José Ribamar Smolka Ramos
Telecomunicações
Artigos e Mensagens


ComUnidade WirelessBrasil

Setembro 2011               Índice Geral


30/09/11

• Debate sobre o artigo de Flávia Lefèvre: "Decreto 7.175/2010 (que instituiu o PNBL) - Herança Bendita?" (8)

de J. R. Smolka smolka@terra.com.br
Celld-group@yahoogrupos.com.br
data 30 de setembro de 2011
assunto   (Celld-group) Meus comentários sobre o artigo de Flávia Lefèvre: "Decreto 7.175/2010 (que instituiu o PNBL) - Herança Bendita?"

Oi José Roberto,

Suas contribuições são sempre muito bem vindas. Quando nada tiramos estes grupos daquela mesmice em que se encontravam. E isto é ótimo! Só pra variar, comentários in-line :-)

Em 29/09/2011 17:06, josersp@terra.com.br escreveu:
 
Caros
Não vou entrar a fundo nesta discussão, mas gostaria de dar uma breve contribuição, vamos lá:

 
Vamos...

1- O artigo 86 da LGT é super claro, pois define que o serviço sobre Concessão, o STFC deve ser prestado por uma Empresa que não pode prestar outros serviços de Telecomunicações ou de Valor adicionado (ISP por exemplo). O mesmo grupo empresarial, através de outras empresas pode prestar os outros serviços, seguindo as regras de cada serviço.

 
Você se refere à redação antiga do art. 86. Ele foi alterado pela novíssima Lei do Audiovisual, e agora não tem mais a restrição do monosserviço para concessionárias de serviços públicos prestados em regime público (o STFC é, ató o momento, o único espécime do gênero). Mas, para efeito de discussão sobre o passado, ok. Você está certo.

2- Mas porque isso na Lei? Era a forma de evitar os subsídios cruzados, as práticas predatórias de preços e anticompetitivas (como o Bruno disse existem) e são trabalhosas para se comprovar, principalmente se os orgãos reguladores da concorrência e do setor não tem este interesse ou a competência necessária ou mesmo o incentivo. Vejam que no setor de telecomunicações existem inumeros casos em outros países, envolvendo os mesmos grupos que operam no Brasil e que foram devidamente sancionados por estas típicas Agências. No Brasil desconheço algum tipo de punição por prática anticompetitiva.
 
Vamos com cuidado. A LGT inclui nas suas provisões a criação de um instituto novo (para a época): a agência reguladora, cuja finalidade é vigiar o mercado e impedir, entre outras coisas, práticas anticompetitivas. Porém, não contente com isso, o legislador também estabelece uma separação funcional e administrativa entre concessionárias de serviços públicos prestados em regime público e os demais casos, onde o regime de prestação do serviço é privado. Esses são os fatos.

Naquele momento já havia a visão que somente o STFC seria enquadrado como serviço público no regime público de prestação? Os legisladores consideravam a priori que a agência reguladora seria incapaz de executar seu mandado a contento? Porque justificar um evento anterior com outro posterior (assumindo que não estamos sujeitos a efeitos relativísticos aqui) viola a causalidade. A incompetência da Anatel em cumprir rigorosamente suas obrigações foi uma situação construída, parece que deliberadamente, após (em muitos casos bem após) a edição da LGT. Então ou os redatores da LGT já planejavam a solapagem da Anatel ou eles eram videntes.

Outro fato posterior foi a seleção dos grupos econômicos vencedores do leilão de privatização. E eu lembro que foi uma surpresa geral, por exemplo, a Telefónica de España ter beliscado a concessão de telefonia fixa na região III (Estado de S. Paulo). Então como justificar a previsão legal antecipada sem conhecimento do evento futuro? Preconceito, extrema precaução ou clarividência?

Inúmeros casos em outros países envolvendo os mesmos grupos econômicos, você disse... Dá pra exemplificar concretamente? Onde, exatamente, e de que forma, a Telefónica, a MCI (compradora original da Embratel) ou a Telecom Italia (participante do consórcio comprador da Brasil Telecom) foram punidas pelas agências reguladoras locais? O escândalo de governança corporativa da MCI não é exemplo válido.

Com relação ao Brasil, existe agora o fato novo da Justiça ter ordenado que a Anatel desse publicidade aos processos relativos a PADOs. Medida que já veio tarde. Mas esta atitude da Anatel é simplesmente mais um sinal da má gestão à qual a agência foi relegada, IMHO com a clara intenção política de "esvaziá-la" em favor do velho esquema de concentração de todos os poderes no minicom.

Por fim ainda acrescento o seguinte: na época de redação da LGT já era visível, para qualquer pessoa que acompanhasse o mercado mundial de telecom, a tendência das operadoras prestarem todos os tipos de serviço. Mas como no Brasil existe a instituição do "coitadismo", fez-se todo o esforço para impedir que os Grandes Lobos Maus (operadoras) conseguissem devorar as Vovozinhas e as Chapeuzinhos Vermelhos (principalmente os pequenos ISPs nacionais). Para mim parece apenas um caso de lobby bem sucedido.

3- Claramente a LGT não está sendo cumprida, até porque a tendência dos serviços é de convergência o que contraria esta regra de separação por serviço. Cabe comentar que esta convergência de serviço com a elevada concentração de mercado em poucos grupos econômicos é danosa à competição e por conseguinte ao atendimento ao consumidor na qualidade e preços e por isso deve ser combatida. Onde as Agências funcionam existe um intenso trabalho visando evitar as práticas anticompetitivas. Em resumo se a defesa é fraca o outro time sai fazendo gol.

 
É. Aquela tendência, já visível mas ignorada na época da redação da LGT, hoje está aí para quem quiser ver, como uma realidade de mercado. Temos duas opções simples: continuar com um marco regulatório anacrônico e conviver com a tensão crescente entre a vida real e a idealização utópica da Lei; ou mudar para um marco regulatório mais adequado à realidade atual e futura (dentro de parâmetros razoáveis de futurologia).

Do jeito que está hoje fica mais fácil para as operadoras organizarem-se em grupos que fazem de tudo, com footprint nacional. Atualmente o cenário brasileiro caminha para quatro, talvez cinco grupos: Telefónica (inclui Vivo e TVA), Oi, TIM (inclui Intelig), Américas Telecom (inclui Claro, Embratel e Net) e a GVT como candidata ao 5º posto. Se for bem administrado, dá para ter competição neste cenário, sim!

Agora, se depender da forma como o marco regulatório vem sendo administrado pela Anatel (com a onipresente sombra do minicom), não vejo muita chance de melhoria.

4- Não é por acaso que o setor de telecomunicações, considerado como mercado imperfeito, tem que ser regulado e fiscalizado e esta é a pratica adotada em vários países.

Acho que o termo é: mercado naturalmente assimétrico. isto vale para todos os mercados de utilities (telecom, energia, água e esgoto, etc.).

5- Então o que deveria ter sido feito? Rever a LGT neste artigo é um caminho para possibilitar a consolidação dos serviços em uma empresa, mas desde que tenha proteções para garantir a competição

 
Tem que rever não só a LGT, mas todo o marco regulatório dela derivado. E ainda acho melhor o modelo da agência reguladora em vez de voltar o poder todo ao minicom.

6- Em alguns países a prática regulatória recomenda que sejam aproveitadas as situações onde o prestador  de serviço tem algum interesse do regulador em aprovar uma fusão ou mesmo fugir de um controle mais intenso do regulador e assim adota medidas de comum acordo para que a competição realmente aconteça. Um caso expressivo é o do Reino Unido que negociou com a BT a a separação funcional e está dando certo. Existem várias outras experiências de desagregação da rede local na Europa e Asia que produziram resultados.

 
Este é um dos problemas a resolver. Concordo que um unbundling das redes de acesso (inclusive as celulares?) à la OpenReach é uma saída interessante, embora não necessariamente a única.

7- Particularmente defendo a separação funcional da rede dos serviços prestados, pois é compatível com a convergência de serviços e faz com que o prestador de serviço dominante no mercado trate o seu concorrente como um cliente no fornecimento de meios de telecomunicações no atacado. A competição seria no varejo com as diferenciações para conquista dos clientes.

 
Eu vejo como absolutamente necessário separar o marco regulatório das redes de acesso e transporte do marco regulatório dos serviços (e, neste contexto, voz é apenas mais um serviço). Acho que o modelo de poucos grupos nacionais faz até sentido na questão das redes de acesso e transporte, mas nos serviços seria melhor uma pulverização maior. No geral é como se todos os provedores de serviço atuassem como MVNOs, adquirindo capacidade de transporte e acesso conforme a realidade comercial de cada região.

8- Outras questões como modelo de custos que ainda não foi implementado no Brasil (sem explicação) seriam medidas e controles que favoreceriam a competição e trariam benefícios para o consumidor.
 
Para que, exatamente, deseja-se um modelo de custos padrão? Para comparar o desempenho operacional das diversas operadoras? No que, exatamente, isto é melhor que o balanço já publicado por elas (e que pode ser mantido como obrigatoriamente público, mesmo em caso de fechamento do capital da empresa)? Só porque passaríamos a ter acessso a cada item do plano de contas? E isto evitaria os alegadamente perniciosos subsídios cruzados? Aliás, perniciosos porque, exatamente? Porque queremos que a política operacional seja de não penalizar o custo do serviço em regiões de baixo consumo para manter baixo o preço em regiões de grande concorrência, ou vice-versa? isto me parece fazer caridade com o chapéu alheio, porque nenhuma atividade comercial em escala nacional deixa de ter este tipo de problema. Ou alguém aí acha que o preço da pasta de dente no interior da amazônia é igual ao dos mercados de São Paulo? E, nos casos onde o preço final ao consumidor é tabelado (como, por exemplo, no caso dos cigarros) pode ter certeza que tem um lado subsidiando o outro. Então qual é o grande problema com telecom, afinal, que tem que ser diferente de todo o resto neste aspecto?

9- Estas não são idéias novas, pois estão registradas na minha tese de mestrado em economia e publicadas no blog no cell group.
 
Tô começando a achar que um dos meus problemas é não ter feito meu próprio mestrado :-) .
 
Espero ter contribuído para o debate.
 
Sempre. E muito bem vindo.

[ ]'s

J. R. Smolka
 

ComUnidade WirelessBrasil                     BLOCO