2a Parte - Capítulo I
AS DIVERGÊNCIAS DO MOVIMENTO COMUNISTA

7. AP: uma criação da esquerda católica

Em 1935, no Rio de Janeiro, o Cardeal Leme criou a Ação Católica, que visava a ampliar a influência da Igreja nos diversos segmentos da sociedade. Naquela época, a ascensão do fascismo dividiu a Igreja em torno do apoio à Ação Integralista Brasileira (5). A Ação Católica, dirigida por Alceu de Amoroso Lima, tomou posição favorável ao integralismo, sendo acompanhada por vários clérigos, dentre os quais o padre Helder Câmara.

A dissolução da Ação Integralista por Getúlio Vargas, em 1937, e a derrota do fascismo na 2ª Guerra Mundial fizeram com que a Ação Católica se afastasse dessa linha ideológica. Recuperado de seu passado fascista, D. Helder Câmara, nomeado assistente da Ação Católica, conduziu a entidade para a esquerda, atrelando-a a pensadores católicos como Emanuel Mounier, Teillard de Chardin, Lebret e outros.

No início da década de 60, parcela da Igreja estava ideologicamente dividida. A ala esquerda de D. Helder, contando com o apoio de D. Antonio Fragoso e dos padres Francisco Lago e Alípio Cristiano de Freitas, dentre outros, contrapunha-se à facção conservadora, onde despontavam D. Jaime de Barros Câmara e D. Vicente Scherer. A grande maioria do clero, não comprometida com nenhuma das correntes, mantinha-se alheia à atuação política.

A Ação Católica dispunha de três organismos para conduzir suas atividades: a Juventude Estudantil Católica (JEC), no meio estudantil secundarista; a Juventude Operária Católica (JOC), no meio operário; e a Juventude Universitária Católica (JUC), entre os estudantes de nível superior.

Em 1959, em Belo Horizonte, na reunião do Conselho Nacional da JUC, foi colocado em discussão o documento "Da Necessidade de um Ideal Histórico". No ano seguinte, no seu Congresso dos 10 anos, a JUC aprovou o documento "Diretrizes Mínimas para o Ideal Histórico do Povo Brasileiro", no qual optou pelo "socialismo democrático". Nessa época, a JUC era dominada pela sua ala esquerda, denominada de "setor político", com predominância nos Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia.

No Rio, a PUC, orientada pelo padre Henrique Vaz, era o principal reduto da JUC esquerdista, onde despontava o líder Aldo Arantes. Em Minas, a Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG reunia os principais agitadores da esquerda católica, como Herbert José de Souza, conhecido como "Betinho", Vinícius" Caldeira Brandt e Henrique Novais. Destacava-se, também, a atuação do Padre Lage junto aos favelados. Na Bahia, liderado por Jorge Leal Gonçalves Pereira, o bolsão esquerdista da JUC centralizava-se na Escola Politécnica da Universidade da Bahia e conseguiu eleger Paulo Mendes para presidente da União dos Estudantes da Bahia.

Em 1961, no XXIV Congresso da UNE, a JUC, aliando-se ao PCB, conseguiu eleger Aldo Arantes para a presidência da entidade, iniciando um domínio do movimento universitário, que iria durar anos. Logo depois, a filiação da UNE à União Internacional dos Estudantes (UIE), organização de frente do MCI, provocou viva reação dos setores conservadores da Igreja, que acabaram expulsando Aldo Arantes da JUC.

Os jovens católicos de esquerda, despertados para a "revolução brasileira" e sentindo-se suficientemente fortes, passaram a idealizar um organismo independente da Igreja. Iniciava-se o processo de formação da Ação Popular. Em janeiro de 1962, em São Paulo, a ala esquerda da JUC realizou urna reunião, na qual foi aprovado o documento "Estatuto Ideológico", que defendia a "revolução brasileira" e o "socialismo", e foi criado o "Grupo de Ação Popular", alcunhado de "Grupão". Em seguida, sob o pretexto da luta pela reforma universitária e pelo aumento da representação estudantil para 1/3 nos conselhos universitários, formou-se uma caravana, denominada de UNE-Volante, que manteve contatos com os principais líderes esquerdistas da JUC, em quase todas as capitais do País, sobre a organização do "Grupão" em âmbito nacional.

Numa segunda reunião, realizada em junho de 1962, em Belo Horizonte, foi aprovado um novo documento, o "Esboço do Estatuto Ideológico", mudado o nome da organização. para Ação Popular (AP) e eleita uma Coordenação Nacional. No segundo semestre desse mesmo ano, o XXV Congresso da UNE elegeu para a presidência Vinicius Caldeira Brandt, confirmando o domínio da nova AP.

Durante os dias de carnaval de fevereiro de 1963, na Escola de Veterinária de Salvador, foi realizado o I Congresso da AP, considerado, oficialmente, como o seu Congresso de Fundação. Foi aprovado o "Documento-Base" e seus principais fundadores foram Herbert José de Souza, Aldo Arantes, Luís Alberto Gomes de Souza, Haroldo Borges Rodrigues Lima, Cosme Alves Neto, Duarte Pereira e Péricles Santos de Souza.

O "Documento-Base", confeccionado para estabelecer a linha política inicial da AP, não conseguiu definir com precisão os seus aspectos básicos, permanecendo ainda, com resquícios da doutrina social da Igreja. Apesar de dizer-se marxista, defendia não a ditadura do proletariado mas um objetivo meio infantil, meio irreal, o "socialismo como humanismo". Apesar de defender a revolução soviética, não aceitava etapas intermediárias, propugnando por uma revolução socialista, o que a aproximava da "linha centrista". Apesar de fazer opção pela violência, afirmando que "... a história não registra quebra de estrutura sem violência", não explicitou a forma de luta pela qual propugnava, limitando-se a clamar por uma "preparação revolucionária" conduzida num processo de conscientização e de mobilização populares.

Em seu primeiro ano de existência oficial, antes da Revolução de março de 1964, a AP destacou-se, apenas, por sua atuação no movimento estudantil, por suas origens na JUC e por sua influência na JEC. No campo, infiltrou-se na Comissão Nacional de Sindicalização Rural, criada por um convênio entre a Superintendência para a Reforma Agrária (SUPRA) e o Ministério do Trabalho. Na fundação da CONTAG, em dezembro de 19G3, a AP realizou aliança com o PCB, embora tivesse assumido uma posição mais radical ao defender a reforma agrária "na lei ou na marra". No sindicalismo urbano, sufocada pela força do PCB, nunca, conseguiu resultados expressivos.

A indefinição da linha política fez com que a AP vacilasse em assumir uma postura ideológica, o que só veio acontecer alguns anos mais tarde.


(5) A Acão Integralista Braleira foi um movimento revolucionário, chefiado por Plínio Salgado, com doutrina erquivalente ao fascismo.