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Leia na Fonte: Gazeta do Povo
[05/03/18]
“O voto eletrônico no Brasil é altamente vulnerável a fraudes”
- por Bruno Garschagen
Amanhã, dia 6, será realizada uma audiência pública na Comissão de Constituição
e Justiça do Senado Federal para debater a segurança da urna eletrônica e o voto
impresso. Foram convidados para participar do evento o ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luiz
Fux, o procurador Humberto Medeiros, o professor do Departamento de Teoria da
Computação da Unicamp Diego Aranha e o engenheiro especialista em segurança de
dados e em sistema de voto eletrônico Amílcar Brunazo Filho.
A audiência vem a reboque dos questionamentos sobre o modelo de voto eletrônico
utilizado no Brasil e do pedido feito pela procuradora-geral da República,
Raquel Dodge, para que o STF suspenda a implantação do voto impresso para a
eleição deste ano conforme estabelecido pela minirreforma eleitoral sancionada
em 2015.
Na semana passada, inclusive, o ministro Fux solicitou a ampliação do prazo para
fornecer as informações sobre o voto impresso que foram solicitadas pelo
ministro Gilmar Mendes, que é o relator de ação ajuizada no STF pela
procuradora-geral.
A desconfiança sobre o voto eletrônico no Brasil, que antes era restrita a
técnicos da área, vem ganhando dimensão cada vez maior dentro da sociedade. Para
entender os aspectos técnicos do problema, conversei com o engenheiro Amílcar
Brunazo Filho, que vem se dedicando há anos ao assunto e integra o Comitê
Multidisciplinar Independente, entidade integrada por especialistas em
tecnologia da informação com a finalidade de analisar sistemas eletrônicos de
voto.
Na conversa reproduzida abaixo, Amílcar afirmou que a votação eletrônica no
Brasil não é confiável. E não é confiável porque altamente vulnerável à fraudes
internas que possam vir a ser cometidas por quem tiver acesso à programação e ao
preparo das urnas. O voto eletrônico também é vulnerável a fraudes externas
cometidas por pessoas de fora do TSE, mas num grau menor.
Além de o sistema não ser seguro, o TSE, que deveria ser o maior interessado em
demonstrar que o sistema eletrônico é confiável, faz o que pode para impedir
auditorias independentes.
Integrante de um grupo de especialistas que em 2014 tentou realizar uma
auditoria especial no sistema eleitoral eletrônico, Amílcar contou por qual
razão a análise técnica não foi completa, opinou sobre a postura do TSE em face
de auditorias independentes, analisou o pedido de Raquel Dodge para que o STF
derrube a obrigatoriedade de impressão de votos pelas urnas eletrônicas, e
forneceu informações sobre a empresa venezuelana Smartmatic.
Quando perguntei se ele confiava tecnicamente no voto eletrônico utilizado no
Brasil, Amílcar foi enfático: “a trust (confiança) das urnas brasileiras é
zero”.
Desde as eleições de 1996 há suspeitas de fraudes na
votação eletrônica no Brasil. Em 2010, o professor de Ciência da Computação da
Unicamp Jorge Stolfi afirmou que era possível fraudar o software da urna para
desviar votos de um candidato para outro. Em 2012, pesquisadores da Universidade
de Brasília (UnB) encontraram brechas de segurança no software das máquinas e
alertaram para o perigo constante de fraude em larga escala e sem possibilidade
de detecção. Num teste público realizado em 2017, um grupo de investigadores
encontrou três falhas e conseguiu invadir o sistema. Apesar disso, o coordenador
de sistemas eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), José de Melo Cruz,
tentou minimizar o problema. Afinal, dá ou não dá para confiarmos na votação
eletrônica usada no Brasil?
As urnas eletrônicas brasileiras, sem voto impresso, ainda
são da primeira geração de equipamentos eletrônicos de votação que começaram a
ser usados, mundo afora, em 1991. A partir de 2002, esse modelo começou a ser
abandonado e substituído por modelos de segunda geração, com materialização do
voto (voto impresso ou escaneado), para permitir auditoria externa independente
no software do próprio equipamento. O Brasil é o único pais que ainda não fez
essa migração.
No teste público de 2017, a equipe dos professores Diego Aranha (Unicamp) e
Paulo Matias (UFSCar) encontrou falhas de segurança no software que perduravam
desde 2002 e conseguiu até injetar adulteração no software das urnas. Por isso,
eu não consigo confiar nas urnas brasileiras de primeira geração.
Em 2014, você foi um dos profissionais que realizou uma
auditoria especial no sistema eleitoral de 2014. A auditoria revelou dois
problemas graves. O primeiro é que o sistema eleitoral informatizado brasileiro
não permite auditoria completa e independente. Recentemente, a procuradora-geral,
Raquel Dodge, pediu ao STF para derrubar a obrigatoriedade de impressão dos
votos pelas urnas eletrônicas. Por qual razão não se pode fazer essa auditoria
independente? Do que os ministros do TSE e procuradora-geral da República têm
medo?
Éramos dez profissionais em TI (além de dois outros que o
TSE não permitiu participarem) naquela auditoria. Quem, de fato, não quer que o
sistema eleitoral seja auditado de forma eficaz e independente são os
funcionários efetivos da administração eleitoral, mais especificamente da área
de TI, que controlam todas as etapas do processo desde a concepção do projeto,
seu desenvolvimento, sua regulamentação, sua implementação, sua operação e até o
que pode ou não ser auditado (auditoria não independente). Os ministros do TSE
têm mandato temporário e acabam se submetendo à pressão dos funcionários de
carreira que preferem que não haja auditorias eficazes para que seus eventuais
erros (e possíveis fraudes) não sejam descobertos.
A Procuradoria Geral Eleitoral, infelizmente, tem sido altamente conivente e
omissa na função de avaliadora externa do desempenho dos administradores das
eleições que, em última instância, são os ministros do TSE. Acredito que isso
decorra de sua outra função, que é ser parte em ações eleitorais onde os
ministros do TSE são os juízes. Para não desagradar os juízes de suas causas,
eles pegam leve com os administradores (os próprios juízes).
É um termo forte, mas para mim parece que, como fiscais das eleições
eletrônicas, o Ministério Público tem se comportado mais como capacho do TSE.
O segundo problema sério identificado na auditoria da qual
você participou é que a etapa de votação e apuração dos votos feitos nas urnas
eletrônicas não pôde ter a sua confiabilidade verificada devido às severas
restrições impostas pela autoridade eleitoral. Por que o TSE não permitiu a
coleta dos dados diretamente das mídias de memória das urnas eletrônicas?
Os motivos alegados eram inúmeros, mas era dissimulação. O
motivo real é óbvio: poderíamos encontrar provas de mau funcionamento ou
adulteração do software das urnas. O TSE impôs tantas restrições à auditoria que
tiveram por efeito torná-la inconclusiva.
E essas suspeitas que existem em relação à empresa
venezuelana Smartmatic? Li um artigo do general venezuelano Carlos Julio
Peñaloza, ex-comandante geral do Exército da Venezuela, que depois teve de fugir
para Miami, em que ele dizia que a empresa venezuelana Smartmatic, contratada
pelo TSE para as eleições de 2014, “foi o cavalo de Troia desenhado pelo governo
de Fidel Castro” e que tinha como objetivo inicial “controlar o sistema
eleitoral venezuelano desde Havana para potencializar o carisma e popularidade
de Chávez”.
De fato, desde 2004 a empresa Smarmatic sempre
esteve “coligada” com o CNE [órgão eleitoral] da Venezuela. Também é citada em
algumas denuncias de fraudes fora da Venezuela. Ela tomou a decisão de
participar do processo eleitoral de qualquer país, principalmente na América
Latina, fornecendo o que for possível e disponível, desde urnas eletrônicas
(Venezuela e Equador), contagem de votos manuais (Argentina), pessoal para
limpeza e preparação das urnas (Brasil) etc. Agora entrou na concorrência para
fornecer as impressoras do voto no Brasil. Acabou sendo desclassificada depois
de muita pressão popular contra a sua proximidade com o TSE.
De 0 a 10, quão confiável é o sistema por votação
eletrônica no Brasil?
Em inglês, se usa duas palavras com conceitos diferentes,
para falar de confiabilidade: confidence e trust.
Confidence se refere à confiança subjetiva, pessoal. A minha confidence no
sistema eleitoral eletrônico brasileiro é 2.
Trust se refere à confiança técnica, calculada objetivamente por critérios
estabelecidos em normas técnicas públicas. O relatório da auditoria especial
(externa) da eleição de 2014 mostrou que o desenvolvimento das urnas do TSE não
atende nenhuma norma técnica nacional ou internacional de segurança de sistemas
informatizados. Então, a trust das urnas brasileiras é zero.
A quais tipos de fraudes o atual sistema eleitoral
brasileiro está sujeito?
Nessa auditoria externa de 2014, foi apresentada uma
detalhada análise de risco de fraudes no sistema eleitoral brasileiro. A
conclusão é que o sistema apresenta alguma resistência a fraudes externas, mas
que é altamente vulnerável a fraudes internas (perpetradas pelo pessoal que tem
acesso à programação e preparo das urnas) que modifiquem o software das urnas de
maneira que não sejam detectadas pelas auditorias oficiais permitidas pelo TSE.
Se um partido, grupo ou candidato quiser fraudar a
eleição, consegue?
Sim, mas fica bem mais fácil se houver conluio com as
“pessoas certas” da administração do processo eleitoral eletrônico.
Em que parte do processo eletrônico ele terá de agir?
O ataque ao software das urnas, por exemplo, durante a
preparação dos programas ou durante a carga das urnas apresenta dificuldades,
mas, se efetivado, dificilmente será detectado. Já um ataque à totalização dos
votos nos computadores dos Tribunais Eleitorais é mais fácil de realizar, mas
também mais fácil de ser descoberto.
Hoje em dia, qual seria o melhor sistema de votação para
reduzir ou evitar fraudes numa eleição? Urna eletrônica com voto impresso ou o
antigo voto manual?
Já existem equipamentos de segunda até quarta geração,
todos com materialização do voto de alguma forma. Eu gosto do sistema de
terceira geração, da Boleta Electrónica, que já foi testado em algumas
províncias da Argentina, Bolívia e Equador.
O voto manual, anterior às urnas eletrônicas, só deveria ser usado quando o
sistema eletrônico com voto impresso falhar e não tiver como ser substituído.
Mas eu apoio a interpretação, recentemente apresentada por alguns movimentos, de
que em seções eleitorais onde o TSE não conseguir instalar urnas com o voto
impresso, como manda a lei, se deveria usar o voto manual e não urnas sem voto
impresso porque estas não estão aptas a atender a lei e nem ao princípio da
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