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Fonte: Estadão / Link
[31/10/13]
Marco Civil: ‘Faz sentido guardar dados no Brasil’ - por Murilo Roncolato
[Entrevista com Virgílio Almeida]
Entrevista com Virgílio Almeida, membro do conselho do Comitê Gestor da Internet
e secretário do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
SÃO PAULO – O projeto de lei nº 2126/2011, o chamado Marco Civil da Internet,
foi adiado nesta terça-feira, 29, pela primeira vez após o Executivo ter
colocado sua tramitação sob regime de urgência (embora no total, o projeto já
tenha sido formalmente adiado cinco vezes). O prazo, na última segunda, 28,
estourou, o que fez com que o adiamento da votação trancasse a pauta da Câmara.
Isso significa que enquanto não for votado, não se vota mais nada. O texto
recebe sugestões de mudanças há quatros anos, sendo entre 2009 e 2011 pela
sociedade civil interessada através de consultas públicas; e nos dois últimos
anos, por parlamentares.
Nesta reta final, mais alterações estão previstas e ambos os lados sabem que a
briga será das grandes. Até lá, publicaremos no site do Link entrevistas com
pessoas influentes sobre o assunto e envolvidos diretamente nas discussões.
Estreando a série, conversamos com Virgílio Almeida, secretário de Política de
Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e conselheiro do
Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br)
Confira a entrevista:
O governo e a relatoria se dizem prontos para votar o Marco Civil. A oposição
diz que o deputado Alessandro Molon (PT-RJ; relator do projeto) deve abrir mão
de alguns pontos, como sobre a guarda de registros e a neutralidade, e pede mais
tempo para discussão. Qual sua posição? Acha que isso ainda vai se estender?
O texto do deputado Alessandro Molon foi resultante de um processo amplo de
consultas públicas. O deputado trabalhou durante um período longo e o texto
está, por isso, pronto para ser votado. O MCTI e o CGI consideram que o texto
atual tem fundamentos importantes como a questão da neutralidade, a guarda de
registros de conexão (não necessariamente pelos provedores de aplicações, a não
ser que haja ordem judicial para isso, caso contrário todo dono de blog teria
que guardar os registros de todo visitante do seu blog).
O texto tem todas as virtudes – além de seguir com coerência muito grande o
decálogo do CGI (Comitê Gestor da Internet). Até o inventor da World Wide Web, o
senhor Tim Berners-Lee, fez elogios ao texto do projeto. Por tudo isso acho que
ele tem tudo para ser aprovado. Sobretudo, o importante é termos essa lei
aprovada, é fundamental para o desenvolvimento da internet e para garantir a
segurança do brasileiro online.
E quanto à oposição, contrária à neutralidade?
Outros países têm a neutralidade preservada, como os EUA e a Holanda. É bom
lembrar que a internet é uma camada das telecomunicações. É na internet que
existe o espírito da inovação, a facilidade de se criar novos modelos de
negócios; a neutralidade garante o impedimento de criação de barreiras de
entrada para empresas e ideias novas. Assim, defender a neutralidade é
importante para a manutenção do espírito da internet.
A espionagem americana e a relutância do Google em fornecer informações que
não estão armazenadas em território fez com que o governo estudasse a
possibilidade de exigir a guarda de dados sobre Brasil em território brasileiro.
A medida é criticada por ser “ineficaz” e, em vez de armazenar menos dados e
assim garantir a privacidade (além da presunção de inocência), armazena mais
dados. Qual sua opinião sobre o assunto? Acha que funcionaria? Isso deve estar
vinculado ao Marco Civil?
Existe a proposta de se ter exigência de armazenamento local de dados de
cidadãos brasileiros em território brasileiro. Exigências desse tipo existem em
outros países, a Austrália tem projetos para exigência de armazenamento de dados
de saúde dos australianos localmente, a Coreia do Sul exige o armazenamento de
dados de seguros financeiros e transações financeiras no território coreano. A
proposta do Brasil ainda se encontra em discussão e os detalhes sobre que tipo
de dados seriam obrigatoriamente armazenados aqui irão provavelmente ser
definidos por um decreto de regulamentação. Também em termos comerciais faz
sentido pensar que empresas que possuem um grande número de seus consumidores no
país deveriam ter parte de suas infraestruturas aqui no Brasil. É uma discussão
que tem estado nas discussões internas do governo, mas não há ainda uma
definição sobre o texto final.
O Brasil possui infraestrutura que justifique a instalação dos datacenters
pedidos? Vincular esse assunto ao Marco Civil não é colocar uma problema
estrutural em um carta de princípio e complicar ainda mais a sua votação?
A questão da localização de dados não vai aumentar a segurança das informações
mesmo, mas vai permitir que os dados estejam sob jurisdição brasileira. Outro
ponto: é também uma resposta aos eventos de monitoramento e espionagem que estão
acontecendo (recentemente saiu que a NSA vigiava o Google e o Yahoo!). O que
iria para o texto é uma orientação apenas, detalhes sobre que tipos de empresas
seriam obrigadas ou que tipo de arquivos serão definidos em uma regulamentação
posterior. No entanto, o mesmo efeito dessa proposta poderia ser obtido por meio
de políticas públicas, por exemplo dando preferência nas compras públicas a
empresas que tenham armazenamento local de dados. Faz sentido o País querer ter
parte dessa estrutura de dados aqui.
No fundo, queremos descentralizar a internet, não queremos que os Estados Unidos
estejam sentados sobre todas nossas informações; o Brasil quer estabelecer
outras conexões para que todos os dados não tenham que passar por lá. A internet
é global, o ideal seria que houvesse uma distribuição desses dados. As empresas
grandes já têm essa infraestrutura aqui. Sobre as críticas de que o Brasil tem
que investir em PTT (pontos de troca de tráfego), digo que não há deficiência de
PTT; há 21 pontos de troca de tráfego no País, do sul até a região Norte. Eu
acho que é um ponto controverso, que ainda vai ser discutido no Congresso, mas
adianto que faz um certo sentido reivindicarmos a localização de parte dos dados
para o Brasil, dado o tamanho da economia brasileira.
Vê alguma contradição em o governo defender a governança multissetorial (multistakeholder)
e a neutralidade lá fora enquanto por aqui o CGI foi retirado do texto do Marco
Civil, e o princípio da neutralidade ainda não é consenso?
Nos textos do PL do Marco Civil não está mencionado explicitamente Anatel ou
CGI. Isso deverá fazer parte da regulamentação. O CGI é a entidade responsável
pela governança da Internet. Seu modelo “multistakeholder” é elogiado
internacionalmente e a própria presidenta Dilma tem apoiado o modelo do CGI. A
neutralidade está no PL e conta com apoio do governo, agora cabe ao Congresso
votar, como ocorre com todos projetos de lei. Não há nenhuma incoerência entre a
governança “multistakeholder” e o Marco Civil ou o funcionamento do CGI.
Qual foi o saldo do IGF 2013? Tudo aponta que a comunidade internacional
seguirá o modelo brasileiro do CGI?
Estive tanto em Seoul, na Conferência Cyberspace, quanto na reunião do IGF em
Bali. A organização e a composição dos participantes do IGF seguem o modelo
multistakeholder, extamente como o CGI. Tanto em Bali como em Seoul, a palavra
mais falada para a governança da internet foi multistakeholder e o Brasil citado
como exemplo, por ter o CGI, que tem quase 20 anos de criação (1995). O
Presidente da ICANN quando tomou posse ano passado, ficou sabendo do CGI e pediu
para participar de uma reunião do CGI (dezembro passado) e desde então tem sido
um grande apoiador e divulgador do modelo CGI.