha, Suécia e Nova Zelândia), a adoção do voto eletrônico ainda está sendo estudada, através de análise minuciosa dos aspectos relativos à segurança, não tendo sido efetivado em nenhum deles. O pioneirismo brasileiro oculta, em verdade, uma porção de precipitação e imprudência.

Com base nos termos amplos da Lei nº. 9.504/97, o TSE centralizou toda a responsabilidade sobre a segurança da urna eletrônica, e, com certa dose de ufanismo, tem apregoado que o voto eletrônico é praticamente imune a fraudes. Contudo, não há garantias reais de que esta afirmação seja verdadeira, pois, sob pretexto de razões de segurança, jamais foi permitida qualquer auditoria externa na urna eletrônica brasileira ou em seus softwares.

Infelizmente, as autoridades eleitorais e as empresas prestadoras de serviços à Justiça Eleitoral têm se negado sistematicamente a discutir o assunto, em ato de notável intransigência. O assunto, embora ainda desconhecido do grande público, é preocupante, pois diz respeito ao voto, viga mestra da democracia e princípio fundamental da República Federativa do Brasil.

O eleitor, privado do direito ao voto secreto e à apuração honesta, ficou sem garantias reais contra o desvio ou a identificação sistemática de votos, sendo obrigado a depositar toda sua confiança nas garantias verbais da Justiça Eleitoral. O voto, decisão soberana do povo e fundamento da democracia, mereceria mais respeito.

Desde 1997, a segurança da votação eletrônica brasileira tem sido discutida na Internet, no Fórum do Voto Eletrônico. Seus membros, dentre os quais juristas e técnicos em informática, têm realizado proveitosos debates, apontando falhas e sugerindo soluções.

As conclusões do Fórum apontam a existência de dois vícios atentatórios aos princípios democráticos na urna eletrônica brasileira.

O primeiro problema é a possibilidade de violação sistemática do sigilo do voto. Para que a urna seja desbloqueada, é necessário que o mesário digite, num terminal de identificação, o número do título do eleitor que irá votar. Como este terminal está conectado à urna, torna-se tecnicamente possível a instalação de um software viciado que associe o número do título de eleitor (digitado no terminal) com o voto (digitado na urna), rompendo o sigilo da votação.

O segundo problema, bem mais grave, diz respeito à possibilidade técnica de fraude eleitoral por desvio de votos. O eleitor, após digitar seu voto na urna eletrônica, visualiza no monitor a confirmação de seu voto, mas não pode verificar se o voto guardado no disco rígido da máquina corresponde realmente ao que viu na tela. Para complicar, em 1998 foi eliminada a impressão individual dos votos, retirando qualquer sentido lógico à interposição de recurso eleitoral de recontagem de votos pois esta se resumirá à simples reimpressão do relatório final da urna sob suspeita. O resultado da apuração de cada urna tornou-se, na prática, irrecorrível.

O voto eletrônico eliminou as fraudes tradicionais, de pequena repercussão, mas, por falta de mecanismos de controle, abriu a assustadora possibilidade de fraudes potencialmente muito mais danosas, através da manipulação global de resultados, sem deixar vestígios.

Em setembro de 1999, o engenheiro Amílcar Brunazo Filho apresentou, no Simpósio sobre Segurança de Informática do Instituto de Tecnologia da Aeronáutica (ITA), um trabalho chamado A segurança do voto na urna eletrônica brasileira, no qual formulou sugestões simples para a solução dos problemas acima relacionados.

Estas idéias são bastante semelhantes às adotadas pelo Projeto de Lei nº. 194/99, alterando a Lei Eleitoral (Lei nº. 9.504/97), apresentado em março de 1999 pelo senador Rubens Requião. O projeto, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, apesar do voto contrário do relator, senador Ramez Tebet, encontra-se em trâmite no Senado.

O projeto foi incluído na pauta do dia 2 de maio de 2000, mas foi requerido prazo para apreciação e deverá ser votado pelo plenário do Senado no próximo dia 25 de maio.