José Roberto de Souza Pinto

WirelessBrasil

Fevereiro 2021               Índice dos assuntos  deste website    


24/02/21

• As TVRO e a liberação da frequência de 3,5GHz para o 5G

A primeira questão a ser esclarecida é sobre a reutilização de radiofrequências para outros Serviços de Comunicações. Conhecida como refarming e que merece um esclarecimento prévio sobre este conceito.

Refarming é a reutilização das faixas de radiofrequência de Comunicações utilizadas por um serviço e que com o tempo passam a ser necessárias para outras aplicações ou serviços e normalmente utilizando novas tecnologias, que propiciam um melhor aproveitamento destas mesmas faixas de radiofrequências.

No caso da evolução dos Serviços Moveis Celulares esta situação tem sido uma dor de cabeça, não só para a Agência Reguladora de Telecomunicações, mas principalmente para as Empresas de Telecomunicações, que pretendem usar esses recursos.

Na realidade o conceito de refarming, inclui a responsabilidade dos novos detentores destas frequências de assumirem os custos de migração dos atuais detentores que as utilizam para prestar algum serviço adotando outra solução que dê continuidade ao serviço atual.

Nos casos mais recentes a reutilização das radiofrequências utilizadas para os Serviços de Televisão, estão sempre no caminho da evolução das redes dos Serviços Moveis Celulares, nas suas ditas gerações 4G e 5G por exemplo.

Foi assim na liberação da radiofrequência de 2,5 GHz que era utilizada pela TV por Assinatura para os serviços em 4G, que foi acelerada para atender a copa do mundo de futebol no Brasil, que era uma exigência da FIFA.

Da mesma forma na TV aberta (radiodifusão) na transição do sinal analógico para o sinal digital. Esta reutilização da faixa de radiofrequência de 700 MHz utilizada na TV analógica de sinal aberto, que migrou para o sinal de TV aberta digital, permitiu uma melhor utilização dessa faixa de frequência para utilização nos serviços moveis celulares em 4G.

Agora não vai ser diferente com a necessidade da radiofrequência de 3,5 GHz utilizada na recepção dos sinais de TV entre as emissoras e nas conhecidas TVRO (Television Receive Only) ou "sistema de televisão com recepção por satélite", que captam o sinal de TV que é transmitido pelas redes de emissoras de TV quando enviam o sinal para outras emissoras em outras localidades.

Conhecida como a banda C do satélite a radiofrequência de 3,5 GHz é utilizada nesta recepção do sinal de TV.

Esse tipo de utilização em larga escala teve início em 1982, quando foi feito o primeiro contrato de transmissão de sinal de TV de uma emissora cabeça de rede para as suas afiliadas, utilizando-se de um sistema via satélite.

A primeira Rede de TV que adotou esta solução foi a Rede Bandeirantes de TV e logo em seguida a Rede Globo e mais adiante as demais Redes de TV existentes aquela época.

Inicialmente a EMBRATEL se utilizou de capacidade de satélite para Comunicações Internacionais do Consorcio INTELSAT, que a EMBRATEL fazia parte.

Com a aquisição e implantação do Sistema de Satélites Brasileiros o BRASILSAT, o serviço foi transferido em 1985 para a primeira da série de satélites, o BRASILSAT A1 e o A2, colocado em órbita em 08 de fevereiro de 1985 o Satélite A1.

Como o passar do tempo praticamente todas as emissoras cabeça de Rede de TV nacionais, passaram a utilizar esta solução e surgiram inúmeras outras aplicações, como as Emissoras Regionais, as Emissoras Religiosas e Emissoras de TV oficiais dos vários poderes a título de exemplo.

A consequência depois da entrada em funcionamento do BRASILSAT com projeto destinado a cobertura do país, foi que propiciou uma redução significativa do tamanho das antenas receptoras do sinal de TV via Satélite e do custo das antenas e dos receptores.

O resultado foi um crescimento vertiginosamente do número de TVRO e o espalhamento desta solução, com utilização em localidades distantes e grandes centros, em função da baixa cobertura e qualidade do sinal de Emissoras de TV (sinal de radiodifusão aberto) em diversas cidades pelo Brasil afora.

O mais interessante desta história é que o projeto do BRASILSAT, que gerou toda essa situação descrita, foi implantado, especificamente para atendimento aos serviços de telefonia DDD, em localidades distantes.

A decisão do Brasil ter um satélite doméstico é muito antiga e tinha por objetivo cobrir áreas da Região Norte que eram impossíveis de serem atingidas pelos sistemas de telecomunicações terrestres com as torres de micro-ondas em visibilidade (muitas vistas ao longo de nossas estradas) e outros locais de difícil acesso.

Concluída a fase de discussão técnico-econômica do projeto, como todos já sabiam, o projeto do Satélite Domestico Brasileiro era economicamente inviável em função dos investimentos e custos de operação e da demanda que seria atendida. Portanto teria que ser coberto pelas receitas de exploração dos serviços nas demais localidades do país.

Neste momento é que surge a necessidade de identificar as diversas oportunidades de novos serviços que poderiam ser prestados no território brasileiro via satélite.

Entre as várias opções surgiu a solução de transmitir a programação de TV que era via sistema terrestre (micro-ondas em visibilidade) por períodos de tempo, para uma solução dedicada para as redes de TV e agora seria via Satélite.

Um problema adicional é que não havia nenhuma regulamentação sobre este tipo de serviço no Ministério das Comunicações relativo à prestação do serviço via Satélite. A solução adotada com a devida aprovação do Ministério das Comunicações, foi a realização de contratos com as Emissoras interessadas e a regulamentação à posteriori o que foi feito.

O Serviço de Telecomunicações contratado se destinava a transportar o sinal de TV das cabeças de Rede para as suas afiliadas e assim serem transmitidos simultaneamente os seus programas em diversas localidades. Surgiu então algo interessante no sentido atingir uma maior parte da população com serviços de Televisão.

O serviço ganhou uma amplitude, pois apesar do serviço ser de telecomunicações, o sinal de TV via satélite, poderia ser captado por qualquer estação receptora de sinal de TV via Satélite, desde que atendidas condições técnicas mínimas, que em função da tecnologia disponível, eram simplórias perante ao conjunto de artefatos que constituía o projeto BRASILSAT.

A discussão era se o sinal era livre ou não para ser captado por qualquer um interessado que instalasse uma antena receptora de sinal de TV via Satélite, nas condições técnicas de recepção do sinal.

Na época a motivação era enorme porque a transmissão da TV de Radiodifusão era ruim em várias áreas ou porque não tinha Emissora de TV naquela área ou região do país. Lembro que o sinal de TV via Satélite atingia todos os recantos do país, inclusive alguns países vizinhos, que fazem fronteira com o Brasil.

Venceu o que era razoável e na regulamentação do Ministério das Comunicações, o sinal passou a ser livre apesar de ser um serviço de telecomunicações e não de radiodifusão e as emissoras que quisessem codificar o sinal poderiam. Na verdade, nenhuma das Redes de Emissoras de TV codificou o sinal, sem dúvida óbvio, pois a cobertura do sinal passou a ser o Brasil.

A minha conclusão, ainda que parcial é que passados 35 anos, a solução adotada cumpriu um papel social de extrema importância para o país, que foi a de levar informação para todos os recantos do país.

A análise da situação atual quanto á utilização de TVRO, requer um trabalho bastante complexo e profundo no sentido de identificar realmente quem são hoje os dependentes desta solução e que soluções de menores custos e vida tecnológica deveriam ser adotadas. Entenda vida tecnológica como solução que persistirá, pensando um pouco mais para frente.

Vale dizer que a TV digital aberta foi implantada, requerendo identificar a sua cobertura atual. Afinal no refarming de 700 Mhz, foi feito um grande esforço de investimentos e custos já pagos pelos novos detentores atuais desta frequência, que são as Prestadoras de Serviços Celulares, para atender a essa migração para a TV aberta digital e mais com inúmeros incentivos para essa migração.

A partir destas considerações, como tenho lido alguns textos publicados que adotam o termo TVRO, como sendo TV clandestina ou pirata, a título de esclarecimento, destaco que apesar das Estações não serem licenciadas e coordenadas geograficamente, usando neste momento a correta terminologia, existe sim regulamentação do Ministério das Comunicações, que permitiu a captação do sinal de TV via Satélite.

Podemos até adicionar, que os equipamentos, receptores e antenas utilizados para as TVRO, são objeto de certificação pela ANATEL.

Destaco também de grande importância que a questão da livre recepção do sinal ou da programação de TV, ficou a cargo da emissora detentora do sinal que está sendo transmitido via satélite. Sendo do meu conhecimento, que nenhuma emissora de TV, realizou a codificação do sinal, nesta faixa de frequência da dita banda C.

Este não é um fenômeno brasileiro e nem de satélites brasileiros ou que tem cobertura na nossa área geográfica, pois existem inúmeras situações semelhantes de captação de sinais de vários satélites em diferentes frequências, que quando o sinal não é codificado, passa a ser livre para recepção.

A nossa questão se resume ao estritamente necessário para aquele domicílio que no momento só tem esta solução de TVRO para receber uma programação de TV com informação para entretenimento e útil para o seu dia a dia.

Salientamos que o sinal deveria ser digital e gerado pela Emissora de TV e as receptoras adequadas para tal. Entretanto observo que ainda com necessidade de confirmação, existem ainda sinais analógicos sendo transmitidos via satélite. Afinal foi feito um esforço na liberação da frequência de 700MHz com esse objetivo.

Outro aspecto a se considerar é que houve um avanço nos Serviços de TV por assinatura, seja via satélite na banda Ku, e nas soluções via cabo neste período, que transmitem praticamente toda a programação das TVs abertas. Estou consciente que atendem as classes mais favorecidas, mas que de certa forma podem ter reduzido a necessidade de TVRO, assim com as Emissoras de TV aberta digital, que deveriam cumprir este papel da radiodifusão.

A evolução tecnológica é sem dúvida incrível e cabe também destacar o que está acontecendo com relação a uma redução no número de clientes destes serviços de TV por assinatura, mas o serviço substituto é gerado pelas redes de serviços de banda larga com seus aplicativos, que proporcionam ao usuário final os mesmos ou assemelhados serviços e informações disponíveis nas redes de TV abertas ou por assinatura.

Certamente não tenho como determinar qual é este número de domicílios com TVRO, e que realmente só tem esta opção. Os Estudos que tive acesso indicam um número mágico de 20 milhões de domicílios. Entendo que em grandes centros, onde existe Emissoras de TV aberta, não caberia a adoção de TVRO, pois a TV aberta digital deve ou deveria dar a cobertura.

Soluções com menores custos e uma atualização tecnológica para diversas novas aplicações importantes para o dia a dia do cidadão devem ser perseguidas, a exemplo de alternativas de redes de banda larga com Wi-Fi, inclusive público, podem substituir até informações hoje só disponíveis via as recebidas nas TVRO.

Em hipótese alguma estou negando o direito de refarming dos detentores atuais das frequências da banda C para migrarem as suas aplicações para outras frequências e darem continuidade aos seus serviços.

No limite de uma análise, se puder escolher entre um investimento adicional para o sinal de TV aberto, via TVRO e uma banda larga para atender todas as necessidades de uma família eu não teria esta dúvida.

Certamente existem situações difíceis de se chegar com banda larga e teríamos que dar uma alternativa para manter um sinal de TV, mas deveríamos ter como objetivo reduzir ao estritamente necessário.

Digo isso, porque a sequência de implantação dos serviços 5G na frequência de 3,5 GHz, não será de imediato em grande parte do país e muito menos em localidades de difícil acesso em função da infraestrutura necessária de elevada capacidade de transmissão, que requer o uso de fibras ópticas e com alternativas de segurança para suportar os serviços em 5G.

Cabe também lembrar que os custos dos equipamentos terminais em 5G, são ainda elevados e certamente se manterão por algum tempo, salvo nas aplicações profissionais e de produção, que não deverão gerar inferências indevidas.

Desta forma a implantação certamente será gradativa e devidamente ajustada no tempo e nas localidades.

Este cenário recomenda que não se crie um impacto de custos adicionais desnecessários no processo licitatório para os novos detentores destas frequências que irão prestar os serviços em 5G, na frequência de 3,5GHz e com reflexos no custo final para os usuários.

Essa nova atividade de buscar este equilíbrio de atendimento, melhor solução e custos, sem sombra de dúvida será um grande desafio, pois será necessário quantificar o onde e quando será realmente necessário incorporar este custo específico de uma solução alternativa para as TVRO.

Jose Roberto de Souza Pinto, engenheiro e mestre em economia empresarial