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Fonte: Tele.Síntese
[23/05/08]   O direito ao serviço essencial - A Pro Teste e o STFC - por Flávia Lefèvre Guimarães (*)    
 
Em 1998 eram 20 milhões de acessos individuais de telefones fixos em uso, o que poderia nos encher de vergonha, pois, à excelência técnica da Telebrás contrapunha-se administração marcada por viés político e falta de compromisso com a universalização, o que resultava em teledensidade insuficiente e inadequada diante da grandeza da economia e da população brasileiras.
 
Esse quadro legitimou o Presidente Fernando Henrique Cardoso para privatizar o sistema Telebrás, com resultados positivos incontestáveis, no que diz respeito ao desenvolvimento das telecomunicações. Passou-se de 20 milhões para 41 milhões de acessos instalados e em uso, de 1998 para 2001. Para promover a universalização, a Lei Geral de Telecomunicações estabeleceu  modalidades distintas de serviços, submetidas a regimes específicos: público e privado; e mais, que o serviço prestado em regime público seria o Sistema de Telefonia Fixa Comutada e suas respectivas modalidades e, todos os demais, seriam prestados em regime privado.
 
A Lei estabeleceu, ainda, que metas de universalização só seriam impostas para os serviços prestados em regime público e que não poderia haver subsídios entre modalidades distintas de serviços; no estabelecimento da estrutura tarifária e sua aplicação, não se poderia utilizar receitas oriundas do serviço público para promover o crescimento de serviços privados.
 
Sendo assim, para promover a volumosa expansão do STFC na primeira fase da privatização – julho de 1998 a dezembro de 2005, a receita para os investimentos necessários viria da prestação da telefonia fixa ou, quando essa receita fosse insuficiente, seriam utilizados os recursos do FUST.O valor da habilitação foi radicalmente reduzido, para viabilizar ganho de escala às concessionárias e a tarifa da assinatura básica subiu mais de 500%, gerando receita para a expansão da rede.
 
Além disso, garantiu-se às concessionárias o uso exclusivo da rede, que até hoje cobram para que os competidores possam utilizá-la, o que explica a inexistência de concorrência na telefonia fixa local e a posição dominante das concessionárias na longa distância.
 
Portanto, o que propiciou a expansão da infra-estrutura para o STFC foi a receita proveniente das assinaturas, com enormes sacrifícios para o consumidor. Porém, o sacrifício feito pelos consumidores nesses últimos dez anos não beneficiou a maioria dos cidadãos, que não têm condições de pagar pelo serviço essencial; são mais de 12 milhões de linhas ociosas, sendo que menos de 32 milhões de acessos fixos em uso e, desses, mais de 25% têm pessoas jurídicas como titulares.
 
Redução tarifária
O justo e correto, de acordo com a LGT, seria que a Anatel e o Minicom atuassem para reverter essa situação ilegal, incentivando a redução da tarifa das assinaturas.
A despeito de tudo, foi editado o Decreto 6.424/08, permitindo a inclusão nos contratos de concessão de nova meta de universalização: a construção de uma rede para prestação do Serviço de Comunicação Multimídia, contando com a receita do STFC – o backhaul internet em banda larga.
 
Ou seja, o decreto, além de ilegal é injusto, pois, a inclusão nos contratos de concessão de novas metas de universalização, que não se classifica como STFC, cria condições para a manutenção do alto valor da assinatura, incompatível com o nível de renda da maioria dos cidadãos brasileiros – R$ 40,00, ou 10% do salário mínimo,  para subsidiar um serviço privado. E, mais, o backhaul, ao final da concessão, ficará incorporado ao patrimônio das empresas.Trata-se, então, de rede privada, que não será alcançada pela desagregação. As concessionárias serão detentoras das redes e poderão cobrar caro das concorrentes no mercado do SCM.
 
O decreto, então, fere três preceitos da LGT:
a) para cada modalidade de serviço deve haver um contrato de concessão distinto (art. 85);
b) universalização só se impõe para serviço prestado em regime público (art. 64);
c) não é permitido subsídio entre modalidades distintas de serviços (art. 103, § 2°).
 
A lei assim dispõe para garantir finalidades constitucionais: acesso universal a serviço essencial – o STFC, e a competição entre agentes com posições de mercado  desiguais: as concessionárias dominantes e as concorrentes bastante vulneráveis nesse cenário (as concessionárias também já são dominantes em suas áreas de atuação nos serviço da banda larga: o Speedy da Telefônica, o Brturbo, da Brasil Telecom e o Velox, da Telemar/Oi superam os concorrentes).
 
Em resumo, o Governo está deixando de atuar para reduzir os preços ilegais do STFC, para presentear as concessionárias: INCLUIR NO CONTRATO DE CONCESSÃO DO STFC UM SERVIÇO PRIVADO, SEM LICITAÇÃO E QUE, AO FINAL DO CONTRATO, FICARÁ INCORPORADO AOS SEUS PATRIMÔNIOS.
 
Para justificar esse terço de ilegalidades, alega-se que a telefonia fixa perdeu interesse no mundo. Todavia, a teledensidade de acessos fixos na Europa e EUA está por volta de 80% , sendo que no Brasil está em 20% - menor do que na Argentina.
 
É injusto e ilegal que o Governo se contente com o fato de os mais pobres ficarem sujeitos à telefonia móvel pré-paga – o serviço móvel no Brasil tem o quarto preço mais alto do planeta e ocupa o penúltimo lugar em utilização.
 
Foram esses fatores que levaram a Pro Teste a ajuizar ação civil pública para requerer a declaração de nulidade do Decreto 6.424/2008. A Pro Teste apóia a universalização da banda larga e o acesso gratuito desse serviço para as escolas públicas, desde que se respeite a lei, a garantia de serviços básicos para todos os cidadãos brasileiros e a concorrência.


*Lescher e Lefèvre Advogados Associados
Coordenadora da Frente dos Consumidores de Telecomunicações – FCT
Membro do Conselho Consultivo da ANATEL
Representante das Entidades Representativas dos Usuários