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Leia na Fonte: Fórum Jus Navegandi
[12/09/02]
A Urna eletrônica é segura para o eleitor?
Resposta de Osvaldo Maneschy
(*)
(*) Osvaldo Maneschy é jornalista e esteve no TSE acompanhando a apresentação
dos programas das urnas eletrônicas como fiscal de partido.
O pulo do Gato das Eleições-Eletrônicas.
As eleições gerais de outubro serão infiscalizáveis - apesar da importância
delas para os destinos do Brasil e dos 115 milhões de eleitores brasileiros -
devido ao exíguo prazo de cinco dias que a Justiça Eleitoral deu aos fiscais dos
partidos para que examinassem todos os programas das urnas eletrônicas. Iniciado
no último dia 5 e encerrado no dia 9 de agosto, foi impossível aos fiscais - com
o uso apenas dos dedos e da própria memória, regra imposta pelo Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) - passar a limpo os 6.700 programas das urnas que somam
3 milhões de linhas de código-fonte.
Para se ter uma idéia da complexidade da tarefa, a Universidade de Campinas
(Unicamp) gastou seis meses analisando os mesmos programas - em seu ambiente de
estudo, ao contrário do permitido aos fiscais dos partidos - para concluir que
as urnas seriam realmente seguras se o TSE cumprisse oito recomendações que
enumerou, especialmente que fosse feita auditoria completa dos programas por
agentes independentes e que fosse permitida aos partidos conferir a carga dos
computadores, na ponta do sistema, usando programa próprio.
Do jeito que a urna é hoje, na opinião de um dos seus críticos, o professor
Pedro Rezende, da Universidade de Brasília, basta alterar três ou quatro linhas
entre as milhões dos códigos-fonte para que uma parte ou a totalidade dos votos
do candidato "A" sejam desviados para o candidato "B", fraudando totalmente o
resultado de uma eleição.
Nos anos de 1996, 1998 e 2000 a única garantia de que as eleições foram limpas
foi a palavra do TSE de que "as urnas eletrônicas são 100% seguras". Nestas três
eleições o tribunal não permitiu que 25% dos programas - exatamente a parte
elaborada pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) - fossem conferidos por
serem "de segurança nacional". Mas diante da grita dos técnicos de informática
do Fórum do Voto Eletrônico (www.votoseguro.org) que há cinco anos assessoram,
entre outros políticos de expressão, o presidente nacional do PDT - Leonel
Brizola - e outros críticos da falta de transparência das urnas eletrônicas, o
TSE achou prudente abrir o programa elaborada pela ABIN, porque progressivamente
a sociedade começa a questionar o sistema.
Mas ao mesmo tempo em que abriu esses programas à fiscalização, espertamente o
TSE introduziu o sistema operacional Windows CE no último modelo das urnas -
cerca de 50 mil - que estão sendo fabricadas pela Unisys. O novo sistema
operacional, muito mais sofisticado do que o Virtuos usado antes e que equipa as
350 mil urnas fabricadas pela Procomp, multiplicou por sete a dificuldade de
fiscalizar os softwares da urna.
Um detalhe importante: ninguém, nem os professores da Sociedade Brasileira de
Computação (SBC) convidados pelo TSE para acompanhar a apresentação dos
programas, conferiu o conteúdo do Virtuos. A Microbase exigiu que os partidos
pagassem R$ 250 mil para ter acesso ao programa a titulo de direitos autorais.
Ninguém pagou, ninguém fiscalizou, embora um vendedor do Virtuos tenha circulado
livremente pelo TSE oferecendo a "mercadoria".
Além de proibir que os técnicos levassem para o local onde disponibilizou os
programas qualquer ferramenta de informática, o TSE exigiu que cada um deles
assinasse um termo de sigilo sujeitando-se até às penas da Lei de Segurança
Nacional, que muitos consideravam extinta, numa clara intimidação, contrariando
a máxima de que, nas auditorias isentas, o fiscalizado deve sempre dar ampla
liberdade para o fiscalizador trabalhar. Via "termo de manutenção de sigilo",
que foram obrigados a assinar, os fiscais se submeteram às penalidades "e demais
conseqüências" previstas em um número enorme de artigos da Lei de Segurança
Nacional, do Código Penal Brasileiro, do Código de Processo Penal, das Normas de
Conduta dos Servidores Públicos Civis, do Código de Ética Profissional do
Servidor Público Civil do Poder Executivo, da Lei dos Arquivos, da Lei dos
Documentos Públicos Sigilosos e, ainda, das Normas para Salvaguardas de
Documentos, Materiais e Sistemas.
Tanta lei e tanta restrição que nem os advogados presentes souberam explicaraos
técnicos do que exatamente tratava o "termo de sigilo" porque o TSE - no
primeiro dia - sequer permitiu que os que assinaram pudessem reter cópia do
documento. Dois peritos credenciados pelo PDT, diante de tal barreira, optaram
por não assinar, argumentando que o documento era uma clara tentativa de manter
tudo sob sigilo, inclusive as críticas que se avolumam na sociedade.
Um deles, o professor de criptografia do Centro da Ciência da Computação da
Universidade de Brasília, Pedro Dourado Rezende, PhD em Matemática pela
Universidade de Berkeley, dos Estados Unidos, argumentou: "Entre ser fiscal de
um partido por algumas horas e ser fiscal permanente da cidadania, fico com esta
última opção". O outro técnico que não se sujeitou ao "termo de sigilo" foi
Marcio Teixeira, "pai" do modelo de urna eletrônica desenvolvida pela IBM e um
dos maiores especialistas brasileiros em software básico. Márcio, como o
professor Rezende, voltou da porta, apesar de ser um dos pouquíssimos
profissionais de informática do país a dominar o sistema Windows CE. "Optei por
não assinar o documento porque o que tivemos aqui em Brasília, esta semana, não
foi uma auditoria de informática. Tivemos um avanço em relação aos anos
anteriores; mas ainda está longe de ser uma forma de dar segurança aos partidos
políticos de que teremos uma eleição realmente confiável", argumentou Márcio,
que, em 2000, examinou os programas da urna - só que como fiscal do PT.
O PDT é o único partido político brasileiro que questiona sistematicamente a
informatização total das eleições brasileiras - do cadastro à totalização dos
resultados - que, na opinião de Leonel Brizola, tiraram a transparência do
processo, tornando-o algo distante e incompreensível para o cidadão comum.
Brizola fala com a autoridade de ter sido vítima da primeira tentativa de fraude
eletrônica já ocorrida no país, o escândalo da Proconsult, em 1982. Naquele ano
o TRE do Rio de Janeiro contratou a empresa de informática Proconsult para
totalizar os resultados da eleição, mas um programa malicioso transformava os
votos de Brizola em nulos e brancos - até a fraude ser descoberta.
Em Brasília este ano outra absurda limitação foi a proibição de que os peritos
levassem para o local qualquer programa ou ferramenta de trabalho, como explica
Marcio Teixeira, um dos críticos da urna devido à sua complexidade. Na sua
opinião, a urna eletrônica poderia ser uma máquina simples, sem usar sequer
sistema operacional, porque sua finalidade é totalizar cerca de 500 votos, o
máximo em média de uma seção eleitoral.
"A simplicidade da urna facilitaria muito a fiscalização", explica. Márcio, como
Pedro Rezende e demais técnicos do Fórum do Voto Eletrônico, é um defensor
intransigente da impressão do voto - melhor forma de assegurar integralmente a
lisura dos resultados - porque cada um dos eleitores, automaticamente, se torna
fiscal do próprio voto, não dando espaço para softwares desonestos. Ainda sobre
este ponto, Marcio Teixeira alerta para fato que considera verdadeira aberração:
o TSE anunciou que as 23 mil urnas que vão imprimir os votos este ano, como
teste, terão os seus resultados em papel somados por urnas eletrônicas, no
sistema de voto-cantado. Na sua opinião, isto é um contra-senso: a urna,
equipamento a ser auditado, jamais deveria ser empregado. O correto seria contar
os votos manualmente, por exemplo.
O voto impresso é fundamental para a lisura do processo porque o modelo de
informatização adotado no Brasil é único no mundo que desmaterializou o voto,
tornando-o simples registro eletrônico na memória volátil (RAM) das urnas. Um
registro que desaparece quando as máquinas, no final do dia, emitem boletins com
a soma total dos votos. As partes dessa soma se perdem, não ficam registradas em
lugar nenhum, porque a memória da máquina só grava os totais - que também
imprime em papel.
Além de Márcio Teixeira e Pedro Rezende, outros 15 técnicos aproximadamente se
credenciaram para acompanhar a apresentação dos programas semana passada em
Brasília, inclusive três ligados às universidades federais do Rio de Janeiro,
Minas Gerais e Santa Catarina. Na sexta-feira, dia 9, em rápida solenidade na
presença do ministro Fernando Neves, do TSE, foi encerrada a conferência dos
códigos-fonte e começou a ser feita, por volta das 18 horas, a compilação dos
6.700 programas da urna eletrônica.
Inexplicavelmente, na parte mais sensível de todo o processo de fiscalização, a
compilação e a gravação dos executáveis (os códigos fonte em linguagem de
máquina) em CDs, o representante do PT, Moacir Casagrande, passou a assistir
filmes em um telão cedido pelo TSE, usando um DVD acoplado ao seu micro,
introduzido na sala especial embora isto fosse proibido.
E por mais de uma vez, diante da inusitada e improvisada "sessão" de cinema,
acompanhada por funcionários do TSE, os poucos fiscais presentes que tentavam
acompanhar a delicada operação técnica - que por diversas vezes foi interrompida
por erro de sistema - tiveram que pedir, que o alto volume do DVD fosse
abaixado. Às 2h30m da madrugada de sexta para sábado a operação de compilação
ainda não tinha terminado, o que só aconteceu no final da madrugada, embora o
fiscal Casagrande já tivesse assistido três filmes - o último dele "O Senhor dos
Anéis" e, no intervalo entre um e outro, o seu computador projetasse na tela,
instalada dentro da sala de compilação do TSE, a mensagem "Lula Presidente".
Aos fiscais o TSE garantiu que o programa gerado após a conferência, gravado nos
CDs, seria assinado digitalmente, e o código deles entregue para que os
partidos, na ponta do sistema, tivessem condições de conferir se eles realmente
são os que vão equipar cada uma das 404 mil urnas eletrônicas das eleições
gerais de 6 de outubro próximo. Isto realmente aconteceu, e os códigos estão
disponíveis no sítio www.tse.gov.br para quem quiser pegar. Mas quem garante que
na balbúrdia da compilação dos executáveis foram gravados nos CDs os programas
realmente vistos - apenas vistos - pelos partidos? Mais uma vez, só o TSE
garante. Esse é o pulo do gato.