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Leia na Fonte: Carta Capital
[18/09/19]  Tribunal de Contas da União pede lista de bens da Telebras avaliados em 100 bilhões e entregues às teles - por Flávia Lefévre

*Flávia Lefévre é advogada e integra o Conselho Diretor do Intervozes e o Conselho Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), as teles e senadores ainda comemoravam efusivamente a aprovação, no último dia 11 de setembro, do controverso Projeto de Lei da Câmara PLC 79/2016, quanto o Tribunal de Contas da União (TCU) veio relembrar o que deveria ser óbvio: o interesse público deve prevalecer. O TCU publicou decisão (em resposta aos Embargos de Declaração apresentados pela Anatel no Acórdão 3311/2015) pedindo revisão da atuação da Anatel no controle dos bens reversíveis associados aos contratos de concessão da telefonia fixa assinados em 1998 com a privatização da Telebras.

Na decisão de 2015, o TCU determinou que fossem adotadas uma série de providências no sentido de apurar a situação e valor dos chamados bens reversíveis – ativos entregues na privatização do Sistema Telebras às compradoras Telefônica, Claro/Embratel, Oi, Algar e Sercomtel que incluem redes metálicas, backhaul e fibra, além de imóveis e torres – com prazos que variavam de 30 a 180 dias, na medida em que ficou configurado ter havido negligência por parte da Anatel não só no controle destes bens, mas também no acompanhamento do equilíbrio financeiro dos contratos de concessão. O tribunal aponta que, por conta dessa atuação falha, bilhões de reais da União já tinham sido perdidos.

Esta situação era justamente o que a aprovação do PLC 79/2016 tentava evitar a todo custo, além de alguns outros penduricalhos previstos no projeto conforme já tratado nesse blog. A proposição aprovada pelo Senado, que ainda depende de sanção presidencial, estabelece que as atuais concessões de telefonia fixa poderão ser encerradas antes do termo contratual – previsto para dezembro de 2025 – e adaptadas para autorizações. Segundo o texto, a Anatel deverá desenvolver metodologia e critérios de valoração econômica, considerando projeções futuras a serem contabilizadas apenas a partir da transição (ou seja, há um perdão da “dívida” acumulada), levando em conta, entre outros aspectos, os bens reversíveis, “se houver”, frisa o texto. Além disso, segundo o projeto, o valor material dos bens deve ser ignorado e o cálculo deve ocorrer exclusivamente pelo fluxo de caixas empresas, ou seja, os recursos oriundos do uso destes ativos.

As entidades da sociedade civil reunidas na campanha Banda Larga é um Direito Seu e atualmente integrantes da Coalizão Direitos na Rede há muito apontam que o PLC 79/2016 despreza os ganhos astronômicos que as concessionárias obtiveram durante todo o curso da exploração da telefonia fixa e de sua respectiva infraestrutura. Além disso, as entidades denunciam que a Anatel negligenciou gravemente o dever de fiscalizar os bens reversíveis que representam milhares de quilômetros de dutos, redes de telecomunicações de transporte e acesso implantados no Brasil inteiro, além de imóveis, torres etc. Bens cujo valor estimado está em torno de 100 bilhões de reais e que têm grande relevância para o interesse público, assim como para a democratização das comunicações e inclusão digital.

Jurisprudência
Foi a inconsequência da Anatel quanto aos bens reversíveis que levou a Proteste (Associação de Consumidores), em 2011, a ajuizar Ação Civil Pública para obrigar a União e a agência a anexarem aos contratos as listas de bens reversíveis associados às concessões. A ação foi julgada procedente em 2012 e, em março de 2016, a sentença foi confirmada pela 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Em janeiro de 2018, os embargos apresentados pelas rés foram rejeitados. Ou seja, por decisão judicial contra a qual pendem recursos, mas sem efeito suspensivo, a União e a Anatel já estão obrigadas a anexar aos contratos os inventários de bens reversíveis. E, no entanto, não cumpriram até agora a obrigação.

Neste sentido, a decisão do TCU vem em hora crucial, pois, apesar de haver elementos fortes de que se trata de patrimônio com alta relevância para as políticas públicas de inclusão digital, o discurso da Anatel é de que cabe a ela, em caráter discricionário (sem restrições), a decisão acerca da reversibilidade dos bens associados à concessão e que, por isso, não caberia ao TCU fiscalizar o acompanhamento desse tema e mais, que o valor hoje desses bens – 100 bilhões, repete-se – seria irrisório.

A resposta do TCU, pelo voto do ministro Walton Alencar Rodrigues, quanto a este posicionamento da agência é contundente: “Eles [os bens reversíveis] não foram doados às atuais concessionárias. A doação é o efeito prático, lamentável, da inação da Agência. Agora, certamente, a agência foi leniente no cumprimento de suas obrigações definidas pela legislação e contratos em vigor (…). A exatidão das RBR [Relação de Bens Reversíveis] era absolutamente imprescindível para assegurar que o patrimônio multibilionário, utilizado pelas concessionárias, na prestação do serviço concedido, hoje estimado em mais de R$ 121,6 bilhões, não fosse dilapidado, ao longo do período da concessão”.

O TCU concedeu agora à Anatel o prazo de 210 dias para cumprir com as determinações, fazendo referência, inclusive, à manifestação feita por representante da Agência em audiência pública ocorrida em 8 de maio de 2018 na Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado, onde, defendendo a aprovação do PLC 79/2016, afirmou que em 6 meses a conseguiria levantar o valor dos bens.

Portanto, a intenção da Anatel, que já contrariava decisão judicial do TRF da 1ª Região, no sentido de liquidar as concessões com base em cálculos de fluxo de caixa descontado, para pôr em prática as previsões do PLC 79/2016, está impedida com a decisão do TCU, que trouxe a racionalidade para os argumentos capciosos utilizados para aprovar o projeto de lei e beneficiar as teles ainda que em detrimento do interesse público.

* É advogada e integra o Conselho Diretor do Intervozes e o Conselho Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).