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Leia na Fonte: IDG Now! - Circuito de Luca
[13/02/14]
Desistir da aplicação das regras de neutralidade da rede, nunca
Em um discurso dias atrás na Law School da Universidade do Colorado, o
presidente da Comissão Federal de Comunicações (FCC), Tom Wheeler, declarou que
a entidade deve anunciar nos próximos dias planos para restabelecer as regras de
neutralidade de rede que impedem os provedores de conexão de discriminarem
(retardarem ou bloquearem) tráfego Internet. Ou seja, regras que garantam o
tratamento isonômico dos pacotes de dados.
Em outras palavras, segundo o princípio da neutralidade da rede, intermediários
que operacionalizam a transmissão de dados – sejam eles provedores de conexão,
empresas de telecomunicação, backbones, prestadores de serviços de comutação, de
roteamento de pacotes e demais agentes que atuam na operacionalização da
internet – não podem discriminar os pacotes quanto ao seu conteúdo, origem e
destino, serviço, terminal ou aplicativo utilizado. Um provedor de serviços de
Internet não pode tratar diferentemente um serviço online de vídeo de uma
empresa concorrente, em benefício de um serviço análogo por ele gerenciado, como
reivindica a Verizon. Da mesma forma, empresas de telecomunicações não podem
tratar de forma discriminatória aplicações que permitem a realização de
conversas por voz por intermédio da rede.
“Os consumidores, empreendedores e inovadores merecem saber que o seu direito de
ver ou utilizar conteúdos e serviços online à sua escolha será protegido”,
afirmou Wheeler. “Faremos isso”, garantiu. Como?
De acordo com Wheeler, em sua decisão sobre a disputa entre a FCC e a Verizon, o
juiz do Tribunal de Apelação do Distrito de Columbia teria convidado a FCC a
agir de forma a preservar uma Internet livre e aberta. E a agência não pretende
desistir da aplicação das regras de neutralidade da rede,
mesmo após seus
poderes para defini-las terem sido questionados pela corte. A íntegra da decisão
do juiz David Tatel
pode ser lida neste PDF.
“Nos próximos dias, estarei descrevendo como faremos”, afirmou Wheeler.
Apesar de ter derrubado o Open Internet Order, de dezembro de 2010, o Tribunal
Federal de Apelações confirmou a alegação da FFC de que teria autoridade legal
sobre os provedores de Internet por conta do disposto na Seção 706 da Lei de
Telecomunicações dos EUA, de 1996. A FCC argumentou que a Seção 706, escrita
antes da Internet ser o que é, lhe dá autoridade para incentivar a disseminação
de redes de banda larga de alta velocidade. “De fato, o Telecommunications Act
de 1996 permite à FCC “promulgar regras governando o tratamento dos provedores
de banda larga sobre o tráfego de internet”, escreveu o juiz David Tatel em sua
decisão. É por esse caminho que a FCC pretende seguir.
Segundo a entidade, nada a impede de ditar e impor regras aos provedores de
banda larga para evitar tomem ações capazes de prejudicar a concorrência na
Internet. E é por aí que ela encontrar um caminho para legitimar sua atuação em
relação à neutralidade de rede.
Em paralelo à movimentação da FCC, uma legislação de emergência para proteger a
neutralidade da rede nos Estados Unidos já foi elaborada por senadores
democratas e republicanos. Se rapidamente aprovado pelo Congresso Americano, o
Open Internet Preservation Act of 2014, dará à FCC um tempo maior para colocar
seus planos em prática.
E, cá para nós, a existência de mais competição é vista como benéfica para o
consumidor. Tanto que, na Europa, essa semana, 19 candidatos às eleições
europeias comprometeram-se a defender a neutralidade da rede e a privacidade de
dados procurando apoio para serem eleitos. O fato decorre da campanha WePromise
lançada há uma semana por um grupo de defesa dos direitos civis digitais, o
EDRi, que congrega 35 organizações. Eles assinaram uma “carta de direitos
digitais” com dez pontos que prometem respeitar. Em contrapartida, os eleitores
são convidados a assinar o compromisso de votar nos candidatos signatários do
documento. Os candidatos acreditam que as liberdades civis digitais serão um
grande assunto nas próximas eleições. Dos 29, 13 são do Partido Pirata. E, a
maioria deles, da Alemanha, Áustria e Suécia.
As discussões no mundo acontecem no exato momento em que o Marco Civil da
Internet deve ser votado pelos deputados brasileiros. Ontem, ao ler o
seu voto
no Plenário da Câmara, o relator do projeto, deputado Alessandro Molon (PT/RJ),
fez questão de ressaltar que o desrespeitado às regras de neutralidade de rede
como as previstas no Marco Civil da Internet coloca em risco ao menos seis
liberdades essenciais para os usuários da Internet:
(1) a de conexão de quaisquer dispositivos;
(2) a de execução de quaisquer aplicativos;
(3) a de envio e recebimento de pacotes de dados;
(4) a liberdade de expressão;
(5) a de livre iniciativa;
(6) e a de inovação na rede.
Molon lembrou também que, em setembro de 2013, após as revelações do ex-agente
da Agência Nacional de Segurança do Governo dos Estados Unidos da América,
Edward Snowden, sobre espionagem eletrônica, a presidente Dilma Rousseff, em
pronunciamento na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas,
reforçou que o princípio da neutralidade da rede é condição sine qua non para o
funcionamento da Internet, de modo que apenas critérios técnicos devam ser
observados, sem, contudo, haver qualquer tipo de discriminação quanto aos
pacotes que circulam na Internet.
Em 2010, o Chile foi o primeiro País a aprovar uma lei sobre neutralidade de
rede. Seguindo seu exemplo, em 2011, a Colômbia inseriu em seu plano nacional de
desenvolvimento, dispositivo legal para restringir práticas de discriminação de
informações. Em 2011, também, a Holanda emendou sua lei de telecomunicações para
estabelecer que, em regra geral, a degradação do tráfego só é permitida em casos
específicos.
Portanto, é bom que nosso Congresso tenha em mente que, na prática, o mundo
inteiro está fazendo o dever de casa na criação de regras que permitam evitar
abusos anticompetitivos dos diversos intermediários envolvidos na comunicação
pela Internet, em benefício claro aos consumidores e à inovação. E também para o
estabelecimento de mecanismos de governança multiparticipativa, transparente,
colaborativa e democrática para a gestão de recursos críticos da Internet, com a
participação do governo, do setor empresarial, da sociedade civil e da
comunidade acadêmica.
“Vai ser ruim para nossa imagem internacional chegarmos em abril sem termos
feito o nosso trabalho de casa”, me disse Molon. O deputado se referia ao
Encontro Multissetorial Global sobre o Futuro da Governança da Internet, que por
iniciativa da presidente Dilma, será realizado entre os dias 23 e 24 de abril,
em São Paulo. Esta reunião terá como foco a elaboração de princípios de
governança da Internet e a proposta de um roteiro para a evolução futura do
ecossistema de governança da Internet.
A ideia do encontro surgiu a partir do discurso da presidente Dilma Rousseff na
abertura da Assembleia-Geral da ONU, motivado pelas revelações de que o governo
norte-americano espionou autoridades e empresas brasileiras.
Convém ficar de olho na FCC nos próximos dias, até pelos desdobramentos que o
caso americano possa ter aqui no país, em relação ao papel da Anatel (a nossa
FCC) na questão da neutralidade e às discussões sobre o Marco Civil.
“No mérito, estou de acordo com a FCC. Na forma, estou de acordo com a corte,
que disse que não há base legal para a FCC ditar as regras sobre neutralidade.
Neutralidade não deve ser imposta, deve ser defendida por uma legislação
própria, como é o Marco Civil”, afirma Demi Getschko, conselheiro do Comitê
Gestor da Internet e diretor do NIC.br. Ou, como no próprio Estados Unidos,
através da lei proposta pelo Senado americano.