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Leia na Fonte: Terra / Blog do Silvio Meira / dia a
dia, bit a bit
[01/10/12]
a urna eletrônica e a falta de transparência nas eleições - por Silvio Meira
Nota de Helio Rosa:
Silvio
Meira (foto) é um dos maiores pesquisadores de Engenharia de Software no
Brasil. É também cientista-chefe do C.E.S.A.R. (Centro de Estudos e Sistemas
Avançados do Recife), instituto de inovação privado e sem fins lucrativos que
atua na área de tecnologia da informação e comunicação com duas frentes:
desenvolvimento de produtos (em áreas como TV Digital, mobilidade, aplicações de
web, open source e inteligência artificial) e incubação de empresas
Silvio Meira não utiliza letras
maiúsculas em seus textos...
a urna eletrônica apareceu no blog mais de uma vez. numa série de textos antes das eleições de 2008. e de novo em 2010. as urnas eletrônicas têm um número de vantagens, que todos conhecem. já pensou quanto tempo levaríamos para saber do resultado, se ainda usássemos cédulas de votação em papel e contagem centralizada, como era o caso até a chegada do voto eletrônico?
e não era só o tempo para apurar: nem todos os apuradores estavam a serviço de uma eleição limpa, mas de seus candidatos. e muito voto deixou de ser branco na mesa da contagem. as falhas do processo em papel, da urna até a apuração, eram tantas que, em cidades mais remotas, os “coronéis” se perpetuavam no poder pela via do controle do processo eleitoral.
e a coisa chegou a um ponto em que a eleição tinha que mudar. não só era preciso mais rapidez mas, ao mesmo tempo, mais segurança. no começo, tínhamos os dois, de forma quase inquestionável. rapidez porque a urna eletrônica era muito mais eficiente do que cédulas de papel e segurança porque, nas primeiras eleições em que a urna eletrônica foi usada, não se sabia como fraudar o voto, ou invadir a urna para contaminar a votação [como os “coronéis” faziam na eleição em papel].
acontece que celeridade não é argumento para comprometer confiabilidade. pense em um avião que pode ir de recife a são paulo em 1h, ao invés das 3h30 de agora… mas que só sai vez por outra, outras vezes lhe deixa no rio, vez por outra despenca e ninguém chega, nem vive pra contar o porquê. e a confiabilidade dos aviões não depende só de seu desenhista e fabricante: antes de voar, cada um deve passar por uma longa série de testes [independentes do fabricante…] que certificam o projeto, o processo de fabricação e a performance e segurança em vôo. só então um de nós se torna passageiro num deles. e não poderia ser de outra forma.
no brasil, como muita gente sabe, e há tempos, o processo eleitoral é monolítico: um único órgão, o TSE, define as regras, os processos e métodos, os implementa como sistemas, realiza o processo eleitoral [as “urnas” são só parte do “sistema”], dirime dúvidas, julga todo e qualquer litígio entre postulantes, contra eles e, como se não bastasse, as reclamações dos postulantes ou do público contra o “sistema eleitoral” em qualquer de suas facetas.
nossas eleições talvez sejam a única faceta da administração daqui que encontra paralelo na china; lá, seja qual for o processo, executivo, legislativo e judiciário frequentemente se confundem, principalmente quando é de interesse do estado.
de tempos em tempos, o TSE convoca terceiros para testar a segurança da urna. o sistema de informação eleitoral como um todo, em todos os detalhes de desenho, projeto, implementação e uso, jamais foi exposto e, por conseguinte, testado por agentes externos ao tribunal. no começo do ano, um dos times que topou a parada de avaliar as urnas descobriu uma falha no mecanismo de proteção do sigilo do voto eletrônico, entre outras. o TSE, no entanto, garante que o processo é seguro e transparente, o que é disputado por avaliadores independentes.
o professor diego aranha, da UnB, publicou um relatório sobre sua descoberta, que foi tratada pelo TSE como mais um detalhe a corrigir do que como indício de um processo de especificação, desenho, desenvolvimento e uso das urnas que precisa ser repensado em larga escala. qual é a conclusão do relatório da UnB?
…Com a adoção do do voto impresso pela Índia, o Brasil permanece como o único país no mundo a adotar sistema de votação sem verificação independente de resultados. Acreditamos que por esse motivo, e dadas as fragilidades discutidas neste relatório, o software utilizado no sistema de votação eletrônica brasileiro não satisfaz requisitos mínimos e plausíveis de segurança e transparência.
o blog fez uma só pergunta a diego aranha… quais são suas principais críticas à segurança da urna eletrônica do TSE? e a resposta que ele nos enviou por emeio é publicada na íntegra em itálico, abaixo, com negritos nossos.
Os principais problemas de segurança da urna eletrônica estão exatamente
ligados aos dois requisitos fundamentais para a lisura das eleições: sigilo e
integridade dos votos. Durante os testes de segurança, encontramos uma
vulnerabilidade que nos permitiu derrotar o único mecanismo de segurança
implementado na software da urna para proteção do sigilo do voto.
Utilizando essa vulnerabilidade, minha equipe conseguiu recuperar a lista
ordenada dos votos em eleições simuladas com até 475 eleitores a partir
unicamente de informação pública, com impacto potencial até em eleições
passadas.
Além disso, detectamos outras fragilidades que abrem a possibilidade de
adulteração ou substituição do software de votação por uma versão que conta os
votos de forma desonesta.
Todas as urnas eletrônicas do país compartilham uma mesma chave criptográfica
que protege os seus dados mais críticos e esta chave está ainda disponível na
porção desprotegida dos cartões de memória.
Mesmo que corrigidas pontualmente, este conjunto de vulnerabilidades
denuncia um processo de projeto e desenvolvimento de software defeituoso,
incapaz de detectar trechos de código inseguros inseridos no software por
acidente ou sabotagem e que descarta completamente a possibilidade de fraude
promovida por agentes internos.
É certo que sistemas de votação puramente eletrônicos, como o adotado no
Brasil, permitem apuração rápida, mas criam simultaneamente um cenário ideal
para fraudes indetectáveis em larga escala.
A velocidade de apuração nunca deve ter prioridade sobre a integridade do que é
apurado.
Para mitigar esse perigo, sugere-se aumentar a transparência atualmente
insuficiente do nosso sistema por meio da reintrodução do voto impresso
conferível pelo eleitor. Esse recurso consiste em apresentar uma versão
materializada do voto para conferência dentro da cabine de votação e depósito
automático em urna convencional. Assim, uma contagem manual posterior dos votos
conferidos pode determinar se a contagem eletrônica foi feita corretamente, sem
no entanto fornecer um comprovante que possa ser utilizado para violar o caráter
secreto do voto.
Além da verificação independente de resultados, é possível ainda realizar
auditoria externa por fiscais eleitorais e recontagem de votos para resolver
disputas.
O Brasil é o único país do mundo que permanece utilizando significativamente
sistemas de votação eletrônica que não fornecem um nível desejável de
transparência.
e domingo é dia de eleição. tomara que tudo dê certo. pois, ao contrário do que muitos pensam, os brasileiros interessados na revisão de nosso sistema eleitoral “eletrônico” não torcem para que ocorra uma catástrofe só para que eles possam pronunciar o “eu não disse?…” dos picuinhas pessimistas. querem, apenas, e isso não é pedir muito em uma democracia, um processo eleitoral célere, confiável, transparente e seguro. parece muito, mas é pouco. e basta o TSE querer, que faz.