3ª Parte - Capítulo I
1964

16. Um mil novecentos e sessenta e quatro

O ano de 1964 seria marcado pela Revolução·Democrática de 31 de março, que, como expressão da vontade nacional, barrara "a trajet6ria dos comunistas rumo ao poder., numa clara opção do povo brasileiro pelo regime democrático. A Revolução trazia também em seu bojo a determinação de realizar transformações profundas no Brasil, capazes de tirá-lo da posição marginal que vinha ocupando na história, enquanto Nação, para torná-lo - ao contrário do que parecia ser o destino dos países periféricos - um país viável.

No entanto, o consenso de crise difere substancialmente do consenso necessário às tarefas de governo, de modo que já no dia da vitória, começaram as divergências quanto aos seus objetivos, prioridades e formas e modos de alcançá-los. O próprio restabelecimento da ordem e da tranqüilidade nacionais, que era uma aspiração generalizada e a que se entregaria nesse ano o governo revolucionário, imporia a adoção de medidas que sacrificavam, na essência, o que era um dos objetivos prioritários da Revolução - a manutenção e o aperfeiçoamento do regime democrático.

0 governo revolucionário traçou, porém, sua estratégia para equacionar os problemas fundamentais do País, onde se destacava a necessidade de racionalizar a economia, desestruturada por anos de governos populistas e demagógicos. Estabeleceu o seu plano de governo incluindo nele importantes reformas estruturais e emergenciais e procurou estabelecer uma base política que lhe desse sustentação.

Na sua opção de restabelecimento da ordem, efetuou inúmeras prisões que abalariam principalmente a estrutura de duas organizações que vinham atuando abertamente e com alguma desenvoltura: a Política Operária (POLOP) e o Partido Operário Revolucionário Trotskista (PORT). Tais medidas não atingiriam com a mesma profundidade o PCB, que agia de modo mais discreto. No entanto, o impacto da Revolução viria acirrar as divergências internas desse partido, onde uma facção, pelo menos, já não concordava com a linha política adotada desde o V Congresso, realizado em setembro de 1960. O PC do B, com sua ainda incipiente estrutura, não foi praticamente afetado. Reanalisou a conjuntura e reafirmou sua opção pela luta armada, o que iria facilitar seu trabalho de aliciamento das facções radicais do PCB.

Mas seria Leonel de Moura Brizola, que vinha realizando, desde sua fuga para o Uruguai, gestões e entendimentos para tornar-se o líder máximo da contra-revolução no exterior, que planejaria uma primeira operação que, no entanto, foi abortada na origem. O fracasso dessa tentativa não abateria, porém, seu ânimo e o de seus companheiros de viagem.

O mesmo se pode dizer quanto à primeira campanha movida contra o Governo com relação à tortura. As averiguações demonstraram que não procediam as acusações e, tão importante quanto este fato, que o Governo não compactuava com essa prática, cuja pecha tentaram impor-lhe. Sabedores, porém, de que o Governo não tinha condições de a cada caso criar uma comissão de averiguação, essas denúncias prosseguiram no País e no exterior. Uma vez feitas, essas denúncias geram, no mínimo, a dúvida, seja porque é sabido que quando a autoridade se dilui há sempre a possibilidade de excessos e abusos, seja porque a maioria das pessoas ouve as denúncias mas poucas são as que se interessam pelas respostas.