3ª Parte - Capítulo I
1964

2. O Ato Institucional nº 1

Na madrugada de 2 de abril de 1964, o Presidente do Congresso Nacional declarava vaga a presidência da República e convidava para assumi-la, imediatamente, o Presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli. A seguir-se o rito constitucional, restava a eleição, pelo Congresso Nacional, do Presidente e do Vice-Presidente da República, dentro de trinta dias.

Com a ausência de princípios doutrinários rígidos e bem definidos para orientar os caminhos da Revolução, e ultrapassado o medo da implantação de uma república sindical ou popular, começaram a vir à tona interesses contraditórios, reunidos e abafados com o objetivo maior do movimento revolucionário. A perplexidade dos primeiros dias deu margem à uma série de manobras de grupos e de partidos, que buscavam fazer o pêndulo do poder oscilar para o lado de seus interesses.

O Comando Revolucionário desejava que o Congresso começasse por sua própria depuração e que votasse uma legislação antisubversiva de emergência, a fim de facilitar a restauração da ordem legal, após a necessária "limpeza da área". Ao invés disso, o Congresso procedeu como se 1964 não diferisse das crises anteriores e tentou viabilizar um ato de emergência próprio. Esse procedimento provocou a pronta reação do Comando Revolucionário, que praticou seu primeiro ato realmente revolucionário, outorgando o Ato Institucional nº 1.

Por esse ato, o Congresso passava a ser uma projeção do processo revolucionário e não a sua origem. Em seu preâmbulo, ficavam claras sua justificação e as intenções do Alto Comando. Era uma resposta à crise de autoridade política que se evidenciara no País desde o início da década de 50 e se agravara com o súbito vácuo de poder. O Ato Institucional abria o caminho para a Revolução que se ressentia da falta de um programa e de uma doutrina.

Anunciado na tarde de 9 de abril , assim era dirigido à nação em seu preâmbulo:

" (...) O Ato Institucional que é hoje editado pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, em nome da revolução que se tornou vitoriosa com o apoio da Nação na sua quase totalidade, se destina a assegurar ao novo governo a ser instituído, os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil (...). A revolução vitoriosa necessita de se institucionalizar (...).

Os processos constitucionais não funcionaram para destituir o governo (...). Destituído pela revolução, só a esta cabe ditar as normas e os processos de constituição do novo governo e atribuir-lhe os poderes ou os instrumentos jurídicos que lhe assegurem o exercício do Poder no exclusivo interesse do País.

Para demonstrar que não pretendemos radicalizar o processo revolucionário, decidimos manter a Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la, apenas, na parte relativa aos poderes do Presidente da República (...). Para reduzir ainda mais os plenos poderes de que se acha investida a revolução vitoriosa, resolvemos, igualmente, manter o Congresso Nacional, com as reservas relativas aos seus poderes, constantes do presente Ato Institucional.

Fica, assim, bem claro que a revolução não procura legitimar-se através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções, a sua legitimação.

O Ato Institucional outorgava à Revolução poderes para a rápida transformação do País, mantendo o Legislativo, o Judiciário e a própria Constituição. Dava, ao Presidente da República, o poder de introduzir emendas constitucionais; abreviava o processo de elaboração dos atos legislativos; dava, ao Executivo, competência exclusiva em legislação financeira; suspendia, por seis meses, as garantias de vitaliciedade e estabilidade, permitindo, mediante investigação sumária, a demissão, a disponibilidade ou a aposentadoria dos que houvessem "tentado contra a segurança do País, o regime democrático e a probidade administrativa"; autorizava, também, nos seis meses seguintes, a suspensão de direitos políticos pelo prazo de 10 anos e a cassação de mandatos legislativos, excluída a apreciação judicial. Finalmente, o Ato institucionalizava o mecanismo de transferência do Poder Executivo, através do Colégio Eleitoral, encarregado de escolher indiretamente o Presidente da República.

Investida no exercício do Poder Constituinte, por algum tempo, a Revolução traçava os seus próprios limites.