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Fonte: IDGNow!
[23/05/14]
Acesso patrocinado pode violar Marco Civil da Internet
- por José Milagre
José Milagre Advogado e perito especializado em privacidade e tecnologia da
Informação, Vice-Presidente da Comissão Estadual de Informática da OAB/SP,
Mestrando em Ciência da Informação pela UNESP. Árbitro da CIAMTEC.br
Recentemente recebemos a informação que um Banco[1], no Brasil, está
patrocinando o acesso a seu conteúdo. Explicamos: o Banco, em parceria com as
operadoras de telecomunicações, está bancando seus clientes para que acessem o
internetbanking ou outras aplicações institucionais via celular ou dispositivos
móveis. Ou seja, o volume de dados consumidos, quando o cliente estiver
acessando conteúdos do banco, não será descontados do seu pacote de dados.
Muitos chamam a prática de “acesso patrocinado”.
A Lei 12.965/2014 acaba de ser sancionada e assegura o princípio da neutralidade
da rede, diga-se, o provedor não poderá fazer distinção em relação ao conteúdo
acessado pelo usuário, cobrando mais ou menos pelo acesso a determinado
conteúdo.
Verificamos, nestes “acordos”, uma forma clara de driblar a garantia da
neutralidade da rede, pois embora o provedor não possa cobrar de forma
diferenciada de acordo com o conteúdo acessado, ao que parece nada impede de um
terceiro pagar a conta do usuário quando ele acessar determinado conteúdo. Este
terceiro é o Banco. Igualmente, algumas redes sociais já fizeram parcerias com
operadoras de telefonia e fabricantes de celulares, para promoverem o acesso de
usuários às aplicações sem qualquer desconto em seus pacotes de dados.
Por outro lado, com a popularização do ”acesso patrocinado”, corremos o risco do
fim da livre concorrência na internet, pois conteúdos mais acessados não serão
os mais “relevantes”, mas os daqueles que tem maior poder econômico para
oferecer facilidades ou acesso livre aos usuários. Está aí a primeira violação
ao Marco Civil da Internet.
Imagine você, blogueiro, com seu conteúdo independente, tendo que competir com
sites da grande imprensa que bancam o acesso à internet a usuários, desde que
eles acessem seus respectivos conteúdos?
Agora, façamos uma reflexão: como os provedores sabem que você está acessando o
conteúdo do Banco ou de determinada Rede Social e partir de então, zeram a sua
tarifação de dados? Monitorando sua atividade na Internet, claro! E o que diz o
Marco Civil? Na provisão de conexão à internet, onerosa ou gratuita, bem como na
transmissão, comutação ou roteamento, é vedado bloquear, monitorar, filtrar ou
analisar o conteúdo dos pacotes de dados. Igualmente, prevê a lei que na
provisão de conexão, onerosa ou gratuita, é vedado guardar os registros de
acesso a aplicações de internet.
Se os provedores de conexão não podem monitorar o conteúdo dos pacotes de dados,
mesmo com consentimento livre, expresso e informado do usuário, ainda assim
estariam violando a legislação.
E outras violações seguem pois o usuário pode estar trocando sua privacidade por
acesso gratuito a aplicações específicas na Internet. Importa dizer que
clausulas desta natureza devem ser destacadas nos contratos e o usuário deve ter
o direito de escolher se deseja receber a “facilidade” ou não. Em alguns casos
reportados, além de vincular a internet patrocinada e o acesso a serviços ao uso
de operadoras específicas, o que pode caracterizar venda casada, alguns
consumidores reclamaram que a promoção só estaria funcional em determinados
sistemas operacionais. Neste contexto, já podemos refletir sobre a “Internet”
que estão nos oferecendo…
Enfim, com bem enfatizou Pedro Ekman (2014, p. 1)[2], “Em breve, ricos e pobres
terão acesso à Internet – o que é um belo slogan de campanha – resta saber qual
Internet”. O apartheid digital, antes disfarçado pelas promessas de
democratização, é o começo do fim”.
Resta saber, ainda, como o Judiciário fará a leitura de acordos desta natureza,
à luz do embrionário Marco Civil da Internet.
[1]
Regulamento de um dos Bancos que oferecem o acesso patrocinado
[2] Texto completo
aqui