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Leia na Fonte: Blog da Flávia Lefèvre
[07/03/13]  Íntegra do ofício encaminhado pela PROTESTE ao Minicom sobre bens reversíveis e financiamento do PNBL

Transcrição:

São Paulo, 7 de março de 2013
Ao
Ministério das Comunicações
Esplanada dos Ministérios, Bloco R
CEP: 70044-900
BRASÍLIA – DF

Att.: Ministro das Comunicações Paulo Bernardo
Secretário de Telecomunicações Cezar Alvarez

REF: BENS REVERSÍVEIS E FINANCIAMENTO DO PNBL

Ilmo. Ministro das Comunicações

A PRO TESTE – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, entidade civil sem fins lucrativos, instituída em 16 de julho de 2001, membro da Euroconsumers e integrante da Consumers International, hoje com mais de 270 mil associados, vem se manifestar a Vossa Excelência, tendo em vista duas matérias publicadas em 6 de março último pelo jornal Folha de São
Paulo, que informa sobre planos do atual governo para o financiamento de investimentos em redes de acesso à banda larga.

I – BANDA LARGA – DIREITO FUNDAMENTAL

1. Antes de tudo, queremos deixar consignado que nossas considerações são feitas com base na premissa expressa nos arts. 21, inc. XI, e 175, da Constituição Federal, de acordo com os quais os serviços de telecomunicações são atribuições exclusivas da União assim como a garantia de acesso.

2. Outra premissa que orienta o posicionamento da PROTESTE é aquela já fixada pelo Conselho dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas de que, assim como a liberdade de expressão na internet, o acesso às redes de telecomunicações também se constitui como direito humano fundamental a ser protegido por todos os países.

3. Entendemos que qualquer discussão a respeito da fixação de novas orientações voltadas para a definição de políticas públicas de ampliação do acesso aos serviços de comunicação de dados (=banda larga) devem partir do pressuposto consignado em documento assinado na ONU por todas as nações, reconhecendo o “carácter global e aberto da Internet como motor para acelerar o progresso rumo ao desenvolvimento”.

4. Quando falamos de acesso a internet estamos falando de serviços públicos, do direito ao acesso que todo cidadão deve ter aos serviços essenciais e de recebê-los dentro de padrões de universalização, modicidade, continuidade e segurança, qualidade, sem qualquer tipo de discriminação e devidamente regulados.

5. O acesso à internet não diz respeito apenas às telecomunicações, mas impacta também fortemente o direito à cultura, à educação e à segurança de forma coordenada.

6. Portanto, entendemos que os planos a serem definidos pelo Poder Público devem ter como principal objetivo a democratização dos serviços de telecomunicações, especialmente do acesso à comunicação de dados, criando condições institucionais para que o Estado possa garantir os princípios da universalização e modicidade tarifária, pois têm papel fundamental não só para a garantia de acesso, mas também para a garantia da liberdade de expressão e do direito à comunicação na internet.

7. Entendemos que as políticas públicas voltadas para a banda larga devem estar direcionadas para combater os investimentos discriminatórios por parte das operadoras privadas, que privilegiam os mercados com potencial para a contratação de serviços em pacotes e com concentração de grandes consumidores corporativos.

8. Nesse sentido e coerente com o entendimento expresso por diversos documentos já entregues pela PROTESTE a esse Ministério, no sentido de que a banda larga se constitui como serviço essencial e, por isso e, de acordo com o art. 65, da Lei Geral das Telecomunicações, deveria ser prestada no regime público, ainda que concomitante com o regime privado, preocupou-nos o teor das notícias veiculadas em 6 de março último, informando que Vossa Excelência está cogitando sobre a hipótese de promover forte financiamento, sem instrumentos para garantir a soberania nacional sobre as redes de telecomunicações brasileiras.

II – OS BENS REVERSÍVEIS VINCULADOS ÀS CONCESSÕES DO STFC

9. Chamou atenção nas matérias publicadas na Folha de São Paulo a seguinte afirmação: “A proposta do governo de trocar os fios de cobre, que hoje compõem a maior parte das redes das operadoras, por fibras ópticas pode trazer resultados positivos e enterrará um "esqueleto" que há décadas existe no setor”.

10. O primeiro aspecto da afirmação acima, que se revela extremamente preocupante, é o fato de se considerar que o backbone vinculado ao Serviço de Telefonia Fixa Comutada (STFC) se constitui como um “esqueleto”.

11. Isto porque, como o próprio jornalista informa, a maior parte das redes de telecomunicações no país são justamente as redes vinculadas aos contratos de concessão e que têm sido fundamentais não só para o STFC, mas também para o provimento a outros serviços.

12. Outro aspecto que chama a atenção é o fato de que, segundo a própria Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL (informe 427/PBCPD/PVCPC/CMLCE/PBCP/PVCP/CMLC/SPB/SPV/SCM, de 5 de dezembro de 2008) 80% da receita obtida com a exploração do STFC tem sido há anos revertida para investimento em infraestrutura que serve de suporte a serviços prestados em regime privado, contra o que dispõe o art. 108, § 3º, da Lei Geral de Telecomunicações. Veja-se:

Entretanto, apesar do crescimento proporcionado pela priivatização do setor, a expansão de redes backbone ocorreu de modo extremamente desigual no plano territorial: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília, regiões corri maior demanda por serviços de telecornunicaçêes e que concentram a maior parle da renda do Brasil, receberam a maior parte dos investimentos Enquanto isso, a Região Norte do país, onde considerável parte da população é servida por enlaces de rádio digital, o que confere maiores problemas às

Quanto aos investimentos, pode-se depreender do gráfico abaixo que os investimentos no serviço local tiveram seu pico no ano de 2001 e vêm mantendo urn nível estável, em torno de 2 bilhões de reais por arma (provavelmente para manter o nível de operação).

A modalidade Longa Distância vem tendo investimentos decrescentes Além disso, o gráfico evidencia um comportamento de tendência, no limite, a zero.

Por outro lado, verificamos que os investimentos em Dados tiveram seu montante mais expressivo no ano de 2005, o que evidencia uma expansão do serviço prestado em regime privado nos últimos anos.

É possível, ainda, inferir, a partir dos dados disponíveis abaixo, que o montante global de investimentos realizados no serviço de Dados corresponde a um percentual de 80% do total de investimentos realizados na Concessão Local, fato que indica que grande parte dos resultados das empresas foi utilizada no "financiamento" de um serviço prestado em regime privado.

Isto pode ser corroborado pela crescente número de acessos compartilhados ADSL, que, nas empresas envolvidas na operação, crescem a uma taxa média anual de 36,8% desde 2004.


13. Ou seja, as concessionárias deixaram degradar o acervo de bens da concessão para realizar investimento em redes e bens privados, em absoluto prejuízo para o controle dos bens reversíveis e garantia do interesse público.

14. Queremos destacar, também, a pouca confiabilidade da avaliação correspondente à massa de bens reversíveis apresentada pela ANATEL na casa dos R$ 17 bilhões.

15. Isto porque:
a) os contratos de concessão foram assinados e prorrogados sem uma lista de bens reversíveis;

b) a ANATEL demorou 7 anos para editar as normas de controle dos bens reversíveis, contados desde a privatização;

c) a ANATEL, em diversos PADOS já admitiu que já houve perda bilionária de bens vinculados às concessões e alienados de forma ilícita pelas empresas, sem a anuência prévia da agência;

d) a ANATEL até hoje não promoveu o modelo de custos para acompanhar os investimentos e suas respectivas amortizações relativas às concessões;

e) com o Decreto 6.424/2008, foram incluídos nos contratos de concessão o backhaul – redes de suporte ao serviço de comunicação de dados, cujo valor não pode ser desconsiderado;

f) ainda em 1997, ano que precedeu o leilão de privatização do Sistema Telebrás, a avaliação inicial da holding e suas subsidiárias era de R$ 40 bilhões.

16. Importante levar em conta, outrossim, o fato de que as redes de dados operada pela Embratel até a data das privatizações foi apropriada indevidamente pelas demais concessionárias, sem que tais ativos tivessem sido considerados em seu patrimônio àquela época, na medida em que passaram a estar contempladas pelos contratos de Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações, que ficaram de fora da avaliação do Sistema Telebrás.

17. Todos os aspectos relacionados acima estão contemplados pela Ação Civil Pública ajuizada pela PROTESTE em face da União Federal e ANATEL, já julgada procedente e em grau de recurso, para que se promova a lista dos bens reversíveis de cada uma das concessionárias.

18. Além dos aspectos específicos aos contratos de concessão, queremos ponderar que a sistemática estabelecida por lei para as redes de telecomunicações que sejam necessárias para a prestação de serviços essenciais encontra justificativa na atribuição imposta à União de ser a única responsável pela prestação dos serviços, ainda que os delegue para particulares.

19. Assim, o plano divulgado pela Folha de São Paulo nos parece inconstitucional, violando as disposições dos arts. 21, inc. XI e 175, da Constituição Federal.

20. Também é ilegal, pois contraria frontalmente o disposto no § 1º, do art. 65, da Lei Geral de Telecomunicações que dispõe:
“Art. 65. Cada modalidade de serviço será destinada à prestação:
I - exclusivamente no regime público;
II - exclusivamente no regime privado; ou
III - concomitantemente nos regimes público e privado.
§ 1° Não serão deixadas à exploração apenas em regime privado as modalidades de serviço de interesse coletivo que, sendo essenciais, estejam sujeitas a deveres de universalização.

21. Sendo assim, reiteramos as inúmeras contribuições apresentadas a esse E. Ministério das Comunicações, no contexto do Fórum Brasil Conectado, e que não mereceu sequer uma mera sinalização de recebimento por parte de V.Sas., no sentido de que É FUNDAMENTAL QUE AS REDES DE TELECOMUNICAÇÕES QUE SERVEM DE SUPORTE AO SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO DE DADOS (=banda larga) PERMANEÇAM NO REGIME PÚBLICO E QUE AS NOVAS REDES IMPLANTADAS DEPOIS DA PRIVATIZAÇÃO COM RECURSOS PROVENIENTES DA EXPLORAÇÃO DO STFC SEJAM INCLUÍDAS NO REGIME PÚBLICO, POIS É ESTA FERRAMENTA INSTITUCIONAL QUE GARANTE O EXERCÍCIO DA SOBERANIA DO ESTADO SOBRE ESTAS INFRAESTRUTURAS.

22. Nesse sentido, ainda que seja compreensível que nas regiões mais desenvolvidas do país e com ampla oferta de infraestrutura os serviços possam ser prestados em regime privado, as redes devem necessariamente estar sob o regime público e, de acordo com nossas propostas já apresentadas, gerenciadas pela Telebrás na sistemática do “open reach”.

IV – FINANCIAMENTO DA INFRAESTRUTURA DE TELECOMUNICAÇÕES – AMEAÇA À DEMOCRACIA

23. Entendemos que somente esta configuração justifica os enormes benefícios que o atual governo vem concedendo às operadoras, tais como renúncias fiscais bilionárias, troca de multas por investimentos atualmente cogitada e o financiamento de bilhões já concedidos pelo BNDES, bem como os R$ 100 bilhões anunciados nas matérias publicadas.

24. É verdade que o tráfego cada vez maior na internet em todo o planeta tem levado à necessidade de grandes investimentos em infraestrutura, em razão do que se abriram debates sobre como financiar esse necessário crescimento, o que tem, inclusive, sido alvo de discussões na UIT.

25. Invocando esta justificativa, os grandes grupos econômicos que operam no setor de telecomunicações têm pressionado a UIT a fim de alterar o modelo de cobrança do uso da rede, que hoje se dá com base na capacidade de transmissão contratada, para que se passe a cobrar pela quantidade de banda utilizada.

26. Ou seja, o modelo pretendido pelos grandes grupos econômicos representa risco efetivo ao caráter democrático das telecomunicações, bem como à liberdade de expressão e comunicação na internet e, o plano divulgado pela Folha de São Paulo, caso se confirme, estará privilegiando a pretensão das empresas e colocando em risco definitivo o interesse público.

27. Nessa direção e afinados com a premissa de que o acesso à internet é um direito fundamental, entendemos que é papel precípuo do Estado, mesmo que em parceria com a iniciativa privada – seja em regime de concessão ou de autorização, o financiamento da implantação de infraestruturas com o estabelecimento de contrapartidas administrativas, garantindo o poder de soberania sobre as redes essenciais para o cumprimento de finalidades vinculadas com o desenvolvimento econômico e social e com o interesse público objeto de políticas públicas.

28. Entendemos que às empresas pode se atribuir a liberdade regulada para contratar serviços com os mais diversos mercados consumidores.

29. Todavia, neste momento em que há demanda de bilhões de investimentos para os próximos 5 anos, o Estado deve estar comprometido com o financiamento das redes, impondo os
condicionamentos e contrapartidas ao setor privado, e, especialmente, voltado para o controle do processo de implantação de infraestrutura, com o objetivo de evitar mecanismos discriminatórios, como temos assistido no Brasil, onde as regiões mais pobres estão sofrendo com a falta de redes de acesso à internet.

30. Não acreditamos que a realização dos investimentos necessários por parte exclusivamente da iniciativa privada, orientada pela lógica do mercado e do lucro, que por si só já é inconstitucional e ilegal, trará os resultados da universalidade e modicidade tarifária, essenciais para que se alcance o respeito ao direito humano fundamental de acesso às redes.
Pelo exposto, a PROTESTE aguarda que esse Ministério das Comunicações retome os debates com a sociedade civil de forma democrática, antes de estabelecer uma nova política para as telecomunicações que colocará em risco os interesses da sociedade brasileira.

Estamos à disposição para esclarecimentos e aguardamos contato.

Atenciosamente

Flávia Lefèvre Guimarães
Conselho Consultivo da PROTESTE