4ª Parte - Capítulo I
A ESTRATÉGIA GERAL

4. A campanha psicológica

Em apoio à consecução das metas do período de equilíbrio estratégico, seria desencadeada uma verdadeira operação psicológica, com base principalmente em ações políticas e psicossociais. Através dessas atividades as organizações subversivas difundiriam suas "bandeiras" e buscariam criar em grupos nacionais e internacionais, emoções, atitudes e comportamentos favoráveis à consecução de seus objetivos.

Seria dada continuidade à campanha psicológica que se desenvolvia no exterior com a Frente Brasileira de Informações (FBI) e que agora adentraria ao território nacional.

A revoada de subversivos do Chile, com a queda do governo de Salvador Allende, e do Brasil, com a derrota militar da esquerda revolucionária, havia possibilitado a expansão da Frente Brasileira de Informaç6es (FBI) que continuava operando. No entanto, a partir de 1974, as atividades da FBI iriam começar a sofrer um declínio, como decorrência da vitória dos órgãos de segurança sobre as organizaç6es terroristas. As denúncias divulgadas no exterior, na sua maior parte, referiam-se à ação policial contra os terroristas, sua violência e pretensa tortura que infligiam aos prisioneiros. Esse tema ia perdendo sentido.

No inicio de 1974, a Amnesty International que empregara vários subversivos brasileiros em suas sucursais e que se propunha a ajudar prisioneiros condenados por motivo de suas convicções políticas, "que não tinham cometido atos de violência", publicou e difundiu o documento "Deaths in Custody in Brazil", contendo nomes de terroristas e subversivos mortos, buscando polemizar as ocorrências. O novo tema a ser trabalhado não só iria ocupar a FBI na sua difusão, como se somaria ao da tortura e seria utilizado por mais de uma década.

Em 19 de abril de 1974, na sessão do Tribunal Bertrand Russel, foram apresentados inúmeros testemunhos de subversivos brasileiros que haviam sido patrocinados pelo Comitê Italiano da Amnesty International, mediante compensação financeira. Dentre os aquinhoados estavam os depoentes Miguel Arraes, Fernando Paulo Nagle Gabeira, Dulce de Souza Maia, Marco Antônio Moro, Denise Crispim, Wellington Moreira Diniz, Carlos Figueiredo de Sá, Maria do Socorro Soares Vigevani, Jean Marc Friedrich Van Der Weid, Frei Tito de Alencar Lima, Ângelo Pezutti, Sônia Regina Yessin Ramos, Onofre Pinto, Gregório Bezerra e Thiago de Melo. Como o leitor poderá notar, um corpo de jurados altamente qualificado e principalmente "isento".

Se no ano anterior, a queda do governo chileno representara a perda de um importante bastião no esquema do movimento comunista, este ano, a Revolução dos Cravos, em 25 de abril, em Portugal, abria um novo espaço, particularmente, para os subversivos brasileiros que se encontravam no exterior. Em Portugal, o Partido Comunista passou a controlar a revolução militar e o próprio Movimento das Forças Armadas e oferecia aos "companheiros de viagem" as mesmas facilidades que lhes dera Allende no Chile. Em torno de setembro/outubro de 1974, encontravam-se residindo em Lisboa Márcio Moreira Alves, Almino Afonso, Carlos Figueiredo de Sá e outras figuras de destaque da FBI. Por volta de novembro de 1974, Miguel Arraes mudou-se, também, para Lisboa, unindo-se ao restante da coordenação internacional da frente. À essa época, também já chegara a Portugal José Maria Crispim que ali fundara o Movimento de Ação Socialista (MAS), congregando o que restara da ALN, do MR-8 e do PCBR. Nessa época, o MAS recebia auxílio financeiro da Junta de Coordenação Revolucionária, sem, entretanto, integrá-la (4).

Em janeiro de 1975, após analisar um extenso informe do professor brasileiro da Universidade de Vincennes, Francisco Andrade - ligado à ALN - o Tribunal Bertrand Russel condenou o Brasil. Durante a sessão, além do Brasil, foram julgados o Chile, o Uruguai e a Bolívia, acusados de violarem os direitos fundamentais do homem. Os quatro países foram condenados e considerados culpados de "crimes contra a humanidade".

Aproveitando-se das comemorações do Ano Internacional da Mulher, instituído pela ONU, foi lançado em São Paulo, sob a liderança da militante do PCB Therezinha Godoy Zerbine, o Movimento Feminino pela Anistia (MFA ou MFPA), que visava criar uma corrente de opinião interna e internacional para pressionar o governo brasileiro a conceder anistia a todos os presos políticos. Constituído por diversas militantes de organizações subversivas, algumas inclusive com condenações, mães e esposas de subversivos, o MFA iria se irradiar para outras capitais, inserindo-se na campanha psicológica que vindo do exterior adentrava o País. Nos lugares onde esse movimento foi dominado por militantes do PC do B intitular-se-ía Movimento Feminino pela Anistia e Liberdades Democráticas. Paralelamente, em 30 de maio de 1975, era criado em Portugal o Comitê Pró Anistia Geral no Brasil. também conhecido como Comitê Português pela Anistia Geral no Brasil (CPAGB).

As medidas liberalizantes que vinham sendo tomadas no Brasil constituíam-se em mais um fator de esvaziamento da FBI.

Em 8 de fevereiro de 1976, Carlos Figueiredo de Sá reuniu-se em Lisboa com asilados brasileiros numa espécie de "assembleia geral". Durante o encontro, foi aprovado um texto que passou a vigorar como os estatutos do "Comitê Pró Anistia Geral no Brasil (CPAGB), organismo oficial da campanha pela anistia dos presos políticos. O CPAGD autodenominava-se "apartidário, aberto à participação de todos aqueles que possam se dedicar a solidariedade com a luta do povo brasileiro". Na verdade o CPAGB era uma frente de propaganda contra o governo brasileiro e que tomaria o lugar da FBI, sendo a anistia ampla, geral e irrestrita uma de suas principais bandeiras. A CPAGB contava com o apoio do Partido Socialista Português (PSP), Partido Comunista Português (PCP), entidades ligadas aos Direitos Humanos e organizações de frente do MCI. Seu órgão de divulgação denominava-se "Amnestia".

Além de portugueses ligados ao PSP e ao PCP, faziam parte de sua direção vários subversivos brasileiros (5). Esses comitês, como a FBI, foram criados em diversos países da Europa, Argélia e EUA.

Mostrando que efetivamente tratava-se de uma frente de propaganda o CPAGB divulgou, logo após sua criação, com ampla publicidade na imprensa, a situação dos presos políticos do presídio da Ilha Grande.

Em abril de 1976, confirmando suas atividades, como frente de propaganda, o CPAGB lançou uma publicação intitulada "Dos Presos Políticos Brasileiros". Tratava-se de uma condensação do livro "Al1egation of torture in Brazil" publicado em 1972 pela Amnesty International, possivelmente realizada por Márcio Moreira Alves, um dos principais responsáveis por sua publicação.

Em 14 de fevereiro de 1978 era lançado no Rio de Janeiro o Comitê Brasileiro de Anistia (CBA). Cumprindo, internamente, função semelhante à da FBl, as organizações pró-anistia realizavam debates, passeatas, manifestações e comícios, procurando pressionar o Congresso por uma lei que concedesse anistia a todos os presos políticos e a todos os cidadãos banidos em nome de qualquer dos três principais atos institucionais.

Continuariam a valer-se da propaganda para transmitir à nação brasileira suas "bandeiras" e também uma "verdade" própria, unilateral e distorcida sobre os fatos relacionados com o processo revolucionário-terrorista desencadeado no País e principalmente, em relação ao combate a essa subversão que, pelo nível de seu desenvolvimento, acabou por envolver as Forças Armadas. Adentrando no País no bojo da campanha pela anistia, deixavam subjacente em suas mensagens a "candura" dos terroristas, apresentados como "angelicais defensores" da sociedade democrática. Valendo-se do invencível tropismo das massas para a mentira, de que nos fala Djacir Menezes, particularmente se apresentada sob forma mística, não lhes faltou sequer esse efeito, obtido por meio dos teólogos da "libertação" que chegaram a comparar os terroristas ao Cristo que "passou pela terra fazendo o bem, foi perseguido, torturado e morto". Naturalmente, nunca disseram, nesse verdadeiro protótipo da técnica de meia-verdade, por razões obvias, que Cristo não assaltou, não sequestrou, nem assassinou ninguém. Na idéia força da "resistência democrática" punham, de forma subliminar, a tese constante das esquerdas de que o recurso a violência, à luta armada, havia lhes sido imposto como única alternativa deixada pelas forças da "ditadura militar".

Essa "verdade" foi transmitida através de ideias-força com alta conotação emotiva e propositadamente genéricas, como: "direitos humanos", "tortura, torturados e torturadores"; "liberdades democráticas"; "estado de direito"; "ditadura militar"; "órgãos de repressão", etc, que, por seu largo espectro, sugerem diferentes idéias e diferentes pessoas e explorando interesses e crenças da população, mostraram-se eficiente. e atingiram múltiplos objetivos. Além de difundir suas bandeiras, permitiu-lhes ou têm lhes permitido denegrir e enxovalhar seus algozes, os órgãos de segurança - buscando, nessa fase, combalir o ânimo de seus integrantes, destruir sua moral e acuá-los em campanhas bem orientadas. Permitiu-lhes colocar os grupos neutros contra esse alvo. E, permitiu-lhes, finalmente, justificar seus fracassos pretéritos aos olhos dos futuros recrutados, isto é, transformar a derrota militar em vitória política.

Nessa fase ainda, seu aliado era o clero "progressista" valendo-se da dialética dos direitos humanos e utilizando-se do instrumental ela Igreja - que formalmente já atua politicamente através da CNBB - que desce ao nível das "organizações de base", por meio de ampla rede de comissões, subcomissões e atividades de grupos, realizava seu próprio projeto de coordenação política - seu trabalho de massa - organizando grupos de pressão, com táticas próprias.

O objetivo desse trabalho, além de outros que veremos em capítulo seguinte, era a "rápida mobilização de movimentos de massa em torno de certas questões". Nessa ocasião aflorou, por exemplo, o Movimento Contra o Custo de Vida", orientado pelo clero "progressista", aparentemente sem conotação política, mas objetivamente estruturado como forma de treinamento e organização de massa. Esse movimento começou a ser organizado em 1973 e só veio à tona em 1978, como se fosse "uma ação espontânea de iniciativa da própria massa".


(4) Fundada em fevereiro de 1974 na Argentina, a JCR reunia as organizações mais radicais do subcontinente sulamericano, liderada pelo ERP, numa demonstração de que a suspensão da luta armada era conjuntural. A ALN integrava seu "Comando Unificado" que era constituído ainda pelo Exército Revolucionário do Povo (ERP) da Argentina, o Movimento de Libertação Nacional (MLN) da Bolívia e o Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR) do Chile.

(5) Faziam parte da direção do CPAGB: Almir Dutton Ferreira; Domingos Fernandes; José Maria Crispim; Márcio Moreira Alves; Cândido da Costa Aragão; Carlos Figueiredo de Sá; Fernando Leite Pereira; Ziliam Dutton Ferreira; Altair Luchesi Campos e Moema Fernandes.