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[06/08/13]  Barganha no Marco Civil - por Mariana Mazza

Os últimos acontecimentos públicos deixaram evidente a importância da Internet como ferramenta de informação, debate e mobilização política. Com efeitos bastante nocivos para as chamadas "mídias tradicionais", a cada dia cresce a influência dessa nova forma de comunicação, especialmente para as camadas mais jovens da população. Com essa conscientização mais ampla de que a Internet não é apenas um instrumento para entretenimento ou de pesquisas esporádicas sobre assuntos gerais aumenta também a importância de que os cidadãos que usam a rede tenham seus direitos nesse novo ambiente bem definidos. Há tempos especialistas públicos e privados sabem dessa necessidade, daí o surgimento da proposta de um Marco Civil da Internet.

O projeto está sob análise dos deputados federais. Depois de muitas disputas que congelaram o processo de votação do documento no ano passado, a recente crise política gerada pelas denúncias de que a NSA, agência de segurança norte-americana, espiona cidadãos brasileiros pelas redes telefônicas e de Internet deu novo ânimo para desengavetar a proposta. Mas não se enganem. O debate sobre a segurança nacional pode ter ressuscitado o debate sobre o Marco Civil, mas os pontos de impasse continuam os mesmos.

O principal obstáculo está em uma palavrinha desconhecida da maioria dos usuários da Internet: neutralidade. O conceito de neutralidade de redes que já expus de forma mais detalhada na coluna de 26 de novembro de 2012 "A Europa quer a neutralidade. E o Brasil?" - é o que garante que todas as informações tenham o mesmo tratamento na web, em especial, trafeguem sem alteração na velocidade contratada. Na prática, o consumidor não pode ter sua velocidade de navegação alterada por assistir um vídeo na Internet, usar um programa de voz sobre IP ou qualquer outra facilidade disponível na rede.

Desde que os debates começaram, surgiram muitas versões "tupiniquins" do tal conceito, todas com a intenção de assegurar às empresas que fornecem conexão de Internet o direito de alterar a velocidade do consumidor em circunstâncias específicas. A nova ameaça nasceu nas últimas semanas. Começa a circular nos noticiários que o relator do Marco Civil, deputado Alessandro Molon (PT/RJ), estaria disposto a alterar o texto para garantir a votação da proposta. Uma importante alteração seria inserir no projeto uma espécie de ressalva com relação aos planos de franquia por download. Esses planos se tornaram bastante populares a partir de 2010, quando o Ministério das Comunicações acertou com as concessionárias de telefonia o projeto Banda Larga Popular. O cerne desse projeto é a criação de planos baseados no volume de tráfego de dados pelo usuário. Cada pacote permite que o consumidor utilize um volume específico de bytes dentro do preço pago. Ultrapassado este limite no mês, as empresas reduzem a velocidade de conexão.

A proposta encampada pelas teles é inserir esse modelo de negócios no texto do Marco Civil, deixando claro que a redução na velocidade após o consumo da franquia não infringe o princípio da neutralidade de redes. Em tese, a venda de pacotes franqueados não fere mesmo a neutralidade, desde que enquanto a franquia estiver sendo consumida a empresa respeite os parâmetros de qualidade exigidos no setor. Mas a institucionalização de um plano de negócios em uma lei de princípios é algo, por si só, temerário.

Na semana passada esta movimentação em torno do Marco Civil da Internet foi alvo de discussão em uma reunião envolvendo representantes de entidades civis e do governo. O encontro faz parte de um projeto de aproximação do governo com a sociedade chamado de "Diálogos com a Sociedade Civil". O debate foi gravado com autorização dos participantes e divulgado nas redes sociais. O que se vê ali é chocante. É um belo retrato das preocupações da sociedade e da apatia do governo em levar a sério os alertas feitos por gente que há muito tempo se preocupa com os diretos do cidadão.

Os representantes do governo dizem desconhecer qualquer alteração no texto, salvo as solicitadas pela presidente Dilma Rousseff para aumentar a segurança dos dados dos cidadãos brasileiros. Mas em momento algum esses técnicos do governo dizem claramente se são contra ou a favor da inserção do plano de negócio das empresas no Marco Civil. É uma omissão útil. Se a alteração for mesmo feita, o governo dirá que nada teve a ver com isso.

Um dos grandes ativistas em prol da inclusão digital no Brasil resumiu bem o que incomoda nesse imbróglio. Para o sociólogo Sérgio Amadeu "tudo que não obrigue as teles a ampliar sua infraestrutura é ruim para o Brasil". O jogo para institucionalizar os pacotes por download tem relação estreita com essa marcha a ré nos investimentos necessários para a expansão da Internet no Brasil de forma adequada. É tratar como escasso algo que só tem limites por questões financeiras. Com investimentos em rede, transparência e respeito aos consumidores é possível expandir a Internet no Brasil com qualidade. A venda de pacotes limitados por download pode até ser legal afinal, teve a chancela do Ministério das Comunicações em 2010 , mas essa prática limita drasticamente o livre uso da Internet e cria uma brecha para que direitos básicos do cidadão que usa a rede não sejam respeitados na prática.

Aproveito para indicar dois vídeos curtos que explicam bem os efeitos que os consumidores podem sofrer caso a neutralidade não esteja garantida de forma bem clara no Marco Civil da Internet. O primeiro foi produzido pelo Coletivo Intervozes, grupo bastante ativo nos debates sobre inclusão digital (http://video.twicsy.com/i/6z9ob). O outro é uma produção do projeto freenet?, que defende a Internet livre e a garantia dos direitos dos usuários da rede (https://www.youtube.com/watch?v=8DdaC93O9Yw). Em tempos em que o brasileiro descobriu que a Internet é uma excelente ferramenta de mobilização política e defesa da cidadania o estabelecimento de princípios claros em defesa da livre navegação na rede é fundamental. E o Marco Civil da Internet, que pode garantir esses direitos aos usuários, está em risco mais uma vez.