José Roberto de Souza Pinto

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Outubro 2013               Índice dos assuntos  deste website    


28/10/13

• Artigo no Tele.Síntese - "Telefonia fixa e acesso em banda larga: serviços essenciais?" - por José Roberto de Souza Pinto

Tele.Síntese: Na avaliação de José Roberto Pinto, existiria um cenário muito mais favorável para evolução do serviço fixo se ele não ficasse limitado a 64 Kbps de velocidade.

Leia na Fonte: Tele.Síntese
[28/10/13]  Telefonia fixa e acesso em banda larga: serviços essenciais? - por José Roberto de Souza Pinto

Jose Roberto de Souza Pinto é engenheiro, mestre em economia e consultor

A resposta à pergunta do título nos leva a busca da definição do que vem a ser um serviço essencial.
Uma definição genérica seria: serviços essenciais são aqueles que se constituem como sendo de utilidade pública e essencial para o funcionamento da sociedade.

A Constituição Federal trata da questão da essencialidade, indicando que "são necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população".

A Lei de greve 7.783/89 no Art. 11, indica que: nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. No seu artigo 10, inclui telecomunicações como um dos serviços considerados essenciais.

Na Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83), é citado o dano, destruição ou neutralização de meios de defesa ou de segurança; paralisação, total ou parcial, de atividade ou serviços públicos reputados essenciais para a defesa, a segurança ou a economia do país.

A tecnologia implantada na área de telecomunicações- seja por radares, satélites, antenas ou cabos de fibras óticas- cresceu e se incorporou aos costumes e atividades, a ponto de torná-los essenciais ao bem-estar social como mesmo assegura a Constituição Federal de 1988 em seu Preâmbulo e Art. 3º, IV.

A Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei nº 9.472/97) no TÍTULO II DAS COMPETÊNCIAS e especificamente no Art. 18, diz que:
Cabem ao Poder Executivo, observadas as disposições desta Lei, por meio de decreto:
I - instituir ou eliminar a prestação de modalidade de serviço no regime público, concomitantemente ou não com sua prestação no regime privado;
II - aprovar o plano geral de outorgas de serviço prestado no regime público.


Mais adiante no, Art. 63 o Parágrafo único diz: Serviço de telecomunicações em regime público é o prestado mediante concessão ou permissão, com atribuição a sua prestadora de obrigações de universalização e de continuidade e no Art. 64 diz: Comportará prestação no regime público as modalidades de serviço de telecomunicações de interesse coletivo, cuja existência, universalização e continuidade a própria União comprometa-se a assegurar.

O Parágrafo único deste mesmo artigo 64 especifica com clareza, que, incluem-se neste caso as diversas modalidades do serviço telefônico fixo comutado, de qualquer âmbito, destinado ao uso do público em geral.

Ainda na LGT encontramos no Art. 79: A Agência regulará as obrigações de universalização e de continuidade atribuídas às prestadoras de serviço no regime público, indicando as obrigações de universalização que são as que objetivam possibilitar o acesso de qualquer pessoa ou instituição de interesse público a serviço de telecomunicações, independentemente de sua localização e condição socioeconômica, bem como as destinadas a permitir a utilização das telecomunicações em serviços essenciais de interesse público. E mais também : as obrigações de continuidade, que são as que objetivam possibilitar aos usuários dos serviços sua fruição de forma ininterrupta, sem paralisações injustificadas, devendo os serviços estar à disposição dos usuários, em condições adequadas de uso.

Neste contexto regulatório, o Serviço de Telefonia Fixa, o STFC, se caracteriza como o único serviço de telecomunicações hoje prestado no regime público regido pela LGT e a partir de contrato de concessão, como sendo essencial. Desta forma, não resta dúvida: o STFC em todas as modalidades, Loca, Longa Distancia Nacional e Internacional, são serviços essenciais e prestados no regime público.

A questão que se coloca é até quando o STFC deverá ser considerado essencial?

Certamente existem diferenças significativas entre o cenário das telecomunicações de 1997, quando a LGT foi promulgada, e os contratos de concessão do STF foram assinados, a situação atual do mercado de telecomunicações no país e sem dúvida o cenário de 2025, quando as concessões do STFC se encerram.

Em abril de 2012 escrevi artigo que foi publicado no Tele.Síntese, sobre a oportunidade de se avaliar o futuro das concessões de telefonia fixa, apresentando dados sobre a evolução do serviço e alternativas a serem consideradas para o futuro do STFC.

Um ano e meio depois, com dados mais atualizados vemos que a tendência observada está se confirmando, a seguir:

Novos dados atualizados para julho de 2013

A telefonia fixa Local atingiu a marca de 44,6 milhões de assinantes, sendo que mais de 34% destes terminais de assinantes estão nas mãos das empresas autorizadas, o que indica uma perda significativa de assinantes por parte das concessionárias de STFC Local.

Penso que a facilidade da portabilidade numérica, na qual o assinante troca de operadora e mantém o seu número, aliada à oferta conjunta de acesso em banda larga, tem sido os principais fatores de motivação que alteraram este quadro de domínio de mercado por parte das concessionárias de STFC local.

Nas modalidades do STFC de longa distância nacional e internacional da mesma forma, estas concessionárias vêm perdendo a sua participação no mercado para as empresas autorizadas. Perdem muito mais para alternativas tecnológicas que não detêm autorização de STFC e que se utiliza de computadores e tabletes com a tecnologia voz sobre IP (VoIP) para prestar estes mesmos serviços de voz em condições muito mais favoráveis de preços para os usuários.

O que se depreende deste cenário, é que as concessionárias de STFC em todas as modalidades vêm enfrentando perdas significativas de tráfego telefônico e de assinantes, com reflexos nas receitas e comprometendo a sustentabilidade destas concessões. A aplicação de um modelo de custo nestas concessões dará os sinais claros de um possível desequilíbrio.

Cabe, contudo, a ressalva de que outros serviços como o de comunicação de dados, de acesso em banda larga, TV por assinatura (SeAC) e o serviço móvel pessoal, quando prestados pela mesma empresa ou do mesmo grupo empresarial, dariam a sustentabilidade técnica e econômica necessárias. Entretanto, vale lembrar que os subsídios entre os serviços são proibidos pela LGT e não teria sentido adotar uma prática como esta para manter as concessões do STFC.

Alguns dados adicionais sobre o crescimento do serviço móvel celular, o SMP, também indicam que em muitas famílias seus integrantes são assinantes deste serviço e dispensam o telefone fixo.

Em 1998, havia 20 milhões de assinantes de telefone fixo e 5,5 milhões de assinantes móveis. Em julho de 2013, temos 44,6 milhões assinantes de telefonia fixa, contra 267 milhões de assinantes móveis. Nos acessos em banda larga a situação não é diferente. Saímos de uma base de acessos fixos de menos de10 milhões para 20 milhões, enquanto que nos acessos móveis em banda larga, o serviço não existia em 1998 e já atingimos 81 milhões em julho de2013. Esses dados demonstram por si só que temos um cenário totalmente diferente daquele quando a regulamentação foi implementada.

Outra questão sempre apresentada em fóruns de discussão é sobre o acesso em banda larga, com questões quanto a sua essencialidade e, portanto ,deveria ser regido por um regime público de uma concessão, para garantir a sua universalização e continuidade.

Só para lembrar, o acesso fixo em banda Larga a Internet é tratado na regulamentação como Serviço de Comunicação Multimídia – SCM, prestado no regime privado e com uma autorização, o que não obriga a sua universalização e continuidade do serviço.

Fazendo um paralelo entre os serviços fixos e móveis, encontramos certas sutilezas que os diferenciam.
Enquanto o STFC, portanto fixo, é prestado sob o regime de concessão e de autorização para as empresas entrantes no mercado, há uma limitação específica na sua definição que o impede de evoluir para transporte de dados a uma taxa acima de 64 Kbps. Para o SMP, portanto móvel, prestado no regime privado, objeto de contrato de autorização, não existe nenhuma limitação quanto à velocidade de transporte dos dados. Essa não- limitação fez com que o serviço utilizando a tecnologia celular e frequência específica evolui-se da simples voz, para os serviços de mensagem e já estamos na quarta geração, o 4G, com velocidades de transporte de dados que superam 8 Mbps.

Para não haver dúvida quanto a essa limitação, vamos recorrer às definições constantes da regulamentação:

Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC - É o serviço de telecomunicações que, por meios da transmissão de voz e de outros sinais, destina-se à comunicação entre pontos fixos determinados, utilizando processos de telefonia. (art. 1o, § 1o, do Plano Geral de Outorgas - PGO).

Serviço Móvel Pessoal (SMP) - É o serviço que permite a comunicação entre celulares ou entre um celular e um telefone fixo. Definido como o serviço de telecomunicações móvel terrestre de interesse coletivo que possibilita a comunicação entre estações móveis e de estações móveis para outras estações.

O que se depreende deste cenário de definições é que os serviços fixos em velocidades superiores a 64 Kbps estão sendo enquadrados como SCM e, portanto prestados exclusivamente no regime privado. Afora qualquer crítica ao regulador da época, teríamos um cenário muito mais favorável para evolução dos serviços fixos se não tivéssemos esta limitação, pois o serviço seria prestado nos dois regimes público e privado, e no regime público teríamos as garantias de universalização e continuidade do serviço para o acesso em banda larga em qualquer velocidade de transporte de dados.

Entretanto, o cenário regulatório não é este e com a aproximação do fim das concessões de telefonia fixa, há a necessidade de se definir o tratamento a ser dado para o STFC no regime público e formular um novo modelo que garanta a sua evolução, considerando as novas demandas da sociedade de acesso às informações, independente da tecnologia empregada e com garantia de universalização e continuidade dos serviços.

A expectativa é de um intenso debate para formulação deste novo modelo que deve vigorar na pior hipótese a partir de 2026.Desta forma, algumas questões, se respondidas a tempo, poderiam indicar os caminhos para esta revisão do modelo atual, como poderemos ver a seguir:

O serviço de telefonia fixa está estagnado neste patamar 45 milhões de assinantes ou existem perspectivas de crescimento?

A participação das concessionárias do STFC tende a decrescer ainda mais ou existe um espaço de recuperação de mercado?

Como estão hoje os resultados econômicos das concessões do STFC e como estarão em 2020 e 2025?

A universalização da telefonia fixa está concluída ou existem áreas ainda não cobertas?

O serviço celular e o acesso em banda larga podem substituir a telefonia fixa?

Esta substituição pode ser feita em todas as áreas ou existem locais onde não será possível?

As concessões de telefonia fixa (todas) deveriam ser mantidas até o seu término contratual ou uma antecipação para 2020 seria desejável?

As regras e condições atuais do acesso em banda larga indicam que mantido este regime privado de prestação de serviço, o atendimento à população estará garantido, ou este serviço precisa ser considerado essencial e sujeito a uma concessão?

De que forma seria garantida a continuidade dos meios de transmissão para transporte (backhaul, backbone e acessos locais) como suporte para a prestação dos serviços em âmbito local de longa distancia nacional e internacional?

Como a distância tem pouco efeito nos custos de prestação dos serviços de telecomunicações, não seria interessante acabar com as modalidades de serviços de telefonia de longa distancia nacional e/ou internacional?

A competição entre as empresas na prestação dos diversos serviços de telecomunicações seria suficiente para dar a garantia de continuidade?

Que fontes de recursos poderiam ser utilizadas para a universalização do acesso em banda larga, se mantido o regime privado?

A continuidade das concessões do STFC, com a simples eliminação da limitação do processo de telefonia seria um caminho razoável?

Escolhida esta alternativa anterior, como seriam tratados os acessos em banda larga, prestados hoje no regime privado por empresas que são também concessionárias do STFC?

Outra questão desejável de ser pacificada o mais brevemente possível é a que trata dos bens reversíveis e de preferência na próxima revisão do contrato de concessão prevista para 2015, quiçá na última em 2020. Precisamos não ter dúvidas sobre quais bens objeto das concessões do STFC são considerados reversíveis e portanto devem ser preservados para garantia da continuidade dos serviços atuais ou futuros, decorrentes do novo modelo.

Acredito também que, mesmo que se atinja um cenário com efetiva competição no mercado, com ofertas diversificadas de serviços de telecomunicações no varejo, a disponibilidade de infraestrutura e rede de telecomunicações, com ampla cobertura em âmbito nacional e conexões internacionais e rotas alternativas de segurança, parece ser um fator fundamental para garantia de continuidade dos serviços, principalmente os considerados como essenciais.

Certamente o elenco de questões não se encerra, mas pode ser um bom começo para se definir o futuro.
Nos fóruns internacionais são reconhecidas as dificuldades enfrentadas pelos reguladores e regulados para suportar as modificações decorrentes da evolução tecnológica do setor, assim como as das novas demandas da sociedade. Dificilmente as partes envolvidas conseguem passar incólumes a estas modificações, com seus interesses totalmente atendidos. Desta forma, como não existe uma receita pronta, o fundamental é sempre estar atento ao interesse público como princípio e, quanto mais cedo iniciar a discussão de um novo modelo, melhor podem ser os resultados. Portanto, bem antes do término do ciclo que se encerra em 2025.


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