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Maio 2008               Índice Geral do BLOCO

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27/05/08

• BACKHAUL E PGMU (13) - Opinião de Rogério Gonçalves, da ABUSAR

----- Original Message -----

From: Rogerio Gonçalves
To: wirelessbr@yahoogrupos.com.br
Sent: Wednesday, May 28, 2008 2:36 AM
Subject: [wireless.br] Re: Sobre backhauls e etc.

Alô Professor Smolka e demais participantes do grupo,

Como sempre, o amigo mandou muito bem...

O atual marco regulatório não é apenas ruim. Na realidade, ele não passa de um amontoado de lixo ilegal inventado pela Anatel para transformar o antigo monopólio estatal dos serviços de telecom em oligopólios privados, de forma a atender os interesses da Telefonica (principalmente) e dos demais empresários que dispunham de
informações privilegiadas por ocasião da privatização da Telebrás.

A história registra que, no período de setembro de 1995 a maio de 1997, o governo comercializou cerca de 4 milhões de planos de expansão, a R$ 1.117,63 cada um, permitindo que a Telebrás, então presidida pelo Fernando Xavier (atual presidente do conselho de administração da empresa espanhola), investisse cerca de R$ 15
bilhões na implementação de redes SDH em todas as subsidiárias de telefonia local e também na rede de longa distância da Embratel.

Era tanta grana que, em 1997, quando a rede de telefonia possuía cerca de 17 milhões de terminais em operação e a tarifa de assinatura custava R$ 10,00, o lucro líquido da Telebrás foi de R$ 3,9 bilhões.
Porém, toda essa saúde financeira da estatal despertou o interesse dos grandes "players" internacionais que ficaram doidos para colocar as suas garras nela, o que não era nada bom para a Telefonica que, desde 1992, quando o Collor assinou aquele acordo de intenções com o Banco Mundial, nunca escondeu de ninguém que estaria interessada em adquirir a Telesp, como parte de sua estratégia de dominar o mercado de telecomunicações na América do Sul, que também incluía a aquisição
de empresas na Argentina e no Chile.

Quando comparada com as empresas de telecom dos "los hermanos" e dos chilenos, a Telesp tinha um atrativo muito especial pois, enquanto os governos daqueles países empurraram todo o ônus da universalização dos serviços para as futuras concessionárias privadas, o nosso bondoso governo fez exatamente o contrário, enterrando uma montanha de dinheiro público na modernização das redes, de forma a zerar a demanda reprimida por novos terminais ANTES de privatizar as
empresas. Creio que o pessoal da velha guarda deve lembrar das entrevistas do Sérgio Motta falando do tal "processo de preparação para as privatizações". Com a implementação das redes SDH, virou moleza cumprir o prazo de dois anos para a instalação dos novos terminais estabelecidos nos planos de expansão.

O art. 80 do projeto de lei da LGT, enviado ao Congresso em dezembro de 1996, previa que as futuras concessionárias de telefonia seriam operadoras multi-serviços o que manteria o alto valor de mercado das subsidiárias Telebrás dessa modalidade. Aí, durante a tramitação do projeto, entrou em cena um deputado "muy amigo" dos espanhóis (eu não consegui identificar quem é esse novo milionário) que apresentou uma emenda ao artigo acrescentando o texto: "criada para explorar exclusivamente os serviços de telecomunicações objeto da concessão", manobra que eliminou completamente o interesse dos grandes "players" pela Telebrás, pois afinal, em plena era da convergência digital nas redes IP e com a telefonia celular na cara do gol, quem seria louco de comprar concessionárias de telefonia que deveriam explorar única e
exclusivamente o secular e já decadente serviço de telefonia fixa comutada (STFC)?

Em conseqüência da aprovação da emenda-premiada, que resultou no art. 86 da LGT e eliminou pela raiz a possibilidade da existência de concessionárias de telefonia multi-serviços, a reestruturação dos serviços públicos de telecom iria requerer algumas atitudes radicais por parte do governo FHC, como por exemplo:

1) A Embratel teria de se tornar a concessionária do serviço de troncos, responsável pela exploração em regime industrial da RTT pública (art. 207 da LGT).

2) As subsidiárias Telebrás de telefonia local teriam de se tornar concessionárias específicas do STFC, mantendo porém a faculdade de poderem oferecer serviços de telefonia de longa distância aos usuários via interconexão com a RTT pública.

3) A Telebrás teria de criar subsidiárias para a exploração dos serviços públicos de comunicação de dados (previstos no art. 69) e o Minicom, representando o Poder Concedente, deveria outorgar à essas empresas concessões específicas para a exploração dessa modalidade de serviço.

4) A operação dos satélites dedicados à RTT e às comunicações estratégicas (ex. banda x), deveria permanecer sob responsabilidade da Embratel.

O resultado dessa maracutaia, no caso específico dos leilões das concessionárias do STFC, foi aquele amplamente divulgado pela imprensa, no qual os únicos interessado em adquirir o controle das empresas eram a Telefonica (interessada na Telesp), o consórcio armado pelo Opportunity do Daniel Dantas (interessado na Tele Centro Sul) e a MCI (interessada na Embratel), além do consórcio do Jereissatti, montado às pressas para adquirir a Tele Norte Leste que, até o dia do leilão, não tinha nenhum pretendente e foi a pivô do escândalo que ficou conhecido como "os grampos do BNDES".

No mesmo dia em que enviou para a CVM a relação dos consórcios que iriam participar dos leilões (27.07.98), a Anatel outorgou autorizações à todas concessionárias Telebrás para que elas pudessem explorar o inexistente "Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações" (SRTT), artifício ilegal que entregava às empresas
o controle absoluto sobre a rede de transporte pública (RTT). Com isso, ao invés de simples usuárias, como qualquer outra empresa de telecom, as concessionárias do STFC passaram a ser operadoras exclusivas da infra-estrutura de redes de alta hierarquia que, nos termos da Lei 4.117/62 e do art. 207 da LGT, deveriam ser destinadas
ao transporte integrado de informações de forma neutra em relação à concorrência.

Assim, quando arremataram o controle das novas concessionárias do STFC nos leilões de privatização, sem concorrência e a preço de banana, a Telefonica, a MCI, a Brasil Telecom e a Telemar sabiam direitinho que, por força do art. 86 da LGT, aquelas empresas deveriam explorar exclusivamente o STFC pelo resto de suas vidas e
mais, que para elas poderem atuar como operadoras multi-serviços, iriam depender eternamente de trambiques inventados pela dupla Minicom/Anatel.

Daí Professor, surgiu esse "atual marco regulatório" que não tem nada a ver com o que determina a LGT, a começar pelas centenas de "regulamentos" "colocados em vigor" por resoluções da agência, haja vista que as competências da outorga, regulamentação e fiscalização dos serviços de telecom foram atribuídas expressamente
ao Minicom pela alínea "b" do inciso V do art. 14 da Lei 9.649/98 que, por ser específica e mais nova, prevalece sobre a LGT.

A minha insistência no cumprimento do art. 207 da LGT e a conseqüente transformação da Embratel em concessionária do serviço de troncos, é que isso resultará no restabelecimento de algo muito parecido com modelo "open reach", um "novo" paradigma de neutralidade em redes de transporte, completamente voltado para o incentivo da concorrência, que está fazendo muito sucesso na Inglaterra, Itália, Nova Zelândia, Índia e, se não me engano, até no Japão.

Ao contrário do que o amigo imagina, o restabelecimento da concessionária do serviço de troncos também servirá para acabar com essa imoralidade da Embratel utilizar a RTT pública para explorar serviços de comunicação de dados em regime privado sem a devida concessão legal, como ocorre atualmente com os serviços de redes IP
fornecidos por ela. Afinal, por força do art. 86 da LGT, sendo a empresa uma concessionária de serviços STFC de longa distância, ela deveria explorar exclusivamente os serviços objetos da concessão do STFC e não os de rede de transporte, que são inerentes à concessão do serviço de troncos. Certo?

O risco de monopólio também não existe, pois nada impede que, além da RTT pública, explorada exclusivamente em regime industrial pela concessionária do serviço de troncos, outras empresas também forneçam serviços de rede de transporte, como sempre foi feito pelas autorizatárias dos Serviços Limitados Especializados (SLE).

Portanto Professor, antes de se pensar em mudar a LGT, será necessário neutralizar a alquimia da Anatel que transformou em pó a RTT pública e também, colocar um ponto final nos trambiques praticados pela autarquia para transformar as concessionárias do STFC em operadoras multi-serviços providências que, na prática,
implicariam na obrigação do Poder Concedente, representado pelo Minicom, regulamentar o livro III da LGT a partir do zero, algo que inclusive, deveria ter sido feito ainda em 1997, logo após a publicação da LGT.

O que não pode, é toda essa canalhice que está sendo patrocinada pelo governo (ex. alterações no PGMU e no PGO) para transformar, via decretos ilegais, as concessionárias do STFC em operadoras multi-serviços. Pô? Se os atuais donos das empresas desembolsaram uma micharia para adquiri-las em 1998 justamente porque elas deveriam explorar exclusivamente o STFC, me parece que a única solução cabível, até mesmo para dar uma sobrevida ao serviço público, é obrigá-las a retornar as suas origens, de forma a deixar o caminho livre para que outras empresas, em regime de ampla concorrência proporcionada pelo modelo "open reach", se encarreguem de promover a convergência dos serviços de telecomunicações.

Quem pariu Mateus que o embale...

Um abraço
Rogério

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