José Ribamar Smolka Ramos
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Novembro 2011               Índice Geral


03/11/11

• Sobre a ação da PROTESTE quanto aos bens reversíveis [8] - Análise da petição inicial da ProTeste (Parte 3)

de J. R. Smolka smolka@terra.com.br por yahoogrupos.com.br
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data 3 de novembro de 2011 20:06
assunto [wireless.br] Sobre a ação da PROTESTE quanto aos bens reversíveis [8] - Análise da petição inicial da ProTeste (Parte 3)

Oi pessoal,

Na improvável hipótese de alguém estar seguindo ansiosamente esta série de mensagens,  :-)  não há motivo para susto. Você não perdeu nenhum exemplar da série. Eu estou apenas adequando a numeração das mensagens publicadas àquela adotada na página contendo as minhas mensagens no site da ComUnidade WirelessBrasil.

Retornando, então à vaca fria... A partir do item 52 a inicial da ProTeste passa a elencar os elementos do Direito que ela crê suportarem todo o seu peticionamento. Não deixa de ser interessante, porque em vários momentos a argumentação vai até a beira do abismo e ali se equilibra precariamente. O problema com estes atos de equilibrismo é que basta que o equilibrista não esteja nos seus melhores dias e o desastre é inevitável. Que o digam Die fliegenden Wallenda e o criador e mais notório membro da troupe, Karl Wallenda.

Senão vejamos... Nos itens 52 e 53 a ProTeste invoca as alíneas (a) e (b) do inciso V do art. 5º da Lei 7.347 de 24/07/1985 (a Lei da Ação Civil Pública - LACP). Como o texto legal permite que quaisquer associações cujas finalidades incluam pelo menos uma das áreas elencadas ("a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico") possam intentar ações civis públicas (inclusive cautelares), mas não impõe que as finalidades da associação tenham afinidade com o objeto da ação (embora exista jurisprudência, como citado na contestação da Anatel) , isto já seria suficiente. Mas aí vem a "síndrome Wallenda".

No item 54 é levantada a opinião do Dr. Marçal Justen Filho, explicitada no livro Curso de Direito Administrativo, de sua autoria, que o contrato de concessão de serviço público é necessariamente trilateral, com a participação da "sociedade civil", embora esta não seja (esperto ele...) "investida de direitos e deveres idênticos àqueles reservados ao poder concedente e ao concessionário". Por mais tocante aos corações democráticos que esta tese possa ser, eu creio que ela só tem respaldo entre um grupo restrito de juristas, que não formam a linha principal de interpretação da Lei. Aliás eu fui procurar no Código Civil (tanto o novo - Lei 10.406 de 10/01/2002, quanto o velho - Lei 3.071 de 01/01/1916), e não achei nada que pudesse suportar essa idéia de uma "parte implícita" em um contrato, ainda mais uma parte cujos direitos e obrigações não constem do contrato. Na comunidade de TI este tipo de argumento é conhecido como vaporware. No meu antigo grupo de trabalho isto seria chamado de um objeto invertebrado gasoso.

Novamente, se não bastasse o já exposto, ainda há a pirueta adicional do item 55, que tenta ancorar a legitimidade ativa da ProTeste os seguintes itens da Lei 8.078 de 11/09/1990 (o Código de Defesa do Consumidor):

1) Alínea (a) do Inciso II do art. 4º da , que diz que faz parte da política nacional de relações de consumo a atuação governamental, por ação direta, na proteção do consumidor;

2) Inciso VII do art. 4º, que reza que também faz parte da política nacional de relações de consumo a racionalização e a melhoria dos serviços públicos;

3) inciso X do art. 6º, que diz que é direito do consumidor receber serviços públicos adequados e eficazes;

4) Art. 22, que os órgãos públicos, diretamente ou através de concessionárias ou o que for, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e (quando essenciais) contínuos.

Ai ai... A ProTeste não é órgão de Estado, o que a tira fora do primeiro item da lista. Nos outros três itens, é necessário aceitar a validade da tese do Dr. Marçal, caso contrário não dá pra ver a ProTeste no papel de paladino do consumidor contra a União, a Anatel e suas cruéis e malvadas associadas, as concessionárias do STFC.

Do item 56 até o item 67a ProTeste passa a discorrer sobre o enquadramento dos bens das concessionárias do STFC. E continua a "síndrome Wallenda". Só que, agora, o arame sobre o qual ela vai caminhar fica mais alto, e ela continua dispensando a rede de segurança.

O art. 99 do Código Civil realmente define quais são os bens públicos. Mas o art. 98, imediatamente antes, diz que:

"São públicos os bens [...] pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares [...]"

Mas, será que a Telebrás e suas controladas eram "pessoas jurídicas de direito público interno"? Segundo o Art. 14 do Código Civil velho, vigente à época, elas certamente não eram, porque somente a União, os Estados e os Municípios enquadravam-se nesta categoria (dúvida: qual o status dos Territórios?). Segundo o art. 40 do Código Civil novo a lista amplia-se para incluir explicitamente os Territórios, as Autarquias (incluindo aí as associações públicas) e (o que mais nos interessa) demais entidades de caráter público criadas por Lei (grifo meu). Sendo assim, vemos que as atuais concessionárias certamente são pessoas jurídicas de direito privado. E, se quisermos qualificar as empresas do sistema Telebrás como pessoas jurídicas de direito público interno, temos que fazer o Código Civil novo retroagir até a época da constituição das diversas empresas do sistema Telebrás (o que eu acho de validade muito duvidosa). E ainda assim só conseguiríamos caracterizar como pessoas jurídicas de direito público interno a Telebrás (criada pela Lei 5.792 de 11/07/1972) e a Embratel (§ 1º do art. 30 da Lei 4.117 de 27/08/1962 - CBT).

Então tenho que fazer esta conclusão em voz alta: A TELEBRÁS E TODAS AS SUAS CONTROLADAS E ASSOCIADAS, ATÉ À ÉPOCA DA PRIVATIZAÇÃO, ERAM PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO, PORTANTO NÃO CABE FICAR TENTANDO CLASSIFICAR O SEU PATRIMÔNIO COMO BENS PÚBLICOS. ISTO NÃO TEM AMPARO LEGAL. TRATA-SE APENA DE WISHFUL THINKING DE UMA DETERMINADA CORRENTE IDEOLÓGICA.

Muito bonitinho citar o Dr. Celso Antônio Bandeira de Melo. Mas até onde sei a tese pretendida pela ProTeste não tem precedente. Se eu fosse o Juiz não inovaria nessa matéria.

O efeito pretendido da pirueta é que, classificado como bem público, todo o patrimônio das empresas controladas pela e coligadas da Telebrás (porque a própria Telebrás não tinha nenhum patrimônio operacional) deveria ser revertido à União. Esquecendo sumariamente que tal reversão não tinha nenhum amparo na Lei, tanto por estes serem bens privados (como dito acima) quanto por não existir nenhum gravame sobre tais bens. Daí não haver possibilidade de reversão de bens à época da privatização.

E, apesar dos contratos de concessão, tanto em 1998 quanto em 2005 e na revisão de 2010, terem optado pelo instituto da servidão (creio que esta é a terminologia adequada) para uma suposta garantia de continuidade da prestação do serviço quando do término das concessões, isto não é uma imposição legal. Porque:

1) O art. 100 da Lei 9.472 de 16/08/1997 (LGT) diz que "Poderá ser declarada a utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão, de bens imóveis ou móveis, necessários à execução do serviço [...]" (grifo meu). Para mim a expressão "poderá ser" tem claro sentido de opcionalidade, ao contrário de expressões como "deverá ser", ou "será".

2) O inciso XI do art. 93 da LGT, em concordância com o art. 100, determina que "o contrato de concessão indicará [...] os bens reversíveis, se houver [...]" (grifos meus). Em meu julgamento, "se houver" claramente admite a possibilidade que estes bens não existam. Além disso, a exigência é que o contrato indique o bens reversíveis, quando existirem. E existem inúmeras formas de indicar. Na acepção clara do termo, nomear classes de equipamentos que compõem a lista dos bens reversíveis ou exibir uma listagem exaustiva são, a meu ver, ambas formas válidas de "indicar".

3) Deve-se levar em conta a intenção original dos propositores do projeto de lei. Na Exposição de Motivos nº 231/MC, Sérgio Motta, então Ministro das Comunicações, disse:

"Em se tratando de serviço de interesse coletivo, cuja existência e continuidade a própria União se comprometa a assegurar, os bens que a ele estejam aplicados poderão (e não deverão) ser revertidos ao Poder concedente, para permitir a continuidade do serviço público. Mas nem sempre o princípio da continuidade do serviço público supõe a reversão dos bens que lhe estejam afetados" (grifos meus)

4) Minha dúvida, agora: se o que está sendo feito (ao que parece, porque não encontrei nada além disso no Código Civil que contemplasse a possibilidade de reversão de bens) é a imposição de servidão, esta teria que ser precedida da declaração de utilidade pública, nos termos do art. 100 da LGT. O enunciado das cláusulas contratuais da concessão é o suficiente para isto ou o processo é mais formal? E, neste caso, quem tem autoridade para fazer tal declaração? A Anatel? O Minicom? Ou a Presidência da República? E, se tal declaração formal de utilidade pública para fim de servidão é necessária para que as cláusulas contratuais tenham validade efetiva, e tal declaração ainda não ocorreu, nada do que estamos discutindo tem efeito prático, porque não existe servidão instalada para que a reversibilidade possa existir.

Também são renovadas pela ProTeste as reclamações sobre o proposto novo regulamento de bens reversíveis, que ela deseja que o Juiz impeça de prosseguir com base na sua interpretação do que é ilegal ou não naquele texto. E isso é um exagero. Porque o documento ainda não existe formalmente para ser contestado, porque a Anatel está agindo dentro das suas prerrogativas no transcorrer do processo de elaboração do novo regulamento, e porque as tais "ilegalidades" são questão de interpretação.

Se a reversão (ou melhor dizendo, a servidão dos bens afetados à concessão) é um instituto opcional, segundo a LGT, e se o que a Anatel está propondo não é a abolição da anuência prévia para alienação, mas a concessão prévia automática da anuência em determinadas circunstâncias, o que está dentro da sua competência legal e pode até fazer sentido administrativo (por não afetar a continuidade do serviço e reduzir os custos da concessionária e do concedente).

Enfim... do item 68 ao item 74 a ProTeste discorre sobre seu direito de acesso aos dados que compõem os inventários de bens reversíveis. A responsabilidade da concessionária em elaborar tal inventário e a obrigação da Anatel em resguardá-lo existem desde a versão 2005 dos contratos de concessão. E a Anatel os classifica, no mínimo, como dados reservados, nos termos do § 4º do art. 5º do Decreto 4.553 de 27/12/2002:

"São passíveis de classificação como reservados dados ou informações cuja revelação não-autorizada possa comprometer planos, operações ou objetivos neles previstos ou referidos".

Os bens reversíveis são informações de caráter operacional da concessionária. Seu conhecimento por outras pessoas dá indicações sobre quais devem ser suas estratégias operacionais. Exemplo: se eu comparar as listas de bens reversíveis ano a ano eu posso inferir em quais áreas técnicas está sendo concentrado o investimento da concessionária, e isto pode revelar a direção do seu planejamento estratégico de redes e serviços. Esta informação não deve estar disponível nem para potenciais concorrentes nem para eventuais fornecedores, que podem auferir vantagem deste conhecimento. Daí a responsabilidade da Anatel em resguardar estes dados.

E  Anatel tem o poder legal de estabelecer este tipo de sigilo sobre os dados dos inventários de bens reversíveis? Sim, nos termos do inciso II do § 2º do art. 6º deste mesmo Decreto. Mas nem tudo está perdido para a pretensão da ProTeste. A classificação na categoria "reservado" caduca em 5 anos, conforme o inciso IV do art. 7º deste Decreto. Ou seja, a ProTeste pode ter, hoje, os dados de 2006 para trás. Creio que não haverá nada anterior a 2005, só que isto não configura crime de responsabilidade ou coisa assim, como quer fazer crer a ProTeste.

Bom... Daí para a frente a ProTeste apenas elenca suas razões para que o Juiz concedesse a tutela antecipada - o que não vou comentar, visto que o Juiz já descartou esta hipótese, e finaliza com o pedido detalhado ao Juiz.

Disto tudo, para encerrar, comento apenas o item 86, onde a ProTeste pede que, com base no inciso VIII do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, seja invertido o ônus da prova. Tenho que admirar a cara de pau desta pretensão. O texto deste item da lei diz que:

"São direitos básicos do consumidor [...] a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências"

O instituto da inversão de ônus da prova (que eu saiba existente apenas no Direito do Consumidor e no Direito do Trabalho) existe em função da presunção de hipossuficiência do consumidor, pessoa física. Não se aplica este instituto a pessoas jurídicas (o que a ProTeste seguramente é). E eu duvido que ela possa ser chamada de hipossuficiente.

E chega! Nem eu aguento mais! Vamos ver o que mais ocorre no processo e daí falamos mais a respeito.

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J. R. Smolka


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