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Fonte: Insight - Laboratório de Idéias - Origem: Valor Econômico
[14/05/10]  O que falta para um plano de banda larga? - por Arthur Barrionuevo

*Arthur Barrionuevo é professor da FGV-SP, especialista em concorrência e regulação.

Pelo Programa Nacional de Banda Larga, o Brasil fará investimentos em uma infraestrutura cuja capacidade já é obsoleta

As medidas anunciadas em 3 de maio, em conjunto com o Decreto de nº 7.175, publicado ontem no Diário Oficial da União, criando o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), constituem efetivamente um Plano? Ou, representam apenas a volta da Telebrás, somados a algumas ações pontuais sem articulação? O objetivo deste artigo é avaliar as medidas tornadas públicas considerando os requisitos que um plano deveria conter, com metas e instrumentos definidos.

A importância do acesso à banda larga é aceita universalmente por seus impactos sobre serviços como educação, saúde, entretenimento e sobre a inovação e crescimento econômico. Daí também a importância de criar medidas para que as classes de menor renda não fiquem à margem da economia digital. Para tanto, é imprescindível a atuação estatal. Mesmo economias como as da União Europeia e dos EUA, com renda per capita muito maior que a brasileira, criaram planos para difundir o acesso à banda larga. Nos EUA, um plano de banda larga, aprovado em 2010, foi amplamente debatido e tem custos e benefícios transparentes. E o plano brasileiro?

Conforme as autoridades, o PNBL pretende triplicar o número de domicílios com acesso a banda larga, que de 12 milhões em 2009 incorporariam mais 23 milhões de residências com acesso fixo e 4 milhões com acesso móvel, com velocidade das conexões entre 512 e 784 Kbps.

Quais os principais instrumentos para atingir tais objetivos? O "renascimento" da Telebrás - que deve atuar na oferta no atacado (e talvez no varejo) e atender órgãos de governo - e o uso de incentivos fiscais e financeiros, tais como: desoneração do FUST (Fundo de Universalização das Telecomunicações) para operadoras de telecomunicações de pequeno porte; desoneração do PIS/Cofins para modens 3G; crédito para micro, pequenas e médias operadoras de telecomunicações e lan houses e incentivos para a indústria nacional de equipamentos de telecomunicações.

Em nosso entendimento, tais medidas não chegam a constituir um plano, pois não há uma clara articulação entre objetivos e meios. Pior ainda, os fins não atendem aos interesses da sociedade brasileira e os meios anunciados até agora não são adequados aos objetivos que o próprio PNBL pretende atingir.

Vejamos os fins: ampliar rapidamente o número de domicílios atendidos é um objetivo indiscutível. Todavia, fazê-lo por meio de conexões com velocidade entre 512 e 784 Kbps, quando os países desenvolvidos já buscam conexões de 100.000 Kbps, não é planejar para o futuro. Os aplicativos e conteúdos exigem cada vez mais banda e o Brasil fará uma série de investimentos em uma infraestrutura cuja capacidade já é, hoje, obsoleta. O que implicará ter de refazer boa parte dos investimentos em futuro próximo.

Quanto aos meios, para que um operador possa prestar o serviço de banda larga, ele precisa, grosso modo, do acesso a 3 redes: aquela que liga o domicílio ao POP (ponto de presença da operadora) chamada de última milha; a que liga o conjunto de POPs à rede intermunicipal e; a rede que liga as diferentes cidades entre si (backbone). A experiência já demonstrou que o principal gargalo para um novo operador é o acesso à chamada última milha, que pode ser feita por meio sem fio, ou meio confinado. Mais ainda, o Bell Labs anunciou recentemente uma tecnologia que permite à rede de par de cobre, da telefonia fixa, atingir velocidades de até 300.000 Kbps. Portanto, é essencial que, para haver competição e baixar preços, novos operadores possam compartilhar essa infraestrutura, ou, ter acesso a radiofrequência para fazê-lo por meio wireless. O PNBL nem toca nesse problema.

A Telebrás, nomeada gestora do plano, deve receber, em cinco anos, investimentos de R$ 3,2 bilhões do Tesouro para implantar e operar uma rede de backbone. Além disso, terá um grande cliente cativo, o próprio governo: universidades, centros de pesquisa, escolas, hospitais, postos de atendimento, telecentros comunitários etc. Ou seja, uma parte importante do mercado, que poderia viabilizar novos prestadores será monopólio da Telebrás. Além disso, os limites da atuação desta estatal não são claros, trazendo temores de concorrência desigual e prejudicando novos investimentos privados, inclusive para oferta de banda larga.

Construir mais uma rede de backbone não é o instrumento essencial para expandir o acesso à banda larga. Também não é necessária a constituição de uma estatal para tanto, se o objetivo for, tão somente, colocar a rede da Eletronet em funcionamento, a serviço de novos operadores.

E a última milha? A Sinditelebrasil afirma que as empresas privadas investiram R$ 180 bilhões no setor, desde a privatização. É fundamental, portanto, aproveitar a infraestrutura já existente e compartilhá-la para difundir a banda larga ao menor custo possível. Qual será o papel da competição para tanto?

Próceres do governo afirmam que não existe competição e por isso a banda larga é cara e lenta, outros afirmam que existe excesso de concentração no setor e que o "mercado falhou" na difusão da banda larga.

Ora, apesar do sucesso da privatização na expansão dos serviços de telefonia fixa e móvel, com certeza deve haver mais competição. Todavia, sua falta tem o governo atual como um dos grandes responsáveis: o enfraquecimento da Anatel provocou uma tergiversação na definição de regras de compartilhamento, que já teriam ampliado a competição e, de outro lado, a enorme concentração foi em boa parte ocasionada pela compra da BrT pela Oi, financiada com dinheiro do BNDES e do Banco do Brasil e com mudança do Plano de Outorgas apenas para viabilizá-la. Culpar "o mercado" por tudo isso, é no mínimo estranho.

Para concluir deve-se reconhecer que a divulgação do PNBL permite, ao menos, que a sociedade e interessados possam discutir concretamente o tema, embora muito tenha sido postergado para decisões futuras de um "Comitê Gestor", deixando nebulosas definições essenciais. Ou seja, ainda há muito a corrigir e avançar para um plano que venha efetivamente a merecer esse nome.