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Leia na Fonte: Blog de Flávia Lefèvre
[25/08/11]  Artigo sobre "bens reversíveis" na Revista Caros Amigos: "Quando a privatização não basta"

Fonte: Revista Caros Amigos
[Jul 2011]   Telecomunicações: Quando a privatização não basta

Com fiscalização controversa por parte da Anatel, empresas exploram bens públicos avaliados em bilhões de reais de forma ilegal, buscando ampliar seus ganhos.

Por Débora Prado

Quando o governo de Fernando Henrique Cardoso promoveu a privatização do setor de telecomunicações no Brasil, em 1998, a promessa foi de que a maior concorrência derrubaria os preços, beneficiando o consumidor final. Passados 13 anos, o setor ficou ainda mais concentrado a partir de fusões e aquisições, os preços seguem sendo impeditivos para muitos brasileiros e as empresas do setor buscam sempre ampliar seus benefícios junto ao governo. É o que acontece, por exemplo, com os bens reversíveis – patrimônio público pertencente a União – que vêm sendo explorado por estas companhias de forma ilegal, sem o conhecimento Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Os bens reversíveis são aqueles considerados necessários para a operação do serviço de telefonia fixa e, portanto, deverão ser devolvidos a União após o fim do contrato de concessão com as teles, em 2025. A Anatel constatou, porém, que as companhias privadas têm alienado, onerado ou substituído esses bens sem autorização prévia da agência, conforme determina a Lei Geral de Telecomunicações. Pior, a própria atuação da Anatel junto às empresas tem gerado questionamentos sobre sua real autonomia em relação ao lobby privado.

O grupo Brasil Telecom, por exemplo, da Oi, utilizou 263 imóveis classificados como bens reversíveis como lastro de uma operação financeira pela qual captou R$ 1,6 bilhão , sem a anuência da Anatel, ou seja, descumprindo a lei do setor. Pior, o montante destinado pelos bancos Itaú e Safra para a operação foram abatidos do percentual de 65% dos recursos da poupança que devem ser obrigatoriamente revertidos em crédito imobiliário. Em outras palavras, o valor que poderia estar financiando a compra de casas próprias para milhares de pessoas físicas foi destinado para uma empresa numa manobra financeira lastreada no patrimônio público (ver box).

Ao todo, há pelo menos R$ 20 bilhões em bens reversíveis – segundo estimativas da própria Anatel – sob controle das empresas. Porém, o inventário completo dos bens da União cedidos às concessionárias com a privatização do setor, em 1998, até hoje não foi divulgado. A falta de transparência gerou polêmica e já rendeu uma Ação Civil Pública contra a Anatel e a União, ajuizada pela associação de defesa dos direitos do consumidor ProTeste no dia 23 de maio, para que seja apresentada a listagem dos bens reversíveis previstos nos contratos.

Além disso, em audiência pública, o procurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Furtado, defendeu novas regras para a fiscalização destes bens, atestando a fragilidade da atuação da Anatel. Em entrevista a Caros Amigos, o procurador- geral afirmou que, no sistema atual, basicamente, a empresa é quem diz se é um bem reversível ou não, o que compromete a capacidade de fiscalização da Anatel. “A declaração dos bens fica a critério da empresa, não tem uma autoridade competente responsável por isso. A empresa diz o que é bem reversível e todos, inclusive a Anatel, confiam no que é dito. Ou seja, a concessionária está livre para tomar uma decisão empresarial – se é mais negócio vender um bem, ela vende. Isto está errado, esta decisão não poderia ser tomada assim”, critica.

O superintendente de serviços públicos da Anatel, Roberto Pinto Martins, considera que a falha não está no regulamento, mas nas empresas em não o seguir. Ele alega que este sistema 'autodeclaratório' é comum na fiscalização de vários tributos, comparando com o Imposto de Renda, em que a própria pessoa física informa à receita os bens que possui. "Os bens reversíveis são parecidos com isso, as empresas encaminham uma relação de bens que incluem os reversíveis e, a partir desse inventário, é feita a fiscalização: nós vamos ver se são só aqueles bens mesmo, se houve movimentação, alienação", justifica. Ele considera que o regulamento bastante claro em relação aquilo que as empresas necessitam apresentar: uma relação completa de bens vinculados - ou seja, tudo que a empresa utiliza para prestar o serviço de telefonia fixa, pertencentes a ela ou não, inclusive serviços terceirizados. "Os bens reversíveis são um subconjunto disso. Além disso, a Lei Geral de Telecomunicações afirma que, no caso de substituição, alienação ou operação dos bens, a empresa precisa pedir autorização da agência. Mas nossa fiscalização detectou que as empresas estavam fazendo estas operações sem autorização. Umas em maior grau que outras, mas todas tinham irregularidades em algum grau", complementa.

De acordo com Roberto Martins, a partir da constatação das irregularidades, a agência abriu cinco processos de apuração, um para cada empresa: Brasil Telecom, Telesp, Sercomtel, CTBC e Embratel. Segundo o superintendente, duas delas já receberam multas, mas Martins preferiu não revelar a reportagem quais foram. "A multa é uma das sanções, antes dela tem a advertência e o bem pode chegar a ter que ser reposto. A última sanção seria a perda da concessão", explica.

A Anatel demorou para admitir que não possuía o inventário dos bens existentes na época das privatizações e que, ainda assim, já havia detectado as infrações. As informações foram requeridas pela ProTeste - com protocolo - em janeiro deste ano, mas, de acordo com a advogada da instituição, Flávia Lefèvre Guimarães, informalmente, a lista é pedida desde 2008. Só no final de maio, a agência admitiu não ter a lista. "Ela só admitiu, depois que viu na nossa ação que a gente sabia da auditoria interna", avalia Flávia em referência à auditoria interna realizada pela Anatel sobre os controles existentes para os bens reversíveis, em dezembro de 2007, na qual a própria agência reconhecia a ausência do inventário inicial e detectava falhas na fiscalização.

NA JUSTIÇA
A ação civil pública promovida pela ProTeste conclui que a Anatel não atua para proceder o devido controle sobre os bens reversíveis. O texto afirma: "Primeiro porque, ao que tudo indica,não possui, como deveria possuir, os inventários dos bens reversíveis (...) Além disso, de 1998 - data do leilão de privatização - até janeiro de 2007, tanto o Ministério das Comunicações quanto a Anatel deixaram de estabelecer regras para promover o controle dos bens vinculados às concessões e do ativo imobilizado das operadoras do STFC (Serviço Telefônico Fixo Comutado)".

Na ação, a advogada argumenta que "a ausência do inventário dos bens reversíveis como anexo aos contratos de concessão tem como consequência a fragilidade institucional cercando todo o processo e propiciando que a ANATEL e as concessionárias defendam teses esdrúxulas para tentar convencer de que a apropriação de recursos públicos pela iniciativa. privada tem respaldo legal".

A advogada lembra que o desgaste dos bens já é previsto em lei e, caso seja preciso vender ou trocar um item, a agência reguladora precisa autorizar "para ver se isso é mesmo necessário, se a empresa não está extrapolando ou pagando mais caro do que deveria, por exemplo. E depois, o que a empresa angariar da receita com essas operações deve ser lançado numa conta para garantir a modicidade tarifária. Esse descontrole ilegal e absurdo é injustificável e já dura 13 anos, é preciso reverter isso urgentemente", protesta. "A receita do serviço prestado em regime público não pode subsidiar os serviços prestados em regime privado. Com essa distorção, existe um descumprimento da finalidade da universalização, pois há uma barreira econômica - como o preço das assinaturas não baixam, a população mais pobre fica sem acesso à telefonia fixa. E, quando se fala em eliminar a assinatura, as concessionárias afirmam que quebrariam, mas como se daria essa 'quebra' se houve várias aquisições no setor?", completa.

Com isso, "os grupos econômicos alienam um imóvel e fazem caixa para mandar dinheiro para Espanha, para comprar a Vivo (comprada pela Telefonica), a Brasil Telecom (comprada pela Telemar)", lamenta a advogada. Para ela, isto tem dois efeitos ruins para a sociedade: "Primeiro, que você nunca chega a um estado de modicidade tarifária (principio pelo qual a tarifa da telefonia fixa deve ser a menor possível para garantir a universalização), porque se a empresa vende uma central da União, terá que comprar outra. E, o pior de tudo, é que ao final da concessão, quando a União pedir esses bens para as concessionárias, não vai ter mais. A essa altura, a central telefônica já será outra, em outro lugar, no imóvel de um sócio daquela companhia, por exemplo. Ou seja, a União, que já fez todos investimentos para ter a continuidade do serviço, vai ter que indenizar as empresas por esses equipamentos pelos quais ela já pagou no passado", enumera.

SIGILO EM BENEFICIO DE QUEM?
A Anatel se nega ainda a divulgar os dados contábeis apresentados pelas empresas nos últimos anos. "A Agência não pode sair por aí divulgando dados das empresas, a Anatel tem o
controle e isso é suficiente para garantir a prestação do serviço e sua continuidade", afirma o superintendente da agência.

Para o procurador-geral Lucas Furtado, porém, a manutenção de sigilo pela agência é uma afronta. "Isto complica muito a fiscalização por parte da população. É dinheiro do povo, muito dinheiro por sinal, que está em jogo, isso não poderia ser confidencial", destaca. Para ele, somente as empresas se beneficiam com o sigilo: "fica mais fácil puxar os bens de um lado para outro. Para a agência, não há nenhum interesse nesse sigilo, isso beneficia a empresa, que se orienta pelo lucro, e torna impossível a fiscalização por parte da população", critica.

Entre as mudanças sugeridas pelo procurador estão a exigência de urna manifestação da Anatel sobre a reversibilidade dos bens em toda venda feita pelas concessionárias; e o fim da confidencialidade para informações contábeis e operacionais à Anatel pelas empresas sobre bens reversíveis. "O TCU está acompanhando, mas há muito pouco que se possa fazer. Hoje, o sistema depende basicamente da empresa dizer que o bem é reversível ou não. A decisão de vender deveria ser aprovada pela Anatel e até mesmo pelo Congresso Nacional, porque e o interesse público que está em questão", reitera o procurador.

A advogada da ProTeste, Flávia Lefèvre Guimarães, considera o sistema de fiscalização atual ilegal. A não fiscalização pró-ativa para esses bens e a falta de transparência da Anatel fere o artigo 37 da Constituição Federal, pelo qual o poder público tem que se orientar por alguns princípios - como da legalidade, da eficiência e transparência", argumenta.

Para a advogada, a população brasileira está refém "das empresas, da ineficiência da Anatel e do seu comprometimento com as empresas". Para ilustrar este comprometimento, Flávia cita que vários funcionários da Anatel hoje estão trabalhando nas companhias que deveriam ser reguladas. É o caso, por exemplo, do presidente da Telefonica no Brasil, Antonio Carlos Valente, que já passou peio sistema Telebrás, Ministério das Comunicações e Anatel. Luiz Francisco Perrone, diretor da Brasil Telecom, também foi vice-presidente do Conselho Diretor da Anatel de 1997 a 2001.

Flávia foi parte do Conselho Consultivo da Anatel de fevereiro de 2006 a fevereiro de 2009 na condição de representante das entidades de usuários e, a partir dessa experiência, ela concluiu que a Agência, na contramão, quer flexibilizar ainda mais o controle. "Eu estava lá quando começaram a inventar uma história que tinha que acabar com essa 'visão patrimonialista'. Na verdade, eles queriam rever a regulação para autorizar as concessionárias a venderem bens reversíveis de até R$ 1,5 milhão sem autorização da Anatel. Houve uma consulta pública nesse sentido, e, nesta ação, nós pedimos também a nulidade da consulta pública porque ela traz dispositivos que contrariam a Lei Geral de Telecomunicações".

A Ação Civil Pública afirma: "A justificativa de representantes da Anatel para o abrandamento das obrigações atribuídas às concessionárias no que diz respeito aos bens reversíveis é no sentido de que não é produtivo estimular-se "uma visão patrimonialista". O pior é que representantes do Ministério das Comunicações também vêm defendendo o abrandamento dos mecanismos de controle sobre os bens reversíveis, como se pode verificar por recente declaração do Secretário Executivo do Ministério, Cezar Alvarez que criticou controle de bens reversíveis".

Na ação, a advogada argumenta que esta iniciativa da agência vai no sentido de encobrir os enormes prejuízos que já se concretizaram e eximir seus servidores de culpa. O documento cita a seguinte fala de Alvarez, realizada em palestra no evento Banda Larga e Os Direitos do Consumidor, organizado pelo IDEC (Instituto de Defesa do Consumidor): "tem que parar de brigar com a Anatel pelo fusquinha 68 que vai voltar para nós lá na frente, de ficar olhando o computador 386 que é reversível. (...) "A Anatel vai ter que ficar eternamente contando quantos (computadores) 386, quantos fusquinhas vão voltar? Temos. é que pensar no que é estratégico para o setor".

O 'fusquinha' de Alvarez é valioso. A advogada estima que atualmente os bens reversíveis valham cerca de R$ 30 bilhões. A Anatel trabalha com a cifra de R$ 20 bilhões, mas admite que, se os bens fossem de fato vendidos, o valor seria mais alto.

Débora Prado é jornalista debora.prado@carosamigos.com.br

Obs: O texto acima foi obtido, parte na web e parte por digitalização da imagem  (OCR) da revista)