José Ribamar Smolka Ramos
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Setembro 2011               Índice Geral


24/09/11

• Debate sobre o artigo de Flávia Lefèvre: "Decreto 7.175/2010 (que instituiu o PNBL) - Herança Bendita?" (6)

de J. R. Smolka smolka@terra.com.br
Celld-group@yahoogrupos.com.br
data 24 de setembro de 2011
assunto   (Celld-group) Meus comentários sobre o artigo de Flávia Lefèvre: "Decreto 7.175/2010 (que instituiu o PNBL) - Herança Bendita?"

Em 23/09/2011 20:01, Flávia Lefèvre escreveu:

Olá, Smolka
Parece que essa nossa conversa vai longe.

De fato Flávia, porém isto depende da nossa capacidade de trazer fatos novos, e não de ficarmos repisando os mesmos pontos eternamente.

Sou obrigada a começar por um erro básico que você cometeu. O primeiro esclarecimento que tenho de fazer sobre a sua interpretação do art. 175, da CF, é que, se você não fosse técnico de engenharia e fosse advogado, ela estaria beirando a malícia.

Ora Flávia... Uma hora destas nós precisamos conversar sobre filosofia do Direito, e como, lá bem no fundo, ainda existe na prática do Direito (especialmente no Tribunal do Júri) a idéia do julgamento pelo combate: Deus favorecerá a parte que tiver a Justiça ao seu lado. Curiosamente todos alegam que a Justiça está consigo, e não com o outro, que é malicioso. Enfim... Não me ofendo com sua opinião sobre meu pretenso flerte intelectual com a malícia, porque eu também percebo que você, sendo advogada, possui conceitos sobre a realidade técnica das telecomunicações que dão aparência de... vou ser politicamente correto aqui... incapacidade cognitiva, digamos.

Veja Smolka, o art. 175 fala de serviços públicos e não de regime público. Desculpe, mas não dá para sustentar que apenas os serviços prestados em regime público são serviços públicos. Você teria coragem de afirmar que o serviço móvel pessoal, que é prestado em regime privado, não é serviço público?

Tenho sim. Meu conceito de engenheiro (e liberal, e quase minarquista, e que tem mais de dois neurônios que funcionem) sobre o que é serviço público é bem restrito: educação básica universal (a partir daí garantia de continuidade educacional gratuita baseada em competência acadêmica demonstrada, moderada pela condição econômica individual), saúde pública universal, segurança pública, defesa civil e reação a desastres, forças armadas, e só. Se isso representa ser o que chamam por aí como "ser direitista", então eu assumidamente o sou.

Resumindo: os serviços públicos podem ser prestados em regime público ou privado. Aliás, o art. 65, da LGT, fala a mesma coisa. Para deixar bem claro, veja o que dispõem os arts. 21, inc. XI e 175, da CF:

Sem novidades aqui. final isto não está em conflito com a minha interpretação. Apenas as consequências da minha leitura são diferentes das consequências da sua. Por isso vou pular a transcrição do texto constitucional, ok?

Portanto, não há como escapar da obrigatoriedade de licitação para a contratação do serviço de troncos, nos termos do caput do art. 207, da LGT.

Salvo melhor juízo. Para mim não existe a obrigação, por não haver continuidade assegurada para o serviço de troncos - já que o mesmo, a meu ver, foi incorporado dentro do STFC. A argumentação disso está nas mensagens anteriores. Por causa do meu senso de engenheiro, e não de advogado, não vou ficar repetindo o que já foi escrito antes.

Agora, o segundo esclarecimento: A liminar deferida na Ação Civil Pública movida em 2008 pela PROTESTE, que discute a legalidade da troca de metas JÁ TRANSITOU EM JULGADO. O pedido principal ainda não foi julgado.

Foi o que eu disse. A liminar (ou tutela antecipada, para usar o termo jurídico apropriado) está em vigor e não poderá ser cancelada. Mas o mérito da ação não foi julgado ainda.

O Presidente do TRF-1ª Região - Desembargador Antonio Ezequiel da Silva determinou o seguinte:
"21. Nesse contexto, e tendo em vista que a Requerente (ANATEL) afirma (fl. 13), que as próprias concessionárias do STFC reconhecem que o backhaul é reversível, como foi corretamente esclarecido no site da Associação Brasileira de Concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado - ABRAFIX, cujo quadro de conselheiros é integrado pelos presidentes das concessionárias, nada recomenda que, por amor a uma alegada pureza da técnica jurídica, seja postergada uma discussão que, tudo indica, surgirá no futuro, com grande probabilidade de êxito das concessionárias, posto que, num regime democrático, em que nenhuma lesão de direito pode ser subtraída ao exame do Poder Judiciário, não será a ANATEL que dará a última palavra sobre o dever de indenizar a infraestrutura de rede que se pretende construir.

Minha leitura, em português claro, da decisão do Meritíssimo: na dúvida é melhor parar tudo até a gente poder examinar melhor do que se trata. Eu sei que você vai alardear que o que realmente move o juiz é o fumus bones juris, mas eu tenho minhas dúvidas.

22. Ressalte-se que a questão é tão importante que o Tribunal de Contas da União, segundo afirma a Requerente (ANATEL) à fl. 15, questionou o seguinte:
c) nos aditivos aos contratos do STFC, constou que a infra-estrutura a ser instalada passará a integrar o patrimônio da União - Poder Concedente? Enviar cópia de um aditivo que exemplifique a situação.

Está só justificando porque ele achou a questão importante o suficiente, e confusa o suficiente, para ser mais prudente parar tudo do que deixar a bola rolar.

23. Diante desse questionamento, a ANATEL insistiu na tese da reversibilidade implícita, sem justificar o que lhe impede de deixar expressa a questão, senão apenas alegação de melhor técnica jurídica redacional.

Evidencia que os advogados da Anatel não merecem o salário que recebem. Ô argumentação fraca, sô!

24. Contudo, atento ao fato de que compete, legalmente, a ANATEL dispor sobre as concessões na área de telecomunicações, cabe-lhe, para não atrasar ou impedir a execução do programa backhaul, restabelecer o item XIV do art. 3º dos aditivos contratuais, por ela mesma proposto, ou assumir, nos autos e perante a História, a responsabilidade expressa pela irreversibilidade de tal infraestrutura, pactuando-a explicitamente.

Ou seja: se a Anatel colocar o dela na reta pode ser. Mas ele não.

25. Até que isto ocorra, DENEGO A SUSPENSÃO DA TUTELA ANTECIPADA aqui impugnada".

Por isso deixo tudo parado até que a bagunça se resolva espontaneamente e esta ação deixe de existir; ou que as partes tragam suas alegações detalhadas, eu possa contratar um perito para me assessorar e, aí sim, tomar uma decisão sobre o assunto.

Isso foi em 14 de janeiro de 2009 e, em junho do mesmo ano, as concessionárias cederam e assinaram novos aditivos constando expressamente a cláusula da reversibilidade.
OU SEJA, O BACKHAUL É REVERSÍVEL POR ATO INEQUÍVOCO DE VONTADE DAS CONCESSIONÁRIAS QUE ASSINARAM OS ADITIVOS. Essa situação se configura como ato jurídico perfeito.

Porque a situação jurídica do tal backhaul é clara, conforme a LGT: foi incorporado ao STFC, então faz parte dos bens reversíveis. A Anatel foi burra em tentar retirar isso dos contratos. O que não quer dizer que ela não pudesse colocar no PGMU metas de expansão do backhaul para suporte a outros serviços (acesso fixo à Internet em banda larga, no caso), já que a exploração industrial do dito backhaul é um direito das concessionárias. Se a Anatel quer fazer de uma parte desta exploração industrial uma meta de universalização e as concessionárias concordam, então que conste no contrato a aceitação do que diz o PGMU.

O que não elimina, depois, a discussão sobre eventual necessidade de indenização por este investimento em caso de reversão dos bens, já que foi feito sobre a infraestrutura de suporte do STFC, mas para a sua exploração industrial, e não para o próprio STFC.

Tudo isso graças a PROTESTE e ao Poder Judiciário, pois se dependessemos só da ANATEL para defender o patrimônio público, estaríamos fritos. Tenho muito orgulho de ter vencido essa batalha!

Sou muito cético quanto a essas questões de "defesa do patrimônio público" e "interesses do povo brasileiro". E isto parece ser um fosso intransponível entre as suas idéias e as minhas.

Quanto a Portaria que estabelecia as atribuições da EMBRATEL, ela é muito importante, pois considerando que a ANATEL não fez o inventário dos bens reversíveis como manda a LGT, vamos ter de recuperar tudo no passado. Ou você defende que entreguemos tudo às teles sem nenhuma verificação do que foi entregue na ocasião das privatizações? Destaco, porém, que se essa for sua opinião, ela também está contra a lei, que determina a reversibilidade dos bens afetados à prestação dos serviços objeto dos contratos de concessão.

Minha opinião é que esta tal reversibilidade é uma burrice intrínseca da Lei. Se a empresa foi privatizada, deveria ser com todos os seus ativos. Ponto. O que pode acontecer depois? A meu ver uma entre duas hipóteses: (a) a operadora não se interessa em continuar no mercado e não participa da licitação para nova concessão; ou (b) a União, seja por qual motivo for, resolve cassar a concessão. Em qualquer caso, se a atual concessionária não alienar os ativos de rede para a nova concessionária - o que seria o normal, sempre há a possibilidade da União desapropriar, a bem do interesse público, os bens que ela julgar necessários para a continuidade do serviço e vendê-los, pelo preço apropriado, à nova concessionária. Vai gerar discussão judicial? Provaelmente sim. Mas a tal lista de bens reversíveis também gerará. Então esta solução não é intrinsecamente melhor que a minha sugestão.

Agora, Smolka, tenho uma pergunta, pois não entendi mesmo. Como se dava a separação da infraestrutura operada pelas concessionárias locais e pela EMBRATEL? A impressão que tive de seus esclarecimentos é de que a EMBRATEL só operaria conexões internacionais e transporte de dados. Mas se fosse assim, então qual o sentido daquele dispositivo da Portaria do MINICOM de 1988 (vou repetir):

Vou pular a repetição dos termos da tal Portaria. Mesmo motivo de antes. A Embratel operava todo tipo de conexão interurbana, interestadual e internacional, seja para que serviço fosse (voz, dados, o escambau). Se já era assim, em conformidade com o velho CBT, porque então foi necessário que o minicom emitisse esta portaria?

Porque mesmo antes da privatização já havia um movimento forte das operadoras estaduais em fazer concorrência (dentro da suas áreas de operação) aos serviços da Embratel. Elas construíram e começaram a operar, de facto, conexões multisserviço (ou troncos, como preferir) interurbanas, mas limitadas ao âmbito de cada Estado. E passaram a não cursar o tráfego intraestadual pelos canais da Embratel. Só repassavam a ela o tráfego interestadual ou internacional. Isso gerou mais receita para as operadoras, e menos para a Embratel. Daí a choradeira desta última, e a necessidade do minicom reafirmar via portaria o que o CBT já dizia.

Por fim, parece que chegamos ao ponto original de nossa discussão, pois, apesar de sua afirmação de que "a autorização de SRTT apenas reconhece o fato que os demais serviços são prestados sobre a rede de transmissão, concomitantemente com o STFC, e regulamenta isso", entendo que esse entendimento, pelas razões acima, contraria as obrigações de licitação (art. 175, CF) e contrato de concessão (caput do art. 207, da LGT), bem como a necessidade que esses contratos fossem firmados com outras empresas que não as concessionárias, por força das condições impostas pelo art. 86, da LGT.

Chegamos sim. Você acredita nisso, e eu não. E ambos nos consideramos bem calçados por argumentos sólidos. Alguma novidade sairá deste debate, além disso? Não sei. Não tenho esperança que você adote o meu ponto de vista, assim como não tenho inclinação a adotar o seu.

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J. R. Smolka


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