2ª Parte - Capítulo III
O ASSALTO AO PODER

1. A rebelião dos sargentos de Brasília

Em 1959, o início da campanha do Marechal Henrique Teixeira Lott, então Ministro da Guerra e candidato à presidência da República, levou a política partidária aos quartéis, envolvendo os subtenentes e sargentos no espírito "nacionalista" que norteava essa campanha.

Em julho de 1959, as comemorações do aniversário do General Osvino Ferreira Alves, Comandante do III Exército, reuniram cerca de 800 subtenentes e sargentos das três forças singulares e da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, com o comparecimento de Leonel Brizola. Os discursos eivados de nacionalismo foram a pedra de toque.

Ao mesmo tempo, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), órgão que reunia intelectuais marxistas, procurava atrair os subtenentes e sargentos, para sua área de influência, através discursos e palestras à praças. O jornal esquerdista "0 Semanário" dava cobertura a essas atividades, vinculando os subtenentes e sargentos à campanha nacionalista.

A derrota do Marechal Lott, em 1960, arrefeceu, pelo menos temporariamente, o movimento na área militar. As eleições de 1962, entretanto, fizeram revigorar esse movimento, provocando a candidatura, a deputado, de alguns subtenentes e sargentos. Nessa época, já havia dados sobre a infiltração comunista nas Forças Armadas.

Havia, inclusive, indicações sobre a possível existência de uma célula comunista no 4º Regimento de Infantaria, em são Paulo. Alguns anos depois, a comprovação da existência dessa célula veio de forma dramática: o Capitão Carlos Lamarca e o Sargento Darcy Rodrigues planejariam e executariam um ousado roubo de grande quantidade de armamento, impulsionando a luta terrorista no País.

Após as eleições de outubro de 1962, o Tribunal Superior Eleitoral considerou inelegíveis os subtenentes e sargento. Insuflados por políticos e comunistas e assoberbados pelos problemas decorrentes dos baixos vencimentos dos militares, os subtenentes e sargentos foram, gradativamente, tomando uma posição de contestação política.

Em novembro de 1962, iniciou-se um movimento para a restituição dos títulos dos subtenentes e sargentos aos Tribunais Eleitorais. Em dezembro, enquanto o Sargento Antonio Garcia Filho era empossado Deputado Federal pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) da Guanabara, o Sargento Aimoré Zoch Cavalheiro, eleito Deputado Estadual pelo Rio Grande do Sul, mas não diplomado, lançava um manifesto justificando o recurso a instâncias superiores e tecendo críticas à Justiça Eleitoral.

Em 10 de janeiro de 1963, o Clube dos Suboficiais, Subtenentes e Sargentos das Forças Armadas e Auxiliares (CSSSFAA) criou a Comissão de Defesa da Elegibilidade dos Sargentos (CODES), que, logo, iniciou uma campanha baseada nos "slogans": "Sargento também povo" e "Exigimos respeito ao voto popular". Iniciava-se uma fase de agitação, com reuniões, comícios, panfletagens e declarações à imprensa, sendo também detectado um movimento para forçar Jango a cumprir promessas feitas, ainda que com o emprego da força.

Em 6 de março de 1963, em São Paulo, realizou-se uma passeata pela posse dos sargentos eleitos, com a participação de solc1ados, cabos, sargentos e políticos, durante a qual os militares da Aeronáutica e da Força Pública de são Paulo compareceram fardados. A passeata, iniciada nas proximidades da Praça da Sé, terminou no Teatro Paramount, para uma sessão solene. À mesa diretora, sentaram-se os comunistas Rio Branco Paranhos, Geraldo Rodrigues dos Santos, José da Rocha Mendes Filho, Mário Schemberg, Luiz Tenório de Lima, Oswaldo Lourenço e o General Reformado Gonzaga Leite, um dos organizadores do Congresso Continental de Solidariedade a Cuba, além de vários presidentes de Confederações Nacionais de Trabalhadores, dentre os quais Clodsmith Riani, da CNTI, que presidiu a solenidade. Na ocasião, Mário Schemberg defendeu o direito de voto aos analfabetos, soldados e marinheiros. O Sargento José Raimundo, da Força Pública de São Paulo, teceu exacerbadas críticas aos grupos internacionais, ameaçando as autoridades por não atenderem as reivindicações populares, sob pena dos sargentos e do povo assumirem os destinos do Pais.

Antonio Garcia Filho, único sargento empossado como deputado, fazia viagens por diversos Estados, realizando reuniões com os subtenentes e sargentos e fazendo contundentes pronunciamentos. Em Fortaleza, o Sargento-Deputado afirmou que, se não houvesse uma decisão favorável à posse dos eleitos, a Justiça Eleitoral seria "fechada". Pregou "o enforcamento dos responsáveis pela tirania dos poderes econômicos" e rotulou a instituição militar de "nazista". Defendendo .uma revolução para a execução das reformas, estabeleceu, como preliminar, a substituição do Ministro da Guerra, Amaury Kruel pelo General Jair Dantas Ribeiro, então Comandante do III Exército, por ser mais "maleável" (1). Não queria que o General Osvino fosse o Ministro da Guerra, pois o "General do povo" era demasiadamente ligado ao Presidente da República. Apoiado pelos comunistas, como Prestes, Hércules Correia e Max da Costa Santos, Antonio Garcia Filho procurava intervir nas eleições do Clube de Subtenentes e Sargentos e, em 24 de abril, junto com militantes do PCB, iniciou estudos, para a criação de um Sindicato de Sargentos. Em abril e maio de 1963, incitava seus companheiros durante seguidas reuniões, afirmando que os "sargentos, de armas na mão, impedirão a implantação do gorilismo no Brasil e que "o General Kruel, ligado aos grupos mais reacionários, vem tentando dar o golpe no regime".

Um plano de trabalho, posteriormente apreendido, detalhava o que deveria ser executado para o domínio dos clubes, círculos e grêmios militares. Preconizava, também, a distribuição de literatura "progressista", que deveria ser discutida pelos sargentos, reunidos em "grupos de 5."

Em 11 de maio de 1963, os sargentos reuniram-se no auditório do Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários (IAPC), no Rio de Janeiro, para comemorar o aniversário do "General do povo". Falando em nome dos subtenentes e sargentos, o Subtenente Jelcy afirmou: "... pegaremos em nossos instrumentos de trabalho e faremos as reformas, juntamente com o povo. Mas lembrem-se os senhores reacionário: o instrumento de trabalho dos militares é o fuzil!".

As eleições de agosto de 1963, para vereadores, propiciaram a realização de nova série de reuniões de sargentos, nas quais apareciam, invariavelmente, teses para a contestação políticas.

Logo após o já Ministro da Guerra, Jair Dantas Ribeiro, ter declarado que era admissível a criação de clubes e grêmios de militares desde que dentro dos quartéis, realizou-se, em 2 de setembro, no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, uma reunião da Associação dos Cabos e Soldados, em homenagem ao Presidente da República. Nessa reunião, o Ministro da Justiça, representando o Presidente, disse que "os cabos e soldados são os trabalhadores fardados".

Afetada a disciplina e desmoralizada a autoridade, não se constituiu em grande surpresa a rebelião dos sargentos de Brasília, em 12 de setembro de 1963. Nessa madrugada, sucessivamente, os sargentos apossaram-se do Ministério da Marinha, da Base Aérea, da Área Alfa (da Companhia de Fuzileiros Navais), do Aeroporto Civil, da Rodoviária e da Rádio Nacional. Pretendiam, com isso, numa primeira fase, dominar a Capital Federal e, posteriormente, expandindo a ação, implantar um regime de cunho popular.

Entretanto, de âmbito limitado e restrito a Brasília, e contando, apenas, com sargentos da Marinha e da Força Aérea, o movimento foi debelado e presos os seus autores. Às 16 horas desse mesmo dia, foi possível anunciar ao Pais o fim da "rebelião dos sargentos". Declaraç6es de sargentos pesos e documentos apreendidos mostraram. o apoio à rebelião dado pela POLOP e pelo PCB (através do CGT).

Se os Forças Armadas estavam preocupadas, agora, com o movimento, passaram a ficar atentas.


(1) Em junho dc 1963, o General Jair Dantas Ribeiro assumiu o Ministério da Guerra, em substituição ao General Amaury Kruel, que foi comandar o II Exército.