4ª Parte - Capítulo I
A ESTRATÉGIA GERAL

6. A contra-ofensiva

A passagem do período de equilíbrio estratégico para a contra-ofensiva estratégica foi deflagrada pelas organizações subversivas em 1979 como consequência da adoção, pelo Governo do General João Baptista Figueiredo, do processo de aprimoramento democrático que ficou conhecido como "abertura política ", através do qual restabeleceram-se as franquias democráticas. O primeiro passo desse período foi a anistia política, resultado de intensas negociações com a oposição (14). Houve também mudanças na Lei de Inelegibilidade, possibilitando a candidatura dos anistiados. No bojo da abertura foi feita, ainda, uma reforma eleitoral que extinguiu os partidos existentes e possibilitou a criação de um maior número de novos partidos políticos.

A Lei da Anistia permitiu o retorno ao Brasil de todos ex-terroristas, subversivos e banidos que estavam no exterior, constituindo-se em um reforço de peso para o período de contra-ofensiva.

Utilizando-se das organizações de massa como instrumento de ação, ocupando posições de liderança no seio dos mais variados segmentos da sociedade, dirigindo e orientando simpatizantes inocentes colocados à testa dos diferentes movimentos, conseguiram direcioná-los na busca do objetivo proposto, de mobilização das massas, conscientizando-as da necessidade de participarem dos movimentos populares para pressionar o Governo, a fim de obter o atendimento de suas reivindicações.

As eleições realizadas em novembro de 1982, dando seguimento ao processo de abertura política, contribuíram consideravelmente para o desenvolvimento do período de contra-ofensiva das OS, não só pela livre pregação política através da participação de políticos contestadores, ex-asilados, ex-cassados, simpatizantes e mesmo militantes estruturados de organizações subversivas que se filiaram e concorreram nas legendas dos partidos legais de oposição - mas principalmente, por ter propiciado a eleição de parte desses elementos para diversos cargos políticos, em diferentes níveis da estrutura governamental.

A eleição de governadores apoiados, velada ou ostensivamente, pelas esquerdas, em importantes Estados da Federação, fez com que se abrigassem no seio de seus governos, quando não eles próprios, políticos cassados ou militantes das OS - como foi o caso, por exemplo, do Governador do Rio de Janeiro.

Essa nova situação proporcionou as os melhores condições para articular o trabalho junto às massas e as pressões de cúpula, em obediência às suas resoluções.

A partir dessa livre pregação doutrinária, as OS passaram a ousar mais e suas táticas, de uma maneira quase generalizada, passaram a objetivar "o desencadeamento da mobilizações amplas, a partir de uma posição política vantajosa e, vice-versa, a criação de posições políticas vantajosas para desencadear mobilizações amplas".

Através das organizações de massas, conseguiram desencadear essas mobilizações, valendo-se do que denominaram de "semi-legalidade política", isto é, movimentos ilegais, por contrariarem dispositivos de lei, mas que seriam legítimos, por trazerem em seu bojo reivindicações objetivas e pretensamente justas. Eram os primeiros testes, as primeiras tentativas de confronto, valendo-se da "fronteira incerta".

Assim procedendo, o MCB conseguiu êxitos no envolvimento das massas populares. Algumas vitórias parciais foram obtidas, através do aliciamento dos trabalhadores, com a deflagração de greves de nítido cunho político e de contestação às decisões do Governo, particularmente, no Campo Econômico.

Mobilizações dessa natureza aconteceram por ocasião da greve política do julho de 83 e da fixação da política salarial no mês de outubro do mesmo ano, quando o Governo se viu forçado a modificar os parâmetros de sua no prazo de 7 dias, vigorando o Dec Lei nº 2064 durante o espaço de tempo, talvez inédito, de uma semana. Naquela oportunidade o Governo foi obrigado a decretar, pela primeira vez, as Medidas de Emergência, o que ocorreu durante a tramitação do Dec Lei 2065. Esse Decreto foi posto por terra, na prática, com menos de seis meses de vigência, quando dos acordos salariais dos metalúrgicos. Para o MCB, mais importante do que os reajustes obtidos pelos operários foi a quebra do ordenamento jurídico, com a "derrubada" da política salarial do Governo, buscando a sua desmoralização.

A amplitude política do movimento de contestação - embora confiada a uma minoria, representada pelos militantes das OS e pelas "direções políticas" por eles conquistadas no movimento educacional, no movimento operário-sindical e nos movimentos populares foi alcançada pela incorporação de extensos contingentes da população premidos pela difícil conjuntura sócio-econômica.

Três fatores concorreram, de forma decisiva, para o êxito desse trabalho de massa: a total liberdade concedida, a crise econômico-financeira que o País atravessava, a qual reduziu o bem-estar da população, gerando a impopularidade do Governo e o desejo de mudar; e o trabalho que há longo prazo vinha sendo realizado, paralelamente, pelo clero dito "progressista".

Nada do que foi feito até então, dentro desta estratégia do MCB, compara-se ao trabalho desenvolvido pelas organizações subversivas no bojo da campanha pelas eleições diretas, realizada em 1984, seja em termos de divulgação, por todos os meios de comunicação social, de seus slogans, e palavras-de-ordem, seja por sua pregação ideológica às grandes massas. Não se nega a validade do movimento, apenas ressaltas-se a forma com que o "adversário que viola as instituições" aproveita-se da froteira de incerteza para desenvolver o seu trabalho de massa, o seu proselitismo.

Além de realizarem o "trabalho de massa" mobilizando previamente militantes e simpatizantes para os comícios contaram, para a continuidade desse trabalho, com o aproveitamento da campanha publicitária, transportes gratuitos, shows, som, iluminação e outras facilidades postas à disposição dos participantes pela máquina administrativa dos Estados, das prefeituras e de outros organismos.

Jamais poderiam contar, em outras circunstâncias, com uma infraestrutura tão fabulosa que chegou até a caríssima sofisticação de proporcionar a transmissão direta de "flashes" pela TV, nos seus horários mais nobres, para fazer seus proselitismos.

As OS ganharam com isso importantes posições e na preparação para a legalização dos partidos proscritos,· cujas bandeiras e siglas foram difundidas em todo o território nacional no trabalho de arregimentação e mobilização de amplas massas populares, incutindo-lhes confiança em sua força e avançando seu nível que diziam ser de "conscientização, organização e luta" e de onde, esperavam, surgiriam as forças políticas e materiais para alcançar a fase final da contra-ofensiva.

O entusiasmo foi tanto que, em 1º Abril 84, a Convergência Socialista (CS), uma organização subversiva trotskista,assim se expressava no ítem I de sua Resolução Política:
"O elemento fundamental a ser destacado da conjuntura é que a ditadura militar pode ser derrubada a curto prazo. É preciso sacudir a vanguarda de todo o país. A ditadura pode cair, pode ser vitoriosa a revolução democrática aqui e agora, como se deu na Bolívia e Argentina. Ou seja, existem as condições objetivas para tanto:
- com a ascensão das massas nunca vista na história do país;
- a divisão da burguesia;
- uma crise econômica e política também sem precedentes.
Dentro da chapa pré-revolucionária, estamos vivendo, desde o início do ano, uma sub-etapa revolucionária mais avançada, que pode levar, como parte da revolução democrática, à abertura da etapa revolucionária e à derrubada da ditadura".
(Os grifos são do autor).

Ficava suficientemente claro que as organizações subversivas não almejavam apenas o término do "regime autoritário" -, a essa altura nem tanto autoritário - uma aspiração generalizada da nação. Buscavam, no bojo desse movimento legítimo, incentivar uma crise político-institucional, para através dela derrubar a "ditadura militar" e tomar o poder de forma revolucionária. Esse foi um momento critico da transição para a democracia e não fossem os adiantados entendimentos entre o Governo e as oposições, em particular seu candidato à Presidência da República e a determinação do Presidente Figueiredo e poderia ter ocorrido mais um retrocesso político.

Durante o transcorrer desse período de contra-ofensiva estratégica, não cessou a guerra psicológica, pelo contrário, com a volta dos elementos do exterior ela foi incrementada, ganhando sofisticação (15).

Para as esquerdas, nesse período, já não satisfazia a facilidade de atuar livremente, confundindo-se com a oposição legal e leal às instituições. Era preciso desacreditar a Revolução de 64, negar seus êxitos, proclamando a "farsa do milagre econômico". Era preciso que a consecução dos objetivos da "abertura" fossem a ela creditados, para que pudesse manter na massa a confiança em sua força, transmitindo ao mesmo tempo a imagem de um governo acuado que nada concedia, mas que pressionado a tudo cedia.

Imanente em todo esse trabalho, estava o objetivo de atingir seus algozes - agora as próprias Forças Armadas -, que não só recentemente, corno em 1964 e 1935, haviam sido o obstáculo mais sério, a suas tentativas de tomada do poder, coma fito de afastá-las ou neutralizá-las como empecilhos à sua caminhada.

Não refutado com oportunidade, o êxito inicial dessas idéias deu margem a novas campanhas, com as quais as esquerdas foram atingindo seus objetivos, recrudescidas após a anistia, quando os ex-terroristas retornaram do exterior e incorporaram-se a esse trabalho, infiltrando-se em todos os segmentos sociais e atuando particularmente através das comissões de Justiça e Paz e das associações, comitês, sociedades, etc, de defesa dos Direitos Humanos que proliferam pelo País. Estes últimos passaram a atuar como verdadeiras organizações de "frente"; de difícil refutação pelo próprio assunto que mascara seus reais objetivos. São, porém, na sua maioria, organismos dominados pela esquerda. Essa afirmação é comprovada pala documento liberado à imprensa, por ocasião do término do IV Encontro Nacional de Direitos Humanos, realizado em Olinda/PE, em janeiro de 1986 - quando foi criado o Movimento Nacional dos Direitos Humanos - contendo deliberações finais do encontro. Nessas deliberações propugnam pela criação de uma sociedade sem classes, isto é, uma sociedade comunista. Esse objetivo é repetido na Carta Aberta à população, difundida por ocasião da passagem do 38º aniversário da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em dezembro de 1986, assinada não só pelo Movimento Nacional de Defesa dos Direitos Humanos mas também pela Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz e pela Comissão Pastoral da Terra - Centro-Sul, entre outros. Esse documento, além de vincular outras bandeiras do MCB, assim se expressa em um de seus trechos: "... estimular a participação do povo nas organizações populares e sindicais para conquistar e fazer valer os seus direitos, lutando intransigentemente pela conquista de uma sociedade livre, justa igualitária, enfim, uma sociedade sem classes." (Grifo do autor).

Com tal posição ideológica - utópica como realização, mas perturbadora da vida nacional por suas atividades político-ideológicas -, compreende-se porque as organizações de Defesa dos Direitos Humanos, como as organizações subversivas, procuram denegrir a imagem das Forças Armadas. Seus objetivos são comuns.

A postura imobilista em relação a essas atividades, a progressividade das campanhas, o seu entrosamento no tempo e no espaço político nacional e a conjugação de esforços das organizações subversivas, de fachadas e infiltradas, permitiram que essas inverdades, repetidas em várias formas, oportunidades e diferentes meios de comunicação social, fossem ganhando foros de verdade, inclusive para boa parte dos componentes das próprias Forças Armadas, seus familiares e, em especial, os elementos mais jovens que não viveram aquela situação e que passaram a sofrer os efeitos dessa versão ideológica dos fatos.

(14) A lei não concedia anistia aos que se haviam envolvido na luta armada e eram acusados de "crimes de sangue". Os integrantes das Forças Armadas expurgados por motivos políticos não poderiam reassumir suas funções, mas passariam a receber vencimentos integrais. Esses aspectos da lei não agradaram as esquerdas, mas, principalmente não lhes agradava o perdão incondicional que a lei concedeu aos integrantes dos órgãos de segurança.

(15) No final da década de 70, foi criada no Brasil uma entidade clandestina, de sofisticada estrutura, dotada de modernos computadores e que daria emprego a dezenas de ex-terroristas que retornavam ao País após a anistia, com o apoio de milhares de dólares, subvencionada pela ala progressista do clero. Essa entidade iria se ocupar e difundir as torturas, delatadas sempre por ex-terroristas, relatar mortos e desaparecidos e historiar "a origem do regime militar", o estado autoritário e seu aparelho repressivo" e difundir, de modo muito especial, a história das organizações subversivas brasileiras"duramente perseguidas pelo regime militar", com grande repercussão.