3ª Parte - Capítulo I
1964

4. Os desencontros iniciais

Tantas quantas foram as correntes de pensamento que se aglutinaram em torno do ideal revolucionário, tantas foram as que emergiram da revolução pretensamente vitoriosas e desejosas de imprimir-lhe rumos consentâneos com suas idéias. À medida que a Revolução se desenvolvia e sua estratégia ia sendo traçada, passava a desgostar indivíduos e grupos, que viam, na não coincidência de seus rumos com suas próprias idéias e interesses, descaminhos revolucionários.

Era a conseqüência natural da ausência de objetivos políticos definidos. Antes da Revolução, essa discussão não fora aprofundada, porque poderia tornar impossível a coligação que a tornou vitoriosa. Depois, apresentava o risco de provocar cisões irremediáveis nas forças revolucionárias e mesmo precipitar "um contramovimento executado pelas forças janguistas". (7)

O preconceito legalista, que dominou a elaboração do Ato Institucional nº 1, não agradou aos militares mais jovens que haviam conspirado com correntes civis em todo o curso do movimento revolucionário. A redação do AI denotava o receio do Alto Comando Revolucionário de que a Revolução se confundisse com um golpe, razão porque desejava realizar um mínimo de alterações na ordem constitucional, preservando as instituições e buscando formas insólitas de realizar a Revolução, tanto quanto possível, dentro das regras políticas democráticas. Esse exagero conduziu ao paradoxo de eleger-se um presidente revolucionário para um governo constitucional. A preocupação em manter as aparências redundaria no erro de atribuir-lhe, apenas, o período restante do mandato presidencial, que logo se mostraria exíguo e desproporcional aos objetivos que se pretendia alcançar nesse período.

Havia grupos, como expressaria Prudente de Morais Neto, que consideravam que, tendo a Revolução vencido e sendo Castelo seu chefe, seu comandante "deveria assumir o Governo, não por meio de eleições mas pela força dos fatos, como comandante de uma força revolucionária vitoriosa, e, em seguida, cumprir um programa revolucionário". Para essa corrente, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal deveriam ter sido fechados e reformados, na medida do necessário, e os partidos políticos dissolvidos. Enfim, deveriam ter sido tomadas todas aquelas providências que as revoluções costumam realizar quando vitoriosas, durante um curto prazo, até exaurir-se o poder constituinte que toda revolução traz em si. (8) (9)

Essas divergências, aos poucos, foram delineando duas linhas distintas nas hostes revolucionárias: a dos ortodoxos, que estimulava uma ação mais drástica do Governo e que ficou conhecida como "linha dura", e uma outra, a dos "liberais ou constitucionalistas" , até generosa num contexto revolucionário.

Embora idéias discordantes façam parte da história de todas as revoluções, essas representavam, na realidade, uma primeira fissura na área revolucionária, que iria influir nos caminhos da Revolução.


(7) Alfred, S., obra citada, pág. 157: "Ao deixar o Brasil, a 2 de abril de 1964, Goulart declarou que retornaria ao poder dentro de um mês, porque os generais iriam brigar entre si...; preocupados com um contramovimento se estivessem divididos, os generais organizaram uma reunião, onde concordaram em que a unidade era o fator mais importante e por este motivo eles todos apoiariam um nome para Presidente."

(8) Prudente de Morais Neto, jornalista de renome e que exerceu considerável influência como cronista político, com o pseudônimo de Pedro Dantas, fazia parte dos que pensavam desse modo. Seu pensamento está expresso na entrevista "As distorções de 64 começaram com Castelo" - publicada no Vol. I da coleção "A História Vivida" - editada pelo "O Estado de S. Paulo".

(9) Na verdade, poucos eram os que se davam conta de quão revolucionário era esse ato constitucional e que implicações teriam, na prática, o expurgo de militares e civis e a cassação política - providência inédita -, nos destinos da Revolução e do País.