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Fonte: El País / Brasil
[26/03/12]
Os especialistas temem que a lei da Internet se torne um Frankenstein - por
Cecilia Ballesteros
O Brasil tem desde terça-feira sua primeira Constituição da Internet. Mas, como
diz o ditado, o diabo está nos detalhes.
O projeto de lei do Marco Civil aprovado pelos deputados foi um passo
indiscutível para a regulamentação da Rede no país. Mas alguns pontos, como os
da neutralidade, do armazenamento de dados e da censura ainda compõem um buraco
negro cujo debate parece longe de terminar.
“Como todo projeto polêmico que passa por negociações entre variados setores e
interesses o texto final aprovado não é o projeto ideal das organizações da
sociedade civil brasileira que se envolveram no processo. Porém, ele reflete as
principais preocupações com a proteção de direitos fundamentais dos usuários na
Internet e apresenta garantias importantes neste sentido, avançando no que temos
atualmente na legislação brasileira", diz Veridiana Alimonti, advogada do
Instituto Brasileiro da Defensa do Consumidor
(IDEC).
Os deputados estiveram para votar esse projeto por quase três anos, em meio
ainda a uma queda de braço entre o Governo federal e membros de sua própria base
aliada do PMDB. O intenso debate teve como pano de fundo uma pressão crescente
por parte de operadoras e empresas de telecomunicações.
Entre os pontos de discórdia na larga negociação havia dois destaques. O
primeiro se referia à chamada neutralidade da rede, que impede a venda de
pacotes que restrinjam ou condicionem o acesso à internet.
O segundo ponto faz referência à polêmica sobre o armazenamento de dados dos
usuários, além da controvérsia em torno dos chamados data centers das grandes
empresas estrangeiras. A proposta também pretende resguardar o direito dos
internautas ao prever que o conteúdo publicado só seja retirado após ordem
judicial. Há exceções, como em casos de racismo, pedofilia ou violência.
Embora o projeto, que tem de ser aprovado pelo Senado em até 45 dias e
sancionado pela presidenta Dilma Rousseff, tenha sido definido pelo inventor da
web, Tim Berners-Lee, como “de vanguarda”, há quem acredite que possa
transformar-se em um Frankenstein na passagem pela Câmara Alta, se for baixada a
guarda. Para muitos especialistas, a aprovação é um bom começo mas é preciso
esperar o texto final.
Por exemplo, quanto à neutralidade da rede, o projeto proíbe que as empresas de
internet vendam planos de tarifas ou conexão que discriminem os usuários pelo
conteúdo ou o tráfego –o que poderia levar à existência de uma internet para os
ricos e outra para os pobres-, e estipula que todos sejam, em princípio,
tratados de forma igual.
Muitas empresas de telecomunicações queriam vender pacotes que não permitissem o
acesso às redes sociais, por exemplo, cobrando mais caro se o usuário quisesse
isso. Antes, a lei dizia que esses serviços, nos quais muitos veem uma porta
aberta para a entrada de empresas de telefonia poderiam ser regulamentados com
um mero decreto presidencial. “As operadoras de telefonia já estão tentando
construir uma regulamentação com interpretações que contrariam o espírito da
lei.
A aprovação [na Câmara] é de extrema importância, mas é apenas o começo de um
longo caminho”, afirma Pedro Ekman, coordenador do
Intervozes, Coletivo Brasil
de Comunicaçao Social.
“Seria como se em uma estrada você pudesse reservar financeiramente uma pista
exclusivamente a uma determinada transportadora. A tendência é ela andar sem
congestionamentos e ainda mais rápido que as concorrentes”, diz o sociólogo
Sérgio Amadeu, membro da representante da sociedade civil no Comitê Gestor da
Internet (CGI). “Transformaríamos a internet em uma grande TV a cabo”,
acrescenta Amadeu, referindo-se aos pacotes por assinatura que já bloqueiam ou
desbloqueiam determinados canais de televisão.
Agora, Dilma Rouseff terá que convocar a Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel) e o CGI para que se pronunciem. Basílio Perez, presidente da
Associação Brasileira de
Provedores de Internet e Telecomunicações (ABRINT), considera que a
definição da Anatel e do CGI como fóruns para dirimir conflitos em relação ao
uso da rede confere aos órgãos a responsabilidade de refletir os anseios da
sociedade nas decisões que vierem a ser tomadas. “E, apesar de a internet não
ser telecomunicação, carece desta rede para operar e é relevante o envolvimento
delas nessa questão”, afirma Perez.
O Governo petista também precisou recuar da exigência, quase impossível de
cumprir e compreensível em meio à onda de repúdio gerada pelas revelações de
Edward Snowden, de que empresas estrangeiras como Facebook e Google
instalassem data centers em território brasileiro, além de criar filiais
nacionais. Alvo da espionagem norte-americana, Rousseff levantou essa bandeira.
Agora, elas ficarão obrigadas apenas a cumprir a legislação brasileira, ficando
condicionadas a guardarem os dados dos usuários durante um ano, e em lugar
seguro. “Seria melhor que essa guarda só fosse obrigatória aos provedores de
aplicativos (como Google, Facebook, Yahoo, entre outros sites e plataformas
online) que já a realizam para a suas atividades, descomplicando a
disponibilização desses registros quando solicitado por uma ordem judicial
(mesmo que guardem esses registros, eles nem sempre são disponibilizados por
esses provedores)”, diz Alimonti.
Ekman está de acordo. “O único ponto falho da lei é o seu artigo 15, que cria
obrigação de empresas guardarem dados de aplicação dos usuários por 6 meses para
fins investigativos. Essa medida enfraquece a proteção da privacidade invertendo
a presunção de inocência ao grampear obrigatoriamente as atividades dos
internautas de forma indiscriminada e massiva. Essa medida foi uma imposição das
instituições policiais e esperamos reverter a posição na tramitação do projeto
no Senado Federal”, aponta Ekman.
O Governo federal trabalha para apresentar sua Constitução da internet já no
evento internacional Netmundial, que abordará o futuro da governança na Rede e
será realizado em São Paulo nos dias 25 e 26 de abril e contará com a presença
de órgãos da ONU.
“Ante o cenário político, onde as operadoras de telefonia, a indústria dos
direitos autorais e, às vezes, as empresas de TI (tecnologia da informação) e
até o Estado têm interesses opostos aos direitos dos usuários, uma Carta que
estabelece proteções aos direitos de acesso, à privacidade, à liberdade de
expressão, à neutralidade da rede, entre outras, é um marco muito positivo, não
apenas para o país, mas também para o mundo”, assegura Joana Varón, coordenadora
de projetos no Centro de
Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas.