José Ribamar Smolka Ramos
Telecomunicações
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Outubro 2011               Índice Geral


05/10/11

• Debate sobre o artigo de Flávia Lefèvre: "Decreto 7.175/2010 (que instituiu o PNBL) - Herança Bendita?" (9)

de J. R. Smolka smolka@terra.com.br
Celld-group@yahoogrupos.com.br
data 4 de outubro de 2011
assunto   (Celld-group) Meus comentários sobre o artigo de Flávia Lefèvre: "Decreto 7.175/2010 (que instituiu o PNBL) - Herança Bendita?"

Em 02/10/2011 20:37, josersp@terra.com.br escreveu:

Smolka
Vou me concentrar em somente dois aspectos para reforçar minhas ideias.

No problema... Vamos a eles.

O primeiro voce pode avaliar, vendo este quadro resumo do meu trabalho sobre práticas anticompetitivas.

8 – EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL NO TOCANTE A PRÁTICAS ANTICOMPETITIVAS

A experiência internacional oferece lições úteis com relação às práticas anticoncorrenciais já condenadas em outros países.
No tocante às punições de práticas consideradas anticoncorrenciais, o quadro a seguir apresenta exemplos de multas já aplicadas sobre operadores internacionais de telecomunicações.

Tabela 10 – Práticas anticoncorrenciais e multas aplicadas

Ano            Ente regulador        Empresa e Valor           Razão
--------      ----------------     -------------------     -----------------------------------
Ago 2007     Autoridade de          Portugal Telecom       Abuso de posição dominante,

                 concorrência            €38 milhões              impedindo o acesso de concorrentes
                 de Portugal                                           a sua rede no período 2003-2006


Con su permiso, vou analisar o que pude levantar sobre os dados objetivos (não o levantamento feito por terceiros) de cada caso.

Este caso da PT teve um desdobramento recente, no último dia 4/10/2011. Conforme este artigo do Exame Expresso, O Tribunal do Comércio de Lisboa deu sentença anulando a multa de €38 milhões imposta pela AdC em 2007. Aparentemente a AdC ainda pode recorrer, mas as condições para que a multa seja mantida não são tão pacíficas assim. Curioso que este tipo de notícia nunca tenha o mesmo destaque que a da aplicação inicial da multa, não é? Vamos em frente.   
 

Ano           Ente regulador        Empresa e Valor         Razão
--------     ----------------    -------------------    -----------------------------------

Jul 2007     Comissão              Telefónica                  Abuso de posição dominante em DSL
                Européia               €151 milhões


Ah a heroína (feminino de herói, não o entorpecente :-) ) da defesa da competição e dos consumidores europeus, zijne excellentie, Comissaris Neelie Kroes. Em minha opinião ela é exatamente o oposto do que temos aqui na Anatel. Enquanto aqui temos a inação, lá temos o extremismo "xiita" (com todo o respeito aos islâmicos Shi'a). Comissaris Kroes é a Dra. Flávia com esteróides :-) .

A multa definitivamente foi aplicada, porém veja-se o discurso da Comissaris Kroes no press release IP/07/1011 da Comissão Europeia, que anunciou a aplicação da multa:

Spanish consumers are paying far more than the average for high-speed Internet access and many have chosen not to pay that price. The margin squeeze that Telefónica imposed on its competitors not only raised their costs, but also harmed customers significantly. When consumers and businesses are harmed in such a major market, the entire economy suffers. I will not allow dominant companies to set prices that undermine telecoms liberalisation". (grifo meu)

Então eu fico em dúvida se esta postura é algo razoável em termos de política de Estado, ou trata-se apenas de um excesso personalista da Comissaris Kroes na interpretação do que significam os artigos da carta da UE. Aqui no documento MEMO/07/274 tem a FAQ desta decisão. Algumas perguntas e respostas são interessantes:

What has been the impact of the margin squeeze on consumers?
By engaging in a margin squeeze, Telefónica has been able to sustain supra competitive retail prices which could not be matched by its competitors because the latter relied on Telefónica's wholesale products. Due to weakened retail competition on the broadband market, Spanish consumers pay about 20% more than the EU-15 average for broadband access. Also, the Spanish broadband penetration rate is 20% below the EU-15 average, and its growth is nearly 30% below that of the EU-15.
The high level of the Spanish broadband prices is confirmed by all available studies. For example, the consultant Teligen (which regularly benchmarks prices for the OECD) has compared the cheapest retail ADSL offer of each country and concluded that Spain ranks last among the EU-15 countries. [...] Telefónica claimed that the high level of prices is the result of some country-specific circumstances in Spain and submitted an econometric study to support its allegations. The Commission concluded that this study was flawed and that none of the factors presented by Telefónica can adequately explain the difference between the prices in Spain and in the rest of Europe
. (grifos meus)

Minha avaliação: aparentemente a Comissão Européia, na gestão da Comissaris Kroes, quer trabalhar (ou pelo menos vir a público) com péssimo uso da estatística. Essas conclusões baseadas em médias, e em simples listas de benchmarking são perigosas. Se eles realmente trabalham assim, estou decepcionado. Considerava esse pessoal mais inteligente. Isto não quer dizer que a Telefónica seja um anjo de bondade e candura. Mas o argumento apresentado, para mim, não nem consistência matemática nem empresarial. Comissaris Kroes queria cabeças. E ela as teve.

To what extent is Telefónica responsible for the abuse when the Spanish telecommunications regulator CMT has found no margin squeeze?

Telefónica is fully responsible for the abuse. The CMT only regulated part of the prices for wholesale broadband access (i.e. the regional wholesale prices). This accounted for approximately 30% of the wholesale prices covered in this decision in 2006. The CMT never analysed the margin squeeze between Telefónica's national wholesale prices and retail prices (which represented approximately 70% of the wholesale prices covered in this Decision in 2006) . Moreover, when analysing the existence of a margin squeeze between the regional wholesale and the retail prices, the CMT used different data than the Commission, since it was working in a forward-looking context, it used estimates made on the basis of market and cost forecasts provided by Telefónica in 2001 (whereas the Commission used ex post data). Therefore although the CMT used the same methodology as the Commission, it was working with different data, which explains why it came to a different conclusion.

Telefónica would have known that the estimates made by the CMT were not matched by its own business plan and its actual costs. Telefónica's internal documents show that the company was aware that it was engaging in a margin squeeze. Moreover, Telefónica was at all times free to end this margin squeeze by lowering its wholesale prices, given that its national wholesale prices were not regulated and its regional wholesale prices were only subject to maximum prices – it was free to set prices below the maximum. However, it never took this initiative until it was obliged to by the Spanish regulator in December 2006. Therefore Telefónica is entirely responsible for the abuse. (grifos meus)

Minha avaliação: o que a Comissão Europeia quis dizer é "nós sabemos o que fazer, e eles (CMT) não". Uma cois a eu já aprendi sobre estes tais business plans: você pode concluir o que quiser, porque sempre será possível arrumar os dados de forma a suportar suas hipóteses. A CMT andou "passando a mão na cabeça" da Telefónica? Muito provável. A Comissão Europeia (leia-se a Comissaris Kroes) tava muito a fim de criar um exemplo pour encourager les autres? Quase certamente sim.

Is the Commission not undermining the authority of the Spanish regulator?
Not at all. This Decision is against Telefónica, not against the Spanish regulator. There is nothing extraordinary or exceptional in the fact that the Commission and the CMT found different results: in the telecommunications sector regulators put in place ex ante regulatory mechanisms allowing competition to develop, but can only do this on the basis of market and cost forecasts. In so doing regulators lessen, but cannot entirely eliminate the risk of anti-competitive behaviour. Competition authorities act ex post, using historical data on effectively incurred costs. Accordingly, in many Member States, competition authorities have investigated and sanctioned ex post anti-competitive conducts in the regulated telecommunications markets, including broadband access.

So there is no question that the CMT, or other European regulators for that matter, have not done their job. It is precisely the CMT that put an end to the margin squeeze through its efficient intervention in December 2006 to set new wholesale prices. (grifos meus)

Minha avaliação: apesar destes latinismos bonitos, ex ante, ex post... o fato é que a Comissaris Kroes passou sumariamente por cima da CMT. Se o assunto já estava resolvido, então porque a multa? Pelo mesmo motivo pelo qual, antigamente, faziam-se execuções em praça pública: para servir de exemplo.

E não parou por aí.  Nos press releases IP/08/1704 e IP/08/2060 a Comissaris Kroes continuou batendo na CMT. A descrição formal do procedimento de aplicação da multa foi publicado neste artigo do Journal of the European Union. O caso, ao que parece, rendeu pelo menos dois processos contra a Comissão Europeia: um movido pelo Reino de España, outro movido pela própria Telefónica. Não consegui descobrir se os processos já foram julgados, pelo menos em 1ª instância.

Vou interromper por aqui, porque isto já está ficando comprido, mas se alguém quiser fazer a análise dos demais casos citados, gostaria de saber o que resultou.

A mensagem que fica, a meu ver é: muitas vezes as tais multas milionárias são produto de regulação exagerada, e/ou péssima estatística e econometria, e/ou um desejo político incontrolável de marcar posição (se isso é feito com ambiçõs políticas maiores vamos ter que ver).

Os exemplos apresentados são importantes, pois são situações e Empresas Prestadoras de Serviços de Telecomunicações, que nos seus países adotam práticas de mercado que são condenadas pela regulamentação do setor e pelos organismos de defesa da concorrência e que tivemos a oportunidade de descrever anteriormente.

Eu acho que você pode estar "lendo" em excesso. Os órgãos reguladores europeus (porque nenhum exemplo dos EUA, Canadá, Inglaterra ou da ásia?) não são essa maravilha toda. Nem um modelo absoluto que a Anatel deva emular.

No Brasil, apesar dos mais de 10 anos do novo regime determinado pela Lei Geral de Telecomunicações, que preconiza a competição no cerne do modelo de prestação de serviços, em relação a práticas anticompetitivas, nenhuma denúncia ou processo foi acolhido pela ANATEL, assim como nenhum processo por prática anticompetitiva no setor de telecomunicações, foi tratado pelo CADE que resultasse em punição ou multas para Empresas Prestadoras de Serviços de Telecomunicações.

Já disse, embora ache correto o conceito que orienta a existência e atribuições das agências reguladoras, não sou fã da gestão praticada pela Anatel. E decididamente não sou fã da espetaculosidade tão ao gosto da Comissaris Kroes.

Estas informações sobre processos e aplicação de multas podem servir de base para se avaliar o comportamento das Empresas Prestadoras de Serviços de Telecomunicações no contexto da competição, assim como o desempenho da Agência Reguladora em relação à sua competência e aos recursos disponíveis para a gestão sobre as Empresas dominantes. Ademais, pode-se avaliar o grau de competição nos Serviços de Telecomunicações em um país, indicando um caminho mais ou menos intrusivo dos órgãos de regulação e de defesa da concorrência no mercado. No setor de telecomunicações, pelas suas características a Agência Reguladora tem um papel de suma importância, tanto na fase de regulamentação, quanto na fiscalização da prestação dos serviços.

Acho que você está dançando em torno do assunto central: até onde é razoável a intrusividade da agência reguladora? Você gosta da forma que a Secretaria da Receita Federal se intromete em sua vida a título de verificar se você está pagando todos os seus impostos federais da forma correta? Presumindo antecipadamente, sempre, que você é um sonegador? Eu não. Comigo já aconteceram dois casos sérios onde o Estado só interveio na minha vida pra me complicar, nunca para me ajudar. E se eu fosse uma empresa grande, teria esta mesma sensação.

Vários estudos destacam a atenção que tem ser dada ao órgão regulador, visando evitar influências e lobbies das Empresas Dominantes que visam, na defesa dos seus interesses a captura do legislador. O livro Poder Econômico editado em 2001 pela Manole Ltda, destaca no capitulo Legislação Econômica, Grupos de Pressão e Regulação, pg 5 e 6, a questão das várias formas pelas quais os regulados podem obter uma norma que os favoreça. Assim, quando um empresário atua no mercado em busca de um determinado objetivo, se ele não consegue atingi-lo por via diplomática, ele vai tentar obtê-lo por outras vias, pelo lobby, pela captura das agências reguladoras.

Ou pela captura direta de parlamentares, pelo patrocínio de projetos de Lei, de emendas ao orçamento e outras tantas coisas. Há quanto tempo você leu O Príncipe? Gosto mais de Maquiavel que Sun Tzu ou Myamoto Musashi. E todos eles tem mais substância concreta para o mundo dos negócios do que um monte de teorias sociológicas embrulhadas em economês, que é o que eu tenho encontrado sempre que tento ler livros do tipo que você citou.

Aliado às questões de defesa da concorrência, fatores como preço, penetração do serviço na sociedade e número de prestadores de serviço com efetiva participação no mercado podem indicar, como veremos a seguir, se a regulação deve ser aprofundada ou não para superar fatores negativos ao desenvolvimento do serviço.

Curioso... Vejo um paralelo claro entre sua argumentação e as situações descritas no comentário feito no Wall Street Journal Online ontem por Paul Ryan, Wisconsin's First Congressional District Representative (olha o voto distrital aí gente!) e chairman of the House Budget Committee. Ele comenta o livro The Price of Civilization, de Jeffrey Sachs. Vou citar apenas os dois primeiros parágrafos do artigo, e recomendo muito a leitura atenta dele todo.

Free enterprise has never lacked for moral critics. In the mid-18th century, for instance, the French philosopher Jean-Jacques Rousseau rejected the proposition that the free exchange of goods and services, and the competitive pursuit of self-interest by economic actors, result in general prosperity — ideas then emanating from Great Britain. In a commercial society, according to Rousseau, the people are "scheming, violent, greedy, ambitious, servile, and knavish... and all of it at one extreme or the other of misery and opulence." Only a people with "simple customs [and] wholesome tastes" can be virtuous.

In "The Price of Civilization," Jeffrey Sachs carries Rousseau's argument into the 21st century. Mr. Sachs, a development economist at Columbia University, believes that "at the root of America's economic crisis lies a moral crisis: the decline of civic virtue among America's political and economic elite." The book's veneer of economic analysis cannot conceal what is essentially a crusade against the free enterprise ethic of our republic.


Parece familiar? Eu acho que sim.

Eu quero uma agência reguladora séria, competente e atuante. Não um "xerifão" que, eternamente a pretexto da "assimetria do mercado de telecom" fique auto-justificando sua xeretice, bisbilhotice e intervencionice que, no fundo e ao final, apenas inibem a atividade empresarial séria.

O segundo é sobre a importância do Modelo de custos.
A questão central está ligada aos subsídios entre serviços. Por exemplo se voce presta um serviço sem competição ou numa área sem competição, voce pode atuar com um preço mais elevado carregar nos custos, enquanto que nos serviços sobre regime de competição voce retira artifialmente estes custos e pode operar com preços muito menores.

Eu sei que tem muita gente por aí que se torce todo quando eu cito Miton Friedman. Mas aqui é um desse casos de TANSTAAFL. Situação concreta de mercado: existem lugares (muitos) em nosso país onde, para conseguir fazer uma oferta decente de serviços, é necesário muito investimento. Porém é certo que, se o preço real para obter um ROI razoável for aplicado, este investimento será feito para atender apenas meia dúzia de potenciais usuários que podem pagar. É muito fácil declarar que o acesso universal ao serviço, e por preço módico, é um direito dos cidadãos, e que, portanto, a operadora deve necessariamente agir imbuída de espírito social e assumir o prejuízo. Eu discordo. Na maioria das vezes, ao propor coisas deste tipo, estão apenas fazendo aquilo que, aqui na Bahia, descrevemos como: eu que faço força, e você que fica vermelho?

Só vejo duas saídas: (a) ou a operadora usa os locais mais rentáveis para subsidiar parcialmente os locais menos ou não rentáveis (e isso não vai funcionar direito, porque nos locais mais competitivos a pressão da concorrência que não tem obrigações de universalização põe um teto nos preços praticáveis); (b) ou o próprio governo faz a caridade, subsidiando o custo real dos serviços com recursos do orçamento ou dos famosos fundos setoriais que só recolhem grana para o Tesouro, mas nada sai de lá. Gosto mais da segunda hipótese.

O grande problema atual está concentrado na oferta de meios de telecomunicações no atacado pelas Concessionárias de STFC - Local, que operam com preços que dificultam ou inviabilizam a prestação de serviços pelos seus concorrentes.

É mesmo? Aqui em Salvador a GVT está tirando o couro da Oi, e não é só nas áreas nobres da cidade, não. E está compartilhando a rede de acesso de cobre da Oi. Então o que eu vejo é que, quando a entrante quer realmente trabalhar, ela consegue sim.

Este é só um dos exemplos, pois existe uma grande variedade de opções contábeis. O modelo de custo tem por objetivo evitar estas práticas que são danosas à competição e visam eliminar os concorrentes.

Continuo achando a mesma coisa: plano de contas contábeis padronizado e definições de transações contábeis padronizadas. Dado que todo mundo hoje (aparentemente) está usando o SAP, este demonstrativo contábil padronizado seria apenas um "de-para" entre a contabilidade concreta da operadora e o modelo padronizado "pra Anatel ver". IMHO ainda daria muita margem para exercer contabilidade criativa. E o modelo seria, basicamente, inócuo.

E se você disser que vai tentar obrigar as empresas a abrirem sua contabilidade operacional sem uma ordem judicial pra isso, bem... estaríamos no caminho para um Estado policial. Sou contra.

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J. R. Smolka
 

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