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Fonte: Band / Colunas
[18/02/14]
Teles retiram apoio ao Marco Civil. Mas elas eram a favor? - por Mariana
Mazza
A versão 2014 da maratona de debates sobre o Marco Civil da Internet está a todo
vapor. O governo pretendia votar o projeto nesta terça-feira, 18, mas conflitos
dentro da própria base aliada resultaram no adiamento do debate. Não é o
primeiro adiamento e, provavelmente, não será o último. O presidente da Câmara
dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, até admite a possibilidade de iniciar o
processo de discussão do projeto no Plenário amanhã, mas o clima indica que a
votação deve ocorrem apenas na semana que vem.
A tensão responsável por essa nova rodada de adiamentos tem origem já conhecida.
O problema continua sendo o confronto entre teles e sociedade civil por conta do
conceito da neutralidade de redes. Este princípio, na essência, impede que as
empresas discriminem o acesso de dados na Internet. Na prática, com a
neutralidade garantida em lei, as teles estariam impedidas de manipular a
qualidade da conexão com base no tipo de conteúdo que está sendo acessado pelo
internauta.
Para as entidades civis que participam do debate a garantia da neutralidade é
fundamental para a manutenção da Internet como um espaço democrático. Para as
teles, a regra como está proposta compromete a gestão técnica da rede, o que
poderia prejudicar a expansão da Internet no Brasil. Nesse contexto não deveria
ser surpresa as entidades civis serem a favor da presença da neutralidade no
Marco Civil e as companhias telefônicas serem contra a citação. Mas no jogo
político, as teles encontraram um espaço "meio-termo", onde dizem que são
favoráveis, mas agem contra o cerne deste conceito.
Não é de hoje que os representantes das empresas telefônicas se auto-intitulam
defensores da neutralidade. O truque é que a neutralidade delas não é bem aquela
conceituada pelo professor Tim Wu em 2003, pai da ideia de rede neutra. Para as
teles é possível discriminar parte dos internautas sem ferir o conceito. Novas
análises sobre o tema ao redor do mundo abrem essa possibilidade ao defender a
hierarquização da rede, privilegiando, por exemplo, a ordem dos pedidos de
acesso aos pacotes de dados.
Mas a versão defendida pelas teles vai além da discriminação técnica. No fim, o
que elas querem é manter o espaço aberto para exercer o oposto da neutralidade
de redes: o traffic shaping. Esta prática, condenada em todo o mundo,
consiste em reduzir a velocidade do internauta no acesso de dados mais pesados,
como vídeos e serviços de download. Há uma lógica financeira bem clara nesta
postura. Com o aval para controlar o acesso, as empresas podem cobrar mais caro
de quem quiser ter acesso a esse tipo de serviço na Internet. E lá se vai o
direito básico que a neutralidade pretende proteger: que os consumidores não
sejam diferenciados no acesso de dados com base na capacidade financeira.
Um exemplo clássico deste cenário que as companhias tentam implantar na Internet
é modelo de negócios usado na TV por assinatura. Neste modelo, o acesso a uma
variedade maior de canais depende diretamente de quanto o consumidor está
disposto a gastar com o serviço. Esse exemplo, aliás, é bastante usado pelos
representantes das companhias telefônicas nos debates na Câmara dos Deputados
como uma tática que deu certo. E, mais uma vez, no entendimento dessas empresas,
este seria um modelo neutro pelo simples fato de que todos os assinantes, tanto
dos pacotes básicos como os premium, receberiam o sinal dos canais com a mesma
qualidade. É óbvio que, no caso da Internet, isso não é tão simples, já que
estamos falando de uma plataforma com alto nível de interatividade onde,
inclusive, outros serviços florescem.
Mas vamos voltar à tentativa de votação do Marco Civil. Desde o início de 2014,
as teles passaram a apoiar formalmente o projeto. O apoio surgiu depois de uma
negociação com o relator Alessandro Molon (PT/RJ), que incluiu no texto uma
ressalva garantindo às empresas a liberdade na definição de seus modelos de
negócio na venda da conexão à Internet, desde que respeitando o princípio da
neutralidade. O acerto parecia indicar o fim dos conflitos e a aprovação rápida
do texto. Mas não foi bem assim.
Hoje as teles retiraram o apoio. Segundo o noticiário Teletime, o problema seria
a "interpretação" do relator Molon do que é a neutralidade. A jogada das teles é
bem clara. Na verdade elas nunca apoiaram o texto. O acordo sinalizou para elas
a possibilidade de que o relator alterasse também o conceito da neutralidade,
adotando a versão delas deste princípio. A tal versão onde elas podem
discriminar os clientes e controlar o acesso de dados e ainda assim chamar a
rede de neutra. Molon não cedeu e as teles agora fingem que entenderam errado a
oferta feita pelo parlamentar.
A arte dos setores contrários ao Marco Civil da Internet continua sendo a de
criar novas desculpas para protelar a votação, ora acenando com um acordo, ora
fechando posição contrária. Mas a crise em torno do projeto continua sendo
essencialmente a mesma desde que a proposta iniciou sua tramitação. Agora, com
as eleições se aproximando e o projeto trancando a pauta da Câmara dos
Deputados, o cenário fica ainda mais nebuloso.
Os interesses reais das empresas de telefonia no debate do Marco Civil estão
claramente representados pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ), intransigente na
defesa que o conceito de neutralidade seja alterado para dar mais liberdade à
gestão da rede pelas companhias telefônicas. Nos últimos anos, Cunha tem
mostrado sua força dentro da Câmara dos Deputados e, sem o PMDB, não há chance
de aprovar o relatório de Molon como está. O governo promete negociar com o
deputado nesta semana para viabilizar a votação. E é possível que acabe cedendo
às exigências de Cunha para destravar a pauta da Câmara e passar o "problema"
para o Senado Federal.
Não custa lembrar que o relatório de Molon, no que diz respeito à neutralidade,
conta com o apoio de praticamente todos os partidos de oposição. Siglas como o
PSDB e DEM fazem críticas a outros itens do projeto, mas defendem a preservação
do conceito de rede neutra como forma de proteger a liberdade de expressão na
Internet e os direitos fundamentais dos cidadãos que usam a rede. O drama
continua sendo alimentado pela base aliada que, assim como as teles, diz que
apoia o texto, mas age contra qualquer avanço da proposta.