Havia já algum tempo, os militares vinham acompanhando o desenrolar dos acontecimentos. Observavam, cautelosos, os desdobramentos políticos e o caos econômico-financeiro do país. Espantados, sentiam o temor do povo, em face do crescimento das esquerdas. A permanente ameaça de greve geral infundia-lhes uma tensão que ia atingindo, gradativamente, um ponto sem retorno.
Entretanto, inquietavam-se, e muito, com os atos de rebeldia de outros militares, que, não coibidos com rigor, iam rachando os pilares da disciplina e da hierarquia.
Seis meses antes, em setembro de 1963, a rebelião dos Sargentos de Brasília servira como exemplo de que a estrutura militar estava abalada.
Alguns militares não mais aceitavam a desobediência e a insubordinação. Outros, ainda aguardavam, esperançosos, atitudes firmes do Governo Federal, que restaurassem a disciplina e a hierarquia. Alguns poucos, entretanto, aliavam-se ao movimento esquerdista, e entre eles os que ansiavam pelo rótulo demagógico de "generais e almirantes do povo".
A rebelião dos marinheiros de 25 de março de 1964, no Rio de Janeiro, foi a gota de água, que, congregando os militares, decidiu sobre suas ações.
No inicio de maio de 1962, o Ministro da Marinha, Almirante Silvio Mota, foi surpreendido pela fundação da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB), cujo primeiro presidente era o marinheiro João Barbosa de Almeida. A autoridade ministerial ficou, assim, diante de uma entidade, existindo - como fato consumado - à revelia dos regulamentos militares.
Sob o pretexto de realizar atividades sociais, recreativas, assistenciais e culturais, a AMFNB, aquinhoada com verbas vultosas, passou a pregar a subversão na Marinha. Chegou, até, a designar representantes seus, sob a denominação de "delegados da AMFNB", junto aos comandantes das unidades navais. Tal fato provocou uma reação dos oficiais, a qual resultou na proibição das atividades desses "delegados" a bordo dos navios e na recomendação para que fossem rigorosamente fiscalizados.
Em setembro de 1963, durante a cerimônia de posse da nova diretoria da. AMFNB,o presidente eleito, o marinheiro José Anselmo dos Santos teceu severas críticas às autoridades navais, sendo punido, pelo Ministro da Marinha, com 10 dias de prisão. Em protesto pela punição, a AMFNB, em Assembléia, exigiu do Ministro a relevação da prisão. Em face da indisciplina, foi aberto um Inquérito Policial Militar, resultando novas prisões e o enquadramento de alguns integrantes da AMFNB no Código Penal Militar.
pesar do IPM, a agitação prosseguiu, até que, em 25 de março de 1964, 1.400 sócios da AMFNB amotinaram-se no Rio de Janeiro, abrigando-se na sede do Sindicato dos Metalúrgicos. Desafiando abertamente as ordens pura regressarem aos quartéis, os amotinados gritavam "Viva Goulart" nas janelas do sindicato, e apregoavam fidelidade somente ao Comandante dos Fuzleiros Navais, o Almirante Cândido da Costa Aragão, amigo de Goulart e conhecido como "Almirante do Povo".
Nesse dia 25 e no seguinte, 26 de março de 1964, após sucessivas assembléias, os marinheiros e fuzileiros navais amotinados difundiam as seguintes exigências para o fim do movimento:
- substituição do Ministro da Marinha por um dos três almirantes por eles indicados (Paulo Mário, Suzano ou Goiano);
- anulação das punições impostas aos membros da diretoria da AMFNB;
- garantia de que nenhum dos amotinados sofreria qualquer sanção; e
- reconhecimento da existência legal da AMFNB.
Para acabar com a insubordinação, o Ministro da Marinha determinou, na manhã do dia 26, o deslocamento de um contingente de Fuzileiros Navais para desalojar e prender os amotinados. Surpreendentemente, alguns desse contingente depuseram as armas e integraram-se aos refugiados no Sindicato, enquanto o restante retornou ao quartel sem cumprir a missão.
A indisciplina generalizou-se. Na manhã do dia seguinte, 27 de março, a Marinha tomava conhecimento de que havia, também, movimentos de rebeldia em alguns navios da Esquadra. As 8.30 horas, um agrupamento de cerca de 200 marinheiros dirigiu-se ao prédio do Ministério da Marinha, em solidariedade aos amotinados. Apesar das advertências, o grupo continuava avançando. Somente com dois disparos feitos para o ar pela tropa que defendia o Ministério, o agrupamento foi disperso.
Em vista desse acontecimento, o Ministro da Marinha exonerou o Almirante Aragão e tropas do Exército cercaram o Sindicato dos Metalúrgicos e isolaram os marinheiros rebeldes. Algumas horas depois, entretanto, o Presidente da República mandou levantar o cerco e "pediu" que os marinheiros voltassem para seus quartéis, dando-lhes a garantia de que não seriam punidos.
O Ministro da Marinha demitiu-se. Jango reconduziu o Almirante Aragão a seu posto e nomeou o Almirante da Reserva Paulo Mário como novo Ministro. A vitória da indisciplina, como apoio do Governo Federal, foi completa. Nessa mesma tarde, os marinheiros amotinados a comemoraram ruidosamente, conduzindo, nos ombros, o "Almirante do Povo". O Presidente incorrera em erro grave, julgando que as Forças Armadas assistiriam passivamente a essa escalada da subversão e que a oficialidade seria alijada pelos sargentos e praças, que vinham sendo submetidos à doutrinação comunizante, sem qualquer reação.
Dois dias depois daquele insólito episódio, em 29 de março de 1964, centenas de oficiais da Marinha reuniram-se no Clube Naval, contrariados com a quebra da disciplina e da hierarquia. Um manifesto ao povo brasileiro, assinado por mais de 1.500 oficiais da Marinha, declarava que havia chegado a hora de o Brasil defender-se. O Exército proclamou solidariedade à Marinha. A imprensa aderiu. No Congresso Nacional, dezenas de parlamentares pronunciaram-se contra a indisciplina.
Os que antes não aceitavam os desmandos do Governo passaram a agir. Os que ainda aguardavam, desiludiram-se e engrossaram as fileiras dos verdadeiros democratas. A Revolução Democrática estava por dias.