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Leia na Fonte: El País
[18/01/16]  Facebook, acesso à Internet para os pobres na Índia ou lucro com eles? - por Ana Gabriela Rojas

Projeto que dá cobertura gratuita é questionado por especialistas e reguladores.
Brasil passou pela mesma polêmica, por questões ligadas à neutralidade da rede.

Quem poderia se opor ao acesso gratuito da Internet aos pobres?, perguntou Mark Zuckerberg, o fundador do Facebook, no mês passado no jornal Times of India, o de maior circulação em inglês do país asiático. “Surpreendentemente, no último ano ocorreu um grande debate a respeito”, ele mesmo respondeu.

O jovem milionário diz não entender por que na Índia agora se discute sobre seu projeto chamado Free Basics, que dá acesso gratuito a uma série de sites, entre eles o Facebook, “dando acesso a trabalhos, educação, saúde e comunicação”. Zuckerberg até mesmo equipara esse projeto com os serviços básicos de saúde. “Os hospitais públicos não oferecem todos os tratamentos, mais ainda assim salvam vidas”, afirma.

O Facebook oferece esses serviços em mais de 30 países em desenvolvimento, segundo seu fundador — Zuckerberg também tentou entrar no Brasil, mas uma reação parecida com a que ocorre na Índia paralisou o projeto. Na Índia o Internet.org funcionava desde 2013, mas em fevereiro de 2015 foi renomeado como Free Basics, em parceria com o Reliance, o quarto maior provedor de Internet do país, e propriedade do magnata Mukesh Ambani. Mas a autoridade reguladora das telecomunicações na Índia (TRAI) o tirou do ar em dezembro e afirma que dará uma resposta sobre seu futuro no final de janeiro.

Na Índia, o Free Basics enfrentou forte oposição porque muita gente diz que ao possibilitar o acesso a alguns conteúdos em detrimento de outros afetaria o princípio da neutralidade da rede. Nikhil Pahwa, fundador da Medianama, uma revista online que analisa o setor digital, é um dos principais opositores do Facebook na Índia. Pahwa argumenta que “não é aberto, plural e diversificado” e acredita “que seria danoso à democracia da Índia”.

Muitas outras críticas podem ser resumidas nos três pontos levantados por mais de 50 acadêmicos do prestigioso Instituto de Tecnologia da Índia (ITT na sigla em inglês): em primeiro lugar, que o Facebook definiria o que é um serviço “básico” de Internet; em segundo, que teria acesso aos conteúdos dos aplicativos, o que de acordo com alguns especialistas “tem graves implicações”, e, em terceiro lugar, consideram que o termo “grátis” é somente publicitário porque seria o Facebook a decidir o valor de cada coisa e os indianos estariam cedendo à rede social sua liberdade digital e liberdade na economia digital.

O Savetheinternet.in (Salvem a Internet), um coletivo que luta pela neutralidade da rede na Índia, afirma que o Free Basics seria ilegal nos EUA, Europa, Japão e outros países desenvolvidos. “Existem muitas formas de conectar as pessoas à Internet sem violar a neutralidade da rede. Isso indica que a verdadeira intenção do Facebook é se autodesignar como o guardião da rede para prejudicar competidores como o Google e não realmente estender a conectividade por todo o mundo”, diz Aravind Ravi-Sulekha, um voluntário do movimento. Um exemplo, afirma, seria fornecer dados por um tempo e a uma velocidade limitadas, mas que pudessem ser usados livremente. Em sua opinião, o plano do Facebook é dividir a Internet na Índia em dois, para os ricos e para os pobres, com diferentes usos e páginas, “o que iria além do que o termo divisão digital pode descrever”, afirma.

Sobre isso, um porta-voz do Facebook assegura que sua intenção é justamente o contrário, diminuir a lacuna digital no país asiático, o segundo mais povoado do mundo, com mais de 1,26 bilhão de pessoas. Em relação ao fato do acesso ser somente para algumas páginas e não a toda a Internet, afirma: “É uma plataforma aberta na qual qualquer desenvolvedor que cumpra com requerimentos técnicos básicos pode participar”. O porta-voz da rede social diz que tem mais de 350 serviços disponíveis em todo o mundo e continua crescendo. “Os dados mostram que é um modelo eficiente para conectar pessoas: 50 por cento dos que usam o Free Basics pagam por dados — e utilizando a Internet além dos serviços básicos — nos 30 dias seguintes ao se conectar à rede pela primeira vez”, comenta.

O Facebook calcula que existem na Índia aproximadamente um bilhão de pessoas que não têm acesso à Internet. De acordo com os especialistas indianos, seriam 800 milhões de pessoas. Exatamente pela grande potencialidade que isso representa, dizem os críticos do Free Basics, não é coincidência que Zuckerberg insista tanto em conseguir novos usuários na Índia. O país asiático é um dos mercados onde o uso da Internet mais cresce: em 2015 pode ter passado os EUA, com 402 milhões de usuários, segundo os dados da Associação Internet e Celulares da Índia. Atualmente, apenas a China tem mais, com 600 milhões de usuários.

Na Índia, as opiniões estão divididas a favor ou contra o Facebook, mas também existe quem diga que “no final das contas quem decidirá são exatamente os que têm conexão e não os que não têm acesso, os mais pobres”, argumenta o jornalista Varun Nayar.

Enquanto isso, o Facebook se apressou em forrar as cidades e os jornais com publicidade de seu projeto. Pede também aos seus usuários que se posicionem na rede social enviando um e-mail a favor às autoridades. No começo esse e-mail era enviado automaticamente, no momento em que o usuário entrava na página da informação, sem clicar no botão de “enviar”, o que muitos consideraram como uma artimanha.

A autoridade reguladora das telecomunicações recebeu as opiniões das pessoas a favor e contra o Free Basics até 7 de janeiro, e seu pronunciamento é esperado até o final de janeiro.