WirelessBRASIL |
|
WirelessBrasil --> Bloco Tecnologia --> Crimes Digitais, Marco Civil da Internet e Neutralidade da Rede --> Índice de artigos e notícias --> 2015
Obs: Os links originais das fontes, indicados nas transcrições, podem ter sido descontinuados ao longo do tempo
Leia na
Fonte: Brasil Post
[23/02/15]
Regulamentação do Marco Civil: um debate para poucos?
Encaremos os fatos: apesar da iniciativa do Ministério da Justiça de incentivar
a participação na regulamentação do Marco Civil da Internet, a participação dos
usuários brasileiros é muito baixa.
No relatório sobre a consulta pública publicado pelo Internet Lab no dia 20/02,
Francisco Cruz mostrou que o número de usuários inscritos na plataforma criada
pelo governo aumentou: "saltou" de 552 na primeira semana para 702 na segunda e
789 na terceira.
Os números parecem indicar algo positivo: a participação está aumentando. A
experiência democrática está dando certo.
Mas se consideramos o total de usuários de Internet no Brasil - 112 milhões,
aproximadamente -, chegamos a um resultado desanimador. Até o momento, apenas
0,0007% dos usuários estão a fim de discutir o conteúdo do decreto que
regulamentará o Marco Civil da Internet. Não seria muito pouco?
Eu sei que discutir leis não é algo muito agradável. Ainda mais um decreto
regulatório, uma espécie de "lei secundária", que trata de questões pontuais
como dados anônimos, exceções à neutralidade de rede e regras para obtenção de
dados cadastrais por autoridades públicas.
Não dá para comparar essa experiência de participação (leitura de uma lei,
compreensão dos seus pontos polêmicos e discussão de regras desejáveis) com o
Big Brother Brasil (eliminar pessoas que não gosto). Uma consulta pública no
Brasil nunca chegará a 100 milhões de "opiniões".
Mesmo reconhecendo as limitações participativas, a questão que gostaria de
levantar é: a discussão do Marco Civil da Internet é mesmo para poucos? Não há
nada que se possa fazer para torná-la mais "quente"? Será que pensamos em
estratégias suficientes para mobilização dos brasileiros?
Penso que não.
Aliás, arrisco dizer que o Ministério da Justiça não foi ousado o suficiente na
estratégia de mobilização dos brasileiros.
Dois exemplos mostram que criatividade e comunicação institucional ajudariam na
redefinição dessa estratégia.
Pense, por exemplo, no número massivo de faculdades e estudantes de direito no
Brasil. Nosso país é único nesse sentido. Segundo dados do Observatório do
Ensino do Direito da FGV, temos quase 100.000 formandos por ano e quase 700.000
alunos espalhados em mais de 1.000 instituições de ensino (em sua maioria,
privadas).
O Ministério da Educação poderia articular ações com o Ministério da Justiça
para mobilizar as salas de aula em torno do Marco Civil da Internet. Além de
cartilhas e guias de práticas de ensino participativo (auxiliando o professor a
realizar simulações de discussões regulatórias ou processos legislativos), o MEC
poderia premiar faculdades que incluem disciplinas sobre direito e Internet e
adotam métodos participativos de ensino. O efeito seria extraordinário: imagine
milhares de "futuros juristas" tendo como tarefa de casa estudar a Lei
12.965/2014 e discutir o decreto regulatório? Imagine se a avaliação desse aluno
fosse mensurada pela sua capacidade de contribuição ao debate público?
O potencial é enorme e não pode ser desperdiçado. É preciso criar estímulos para
transformar a mentalidade do professor de direito e dos gestores educacionais no
Brasil. Se não houver nenhuma ação, as faculdades continuarão com a "decoreba"
para concursos públicos e Exame da Ordem dos Advogados. É preciso colocar o
ensino jurídico à serviço da democracia brasileira.
O segundo exemplo de criatividade está relacionado à forma de comunicação com as
organizações não-governamentais no Brasil. O Ministério da Justiça poderia
pensar em conjunto com a Secretaria Geral da Presidência da República quais as
ONGs que seriam "sensíveis" ao Marco Civil da Internet.
A preocupação deveria ser justamente a de uma comunicação sensibilizadora com
aquelas instituições que ainda não deram importância ao MCI e às questões de
liberdade de expressão, neutralidade de rede e privacidade.
Não é preciso convencer o IDEC, o Artigo 19 e o Intervozes da importância da
regulamentação do Marco Civil da Internet. O problema está justamente em mostrar
a relevância dessa lei para movimentos de luta pela cidade, ONGs ambientalistas
e outros grupos - grupos que ainda não estão na "panelinha do direito e
Internet".
Talvez uma forma interessante seja a problematização de cenários futuros. É
preciso mostrar que "o Diabo está nos detalhes": é justamente agora que serão
criadas as regras sobre como autoridades públicas podem obter dados cadastrais
ou quais as exceções para neutralidade de rede. Isso afeta a sociedade civil de
várias formas. A criação de regras claras de justificação para vigilância, por
exemplo, tem enorme importância para democracia. Isso não afetaria diversos
militantes e ativistas?
Ainda há tempo para explorar tais alternativas. O prazo para consulta pública
foi estendido e irá até 31 de março.
Com mais esforço e comunicação, o número de participantes na consulta pública da
regulamentação do Marco Civil da Internet pode aumentar. Gestores públicos,
ativistas e professores podem fazer a diferença.