Preenchimento Perceptual em Tricromatas e Dicromatas
 

Márcia Furukawa Couto

 [Página 28]


Discussão parcial:

Baseados em dados publicados na literatura (Curcio et al., 1990; Curcio e Allen, 1990) avaliou-se a densidade de cones e de células ganglionares nas excentricidades adotadas em todos os experimentos (quadro 1). Notar que de 4,5° para 10,5° existe uma redução na densidade de cones em aproximadamente 50%, e de células ganglionares em 80%, o que justifica o declínio de sensibilidade, de um modo geral, entre essas duas posições.

Excentricidade 4,5° (terceiro exp) 6° (segundo exp) 9° (primeiro exp) 10,5° (terceiro exp)
N° cones/mm² * 14.600(V) 11.800(V) 8.700(V);10.000(H) 7.500(V)
N° cel.gg/mm² ** 21.200(V) 13.900(V) 6.300(V);9.500(H) 4.300(V)

Quadro 1:
Média do número de cones e de células ganglionares por mm² de retina humana nas excentricidades adotadas em nossos experimentos.
Dados publicados por Curcio et al, 1990* e Curcio e Allen, 1990**.
O valor “V” é a média dos valores da área superior e da inferior, enquanto que “H” é a média da nasal e da temporal.

O declínio centro-periferia da sensibilidade para cores varia de acordo com o canal de oponência. A visão de cores em primatas do velho mundo e humanos possui dois sistemas de oponência cromática: um é formado pela diferença entre cones L e M (canal verde/vermelho) e o outro pela diferença entre cones S e a combinação de L e M (canal azul/amarelo). A alta densidade de cones L e M em área foveal torna essa área especializada em oponência verde/vermelho, o que se reduz rapidamente quando se afasta da área central. Já os cones S estão ausentes no 0,35º central da fóvea, concentram-se a 1º e a redução de densidade centro/periferia não é tão acentuada quanto a que se observa para cones L e M (Curcio et al., 1990). Essas observações morfológicas são comprovadas em experimentos psicofísicos (Mullen e Kingdom 2002).

Os dicromatas possuem dois tipos de cones, S e L (deutans) ou S e M (protans) e possuem apenas o canal de oponência cromática azul/amarelo. A distribuição de cones S nos dicromatas é similar à dos tricromatas e o número de cones L ou M é igual à soma dos cones L e M dos tricromatas (Cicerone e Nerger, 1989; Gegenfurtner e Sharpe, 1999).

Em áreas visuais primárias observa-se retinotopia, ou seja, a correspondência de mapeamento de áreas corticais com áreas retinianas. No presente experimento, para cada canal de oponência variou-se apenas a posição do estímulo. Para os tricromatas, se o preenchimento de cor fosse processado principalmente em áreas visuais primárias, teria sido observada maior redução de latência no canal verde/vermelho do que nos canais azul/amarelo e acromático. Entretanto o resultado foi oposto ao esperado, o que sugere a influência de áreas não retinotópicas de córtex visual no preenchimento perceptual de cor.

Na comparação entre dicromatas e tricromatas esperava-se um declínio centro/periferia similar entre os dois grupos para o canal azul/amarelo. Os resultados sugerem que o único canal de oponência cromática dos dicromatas é mais uniformemente distribuído no seu campo visual, especialmente o campo superior.

Concluiu-se que:
(i) O preenchimento perceptual mais rápido para objetos mais periféricos encontrado na maioria dos nossos testes corrobora o declínio da oponência do centro para a periferia do campo visual;
(ii) O resultado contrário ao do esperado para tricromatas, com maior declínio da latência de preenchimento no sistema de oponência azul/amarelo (e no acromático) do que no sistema vermelho/verde, sugere que o fenômeno preenchimento de cor é pouco influenciado pelo declínio centro/periferia de oponência cromática; sugere ainda que o preenchimento de cor seja processado em áreas visuais superiores não retinotópicas;
(iii) Campos visuais superior e inferior são similares quanto ao declínio centro periferia no preenchimento de cor;
(iv) O resultado dos dicromatas no canal azul amarelo sugere que o seu único canal de oponência cromática é mais uniformemente distribuído;
(v) A diferença de resposta entre os canais vermelho/verde e azul/amarelo corrobora evidências recentes de que estes são sistemas funcionalmente distintos.

 

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