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Leia na Fonte: Website de Renato Cruz
[22/08/13]  Teles querem que a Anatel passe a regular a internet - por Renato Cruz

Quem é o responsável pela internet brasileira? Historicamente, esse tem sido um mercado desregulamentado. A legislação diferencia serviço de telecomunicações (como a telefonia fixa) do acesso à internet, considerado um serviço de valor adicionado, fora da responsabilidade da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Mas as coisas vêm mudando, e as operadoras de telecomunicações já defendem que o regulador assuma a responsabilidade sobre essa área. As empresas de internet temem que, se isso acontecer, o mercado acabe “engessado” por excesso de regras.

As empresas de telecomunicações usam a licença de Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) para oferecer acesso à internet. O novo regulamento do SCM, aprovado pela Anatel em maio, acabou com a obrigatoriedade do provedor de acesso, definiu regras para guarda de “logs” (informações sobre conexões de internet) e citou em seu texto a neutralidade de rede (conceito pelo qual as operadoras de telecomunicações têm de tratar igualmente qualquer tipo de comunicação pela internet). As regras de guarda de “logs” e de neutralidade estão no projeto do Marco Civil da Internet, parado há dois anos no Congresso por causa do desentendimento entre empresas de internet e operadoras de telecomunicações.

Atualmente, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) é responsável por coordenar e integrar as iniciativas de internet no País. Ele tem 21 integrantes, sendo nove do governo e 12 da sociedade civil. O CGI.br atua por meio do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), uma entidade civil sem fins lucrativos. Sua principal atividade é administrar os endereços de internet com final .br e os números brasileiros de protocolo de internet (IP), endereços das máquinas ligadas à internet.

“A internet hoje é, pela LGT (Lei Geral de Telecomunicações) de 1997, atividade de valor agregado, para a qual não se necessita concessão nem licença, ao contrário dos meios de telecomunicações”, explicou Demi Getschko, diretor presidente do NIC.br e pioneiro da internet no Brasil. “Isso permitiu uma expansão vigorosa da atividade de internet no País. Travar a internet, tornando-a regulada pela Anatel, vai minar a inovação, o empreendedorismo e a competitividade nacional, além dos riscos de controle quanto ao que fazem usuários e provedores de conteúdo.”

MODELO

O CGI.br não é uma agência reguladora, como a Anatel. Não tem poder de criar regras a serem seguidas pelas empresas de internet. Diferentemente da Anatel, que tem seu conselho diretor indicado pelo governo, o comitê segue um modelo conhecido como “multistakeholder”, que combina integrantes do governo, empresas, usuários, academia e terceiro setor. O CGI.br faz recomendações de políticas públicas, mas não tem poder de implementá-las.

As teles defendem que o CGI.br perca até mesmo sua atribuição de administrar os nomes e números que são os endereços de internet. A tecnologia da rede mundial está mudando, da versão quatro do protocolo de internet (IPv4) para a versão seis (IPv6), para fazer frente ao crescimento exponencial de equipamentos conectados. O CGI.br tem incentivado essa migração, e as operadoras reclamam de dificuldades em conseguir mais endereços da versão antiga. Na visão das teles, se a Anatel assumisse essa área, seria mais fácil.

Marcelo Bechara, conselheiro da Anatel e relator do novo regulamento do SCM, elogiou o trabalho do CGI.br na administração de nomes e números, mas defendeu que o comitê precisa ser ampliado, para ganhar representatividade. “Essa é uma posição minha, e não da Anatel”, afirmou Bechara, integrante do CGI.br. “Não existem hoje representantes dos ministérios da Justiça, da Cultura e da Educação. Não defendo que o governo tenha maioria no Comitê Gestor. Também deveria ser ampliada a participação da sociedade civil.”

Sobre a inclusão de questões de internet nos regulamentos publicados pela agência, Bechara justificou: “Foi a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Pedofilia quem cobrou da Anatel uma regra para guarda de logs. Não podemos editar regulamentos sobre telecomunicações e fingir que a internet não existe”.

Bechara defende que o modelo brasileiro de governança da rede precisa passar por um amadurecimento. “Muita coisa mudou desde a chegada da internet comercial no Brasil em 1995. Não se pode ficar no ‘modelo Gabriela’”, disse o conselheiro da Anatel. Ele se referiu à canção “Modinha para Gabriela”, de Dorival Caymmi, que diz: “Eu nasci assim / Eu cresci assim / Eu sou mesmo assim / Vou ser sempre assim / Gabriela, sempre Gabriela”.

Para Alexander Castro, diretor de regulamentação do SindiTelebrasil (sindicato das operadoras de telecomunicações), o regulador tem agido de acordo com suas atribuições. “A LGT dá competência à Anatel para regular o relacionamento entre operadoras de telecomunicações e provedores de operações, além de definir o condicionamento para que o serviço de valor adicionado possa ser prestado”, disse Castro.

MUNDO

No mundo todo, as telecomunicações passam por um momento de mudança. A demanda por serviços de dados cresce muito mais rápido que o faturamento das empresas e sua capacidade de investir em infraestrutura. Uma das principais discordâncias das teles em relação ao projeto do Marco Civil da Internet é que o texto permite a empresas de internet, como o Google e o Facebook, coletar dados sobre o usuário para uso comercial, e não permite que as teles também o façam. As operadoras querem saber o que as pessoas fazem na internet para oferecer anúncios personalizados, produtos e serviços.

“As teles reclamam que as empresas de internet ganham dinheiro em cima da ‘sua rede’, mas é o contrário”, disse Eduardo Neger, presidente da Associação Brasileira de Internet (Abranet). “Elas que faturam em cima dos serviços que as empresas de internet oferecem de graça. As pessoas assinam banda larga por causa desses serviços. Sem eles, seria mesma coisa de tentar vender pacotes de TV paga sem nenhum canal.”

Neger teme o avanço da Anatel sobre o mercado de banda larga. Na sua visão, isso pode tirar o dinamismo das empresas brasileiras de internet, que precisam competir clique a clique com as companhias estrangeiras, ao impor um modelo regulamentado sobre um mercado até agora livre. Poderia até mesmo haver um impacto tributário, já que os serviços de telecomunicações costumam pagar ICMS de 25% ou mais, e os serviços de internet ISS de 5% ou menos.

A internet surgiu do mundo da computação, desregulado, e não das telecomunicações. O embate visto hoje no Brasil é reflexo do cenário mundial. Recentemente, a União Internacional de Telecomunicações (UIT), agência da Organização das Nações Unidas (ONU), trazer para si poderes sobre a internet. “Querem transformar um modelo ‘multistakeholder’ em um modelo multigovernamental”, disse Neger. A UIT é formada somente por representantes de governo.