2ª Parte - Capítulo III
O ASSALTO AO PODER

3. A frente única

As pressões econômico-financeiras e os impasses políticos, aliados às flutuações de comportamento de Jango, pareciam levar o Governo em direção à esquerda radical.

Apesar de encontrar dificuldades nas análises da situação, as diversas facçôes de esquerda cresciam e.acreditavam que a desorganização da elite política tradicional estava abrindo caminho para radicais transformações nas estruturas do Pais. Cada uma delas mantinha a esperança de que uma reviravolta nos acontecimentos poderia colocar o Presidente em suas mãos. Essa esperança e o costumeiro excesso de confiança não lhes permitiam perceber que estavam, na verdade, mais divididos do que seus adversários.

Observando o multifacetado espectro político, o ex-Ministro San Thiago Dantas iniciara, desde fins de 1963, esforços para unir as esquerdas numa frente única. Sua preocupação era que Jango poderia ser levado, por qualquer uma dessas facções, a superestimar sua própria força política e a tomar atitudes desastradas para o Pais.

Entretanto, somente uma dessas facções, O PCB, aderiu a frente única, tangido pela preocupação com um prematuro teste de forças e pelo prometido apoio do Governo em favor de sua legalização. Além disso, com a frente única, o PCB poderia defender, com mais força, a sua tese de,implantação de um "governo nacionalista e democrático". O PC do B, ainda sem grande expressão, rejeitou a frente única de San Thiago Dantas e, coerente com a sua linha política de orientação chinesa, continuava a pregar a luta revolucionária dos camponeses. A Ação Popular (AP) e a UNE ainda estavam longe de aceitar a disciplina de um partido comunista e rejeitaram a frente única. Às Ligas camponesas faltava uma liderança que as pudesse representar, unificadamente Julião desaparecera de circulação. Também Brizola não apoiou a frente única. Desprezando San Thiago Dantas e isolado pelo seu caráter autoritário e por sua desmedida ambição, Brizola, desde outubro, estava mais empenhado em organizar a sua própria frente, a Frente de Libertação Nacional. Arraes, provável candidato das esquerdas às eleições presidenciais de 1965, mantinha uma atitude controlada: apesar de fazer restrições à frente única, não afastava a possibilidade de vir a integrá-la.

Jango, de mãos dadas com o PCB, assumiu a frente única de San Thiago Dantas. No discurso de fim de ano, o Presidente criticou os políticos que se recusavam a apoiar as reformas de base. Adotou, também, uma atitude mais agressiva para com o capital estrangeiro. Ao assinar, em janeiro de 1964, o decreto regulamentando a lei de remessa de lucros, acedeu a um dos objetivos do PCB. A partir de 1964, suas atitudes passaram a caracterizar-se pela impulsividade.

A frente única desejada por San Thiago Dantas transformou-se na frente "popular" de João Goulart, com o PCB e as organizações e entidades por ele infiltradas ou dominadas. Tudo indicava que o prognóstico do Partido, feito havia pouco menos de dois anos, estava correto. O PCB aproximava-se de seu primeiro objetivo estratégico.