José Ribamar Smolka Ramos
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Janeiro 2012               Índice Geral


20/01/12

• José Smolka comenta os documentos apresentados pela Oi pedindo a impugnação quase todos os artigos dos recém publicados Regulamentos de Gestão da Qualidade (RGQ) dos serviços SCM e SMP - Parte 02

de J. R. Smolka  (foto)     smolka@terra.com.br por yahoogrupos.com.br
para "wirelessbr@yahoogrupos.com.br" , "Celld-group@yahoogrupos.com.br"
data 20 de janeiro de 2012 15:50
assunto [Celld-group] RGQ-SCM e RGQ-SMP: análise da impugnação da Oi (parte 2)

Oi pessoal,

Quero esclarecer que a forma como inicio o texto não expressa nenhuma preferência pela operadora que reclamou a anulação dos regulamentos de gestão de qualidade do SMP e do SCM  :o)

Para terminar a questão da alegação de vício de motivação, no documento que pede a anulação do RGQ-SMP levanta-se também a impropriedade técnica do estabelecimento de metas para velocidade de transmissão instantânea e média idênticas para a rede fixa (SCM) e para a rede móvel (SMP). Argumenta a Oi que a rede móvel tem especificidades que tornam a adoção dos mesmos critérios nos dois casos.

Minha tendência é concordar com este tópico, embora não exatamente pela argumentação levantada pela Oi.
As redes de acesso do SCM (essencialmente DSL) e do SMP (HSPA, com resíduos EDGE, entrando em serviço HSPA+ e, em breve, LTE) possuem características significativamente diferentes. Em redes DSL não há interferência de capacidade entre o serviço de voz e o serviço de dados, que trafegam separados em frequência.

Nas redes EDGE/HSPA/HSPA+ (o LTE será outra questão) voz e dados disputam capacidade no mesmo setor/célula. O caráter estatístico da rede DSL limita-se à flutuação do agregado de tráfego dos usuários conectados ao mesmo DSLAM, e dos DSLAMs ao BRAS. Nas redes EDGE/HSPA/HSPA, além desta mesma flutuação estatística do agregado do tráfego dos usuários na árvore BTS/Node-b, BSC/RNC, SGSN e GGSN, existe um componente estatístico adicional provocado pelo handover dos usuários entre setores/células.

Outra diferença a considerar entre as duas redes de acesso está no tipo de dispositivo usado pelo usuário. Nas redes DSL o dispositivo do usuário ainda é, essencialmente, o computador pessoal, com a maioria dos usuários utilizando o sistema operacional Windows e o restante dividindo-se entre os sistemas operacionais MacOS e Linux. Isto está começando a mudar, com os acessos DSL assumindo o papel de uplink da rede doméstica do usuário (tipicamente WiFi), e novos dispositivos compartilhando o acesso - o primeiro grande exemplo são as TVs conectadas.

Já nas redes EDGE/HSPA/HSPA+, além dos computadres pessoais conectados via mini-modems (dongles), existem os tablets e smartphones a considerar. O sistema operacional que parece estar prevalecendo neste tipo de dispositivo é o Android, com o Windows Mobile correndo atrás do prejuízo (existem outros sistemas operacionais, mas os fabricantes de dispositivos que os usam estão gradualmente "gravitando" para uma das duas opções principais).

Tudo isso indica que o cenário de avaliação de desempenho de conexões de banda larga é hoje bem mais complexo (e evoluindo rapidamente) do que naqueles estudos de apenas 2 ou 3 anos atrás. Minha opinião, portanto, é que cabe, sim, uma revisão dos conceitos aplicados aos indicadores do SMP (e, possivelmente, do SCM também), para adequá-los às suas peculiaridades de rede de acesso, tipo de dispositivo de acesso e perfis de utilização pelos usuários. Mais um ponto a favor do pleito pela elaboração de um AIR para ambos os serviços.

A seguir a Oi apresenta, em ambos os documentos, uma afirmativa que definitivamente não tem procedência: a de que, dado o caráter estatístico da Internet (que é uma rede de comutação de pacotes, e não uma rede determinística baseada em comutação de circuitos - caso típico do STFC) e o regime de transmissão dos pacotes IP na rede ser não-orientado à conexão (connectionless ou best-effort delivery), então não é possível estabelecer metas rígidas de desempenho.

Primeiro: redes por comutação de circuitos também tem sua dose de estatística no seu planejamento de capacidade;
 -segundo: os preceitos estatísticos que foram desenvolvidos por Erlang aplicam-se, também, às redes de comutação de pacotes; e
- terceiro: o grau de dificuldade no planejamento de capacidade de uma rede de comutação de pacotes cresce com a sua amplitude, então planejar a capacidade dos enlaces DSL-DSLAM-BRAS, ou BTS/Node-b-BSC/RNC-SGSN-GGSN representa um nível de complexidade, enquanto levar o horizonte de planejamento até a borda de interconexão da rede IP da operadora com outras redes (a Internet é um dos casos desta interconexão, mas com a progressiva adoção da arquitetura NGN estas interconexões serão cada vez mais comuns) aumenta esta complexidade, mas não impossibilita o planejamento.

Certamente não é possível (por falta de possibilidade de adoção de critérios comuns de planejamento) estender o horizonte de planejamento de capacidade para englobar toda a Internet, e assim garantir a qualidade fim a fim de qualquer serviço que o usuário queira acessar, esteja o provedor do serviço localizado no Brasil, na América Latina, na América Central ou do Norte, na Europa, na Ásia ou na Oceania (ou até mesmo na Antártida ou no espaço).

O que ocorre é que, quanto maior a incerteza, maior deve ser a reserva de capacidade para garantir, dentro de um grau de probabilidade estabelecido, que a mesma fração do tráfego irá experimentar boas condições de transmissão. E a quantidade de recursos em reserva para garantia do desempenho e da disponibilidade não cresce de forma linear com o aumento de rigor das metas. Exemplo: melhorar a disponibilidade da rede de 95% para 97% custa muito menos que melhorá-la de 97% para 98%, e este custo é bem menor que o necessário para passar de 98% para 99%. Em geral estes crescimentos de custo são exponenciais. Portanto quando a Anatel escolhe estabelecer metas mais agressivas que o observado em pesquisas - e até mais agressivas que o praticado em outros países - ela precisa ter noção do tipo de custo imposto às operadoras para conseguir atender estas exigências.

E este é o ponto central da próxima linha de argumentação dos documentos apresentados pela Oi.
Sustenta ela que o governo não pode impor arbitrariamente metas de desempenho mínimo obrigatório aos autorizatários de serviços de telecom prestados em regime privado, como é o caso do SCM e do SMP, porque:
(1) o art. 126 da LGT diz que a exploração dos serviços de telecom no regime privado obedecerá os princípios constitucionais da atividade econômica;
(2) o caput e o inciso I do art. 128 da LGT estabelecem que os condicionamentos da Anatel devem seguir o princípio de mínima interferência na vida privada, e que restrições e interferências em serviços prestados em regime privado devem ser exceção, e não regra; e
(3) o art. 174 da Constituição Federal reza que as funções de fiscalização, incentivo e planejamento do Estado estabelecem obrigatoriedades para o setor público, mas são apenas indicações para o setor privado.

Por último, mas não menos importante, existe a questão da interpretação correta da obrigação imposta à Anatel pelo art. 2º do Decreto 7.512 de 30/06/2011. Aqui - contrário à minha índole - tenho que citar literalmente.

Art. 2º  A Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL deverá adotar, até 31 de outubro de 2011, as medidas regulatórias necessárias para estabelecer padrões de qualidade para serviços de telecomunicações que suportam o acesso à Internet em banda larga, definindo, entre outros, parâmetros de velocidade efetiva de conexão mínima e média, de disponibilidade do serviço, bem como regras de publicidade e transparência que permitam a aferição da qualidade percebida pelos usuários.

Grifos meus. Isso é que dá querer "pegar carona" legislativa em outros assuntos. Alguém resolveu aproveitar que iria ser publicado o Decreto 7.512 para aprovação do PGMU (que se aplica ao STFC) e aproveitou para "dar outras providências" com relação à qualidade das conexões de banda larga à Internet (art. 2º) e definir licitações de faixas de frequência (arts. 3º e 4º). Toda a questão gira em torno do real significado da expressão "estabelecer padrões de qualidade". Padrão, por definição, é algo que serve como referência para comparação. O significado atribuído ao resultado desta comparação pode ser a aceitação/rejeição de um resultado por estar acima, abaixo ou fora de uma faixa do valor aceitável. Até aqui nenhum problema. a Anatel certamente editou a sua visão de quais são os padrões de qualidade desejáveis (embora não tenha explicado porque estes padrões, e porque estes valores de aceitação). O problema está no objetivo para o estabelecimento destes padrões. Minha leitura para a expressão final grifada em negrito é que isto tudo destina-se a informar aos usuários, e não para impor obrigações mínimas de desempenho às autorizatárias do SCM e do SMP. Então parece-me que, com o RGQ-SCM e o RGQ-SMP da forma que estão, a Anatel extrapolou a sua obrigação. O que defnitivamente não procede na argumentação da Oi é a tentativa de equiparação desta "carona" legislativa no Decreto de aprovação do PGMU com a inclusão do RGQ-SCM e do RGQ-SMP dentro do PGMU.

Enfim, este excesso regulatório para atender a uma pretensão basicamente informativa é a base para a alegação de descumprimento ao princípio de proporcionalidade. Os meios empregados pela Anatel para atendimento ao que pede o art. 2º do Decreto 7.512, embora possam ser defendidos como necessários, não são nem adequados nem proporcionais no sentido estrito, já que impõem custos que podem impedir o próprio desenvolvimento do serviço ou que acabarão penalizando o próprio usuário.

Sintetizando, o raciocínio indutivo seguido pela Oi é o seguinte:
(a) metas obrigatórias mínimas impõem custos para o seu atingimento;
(b) imposição obrigatória de custos é equivalente a obrigações de universalização; e
(c) obrigações de universalização só se aplicam a serviços prestados em regime público (cujo único exemplar é o STFC).

Não é uma indução especialmente bem feita, mas sou obrigado a reconhecer o fato: do jeito que está a Anatel está, sim, impondo custos significativos às operadoras do SMP e do SCM. Isto é legal para os serviços prestados em regime privado? Salvo alguma argumentação jurídica muito convincente, acho que não. Ponto para a Oi.

Um outro fator, pouco explorado em minha opinião, é a escolha da Anatel em limitar a aplicação do RGQ-SCM a operadoras com mais que 50.000 assinantes. No item 4.2.3.7 da Análise 870/2011/GCJR são apresentados os prováveis afetados pelo RGQ-SCM. The usual suspects: Oi, Net, Telesp, GVT, CTBC, Embratel, Sercomtel e - para temperar - a desconhecida (pelo menos para mim) Cabo Serviços de Telecomunicações Ltda. Ou seja, os usuários de inúmeras localidades, e mesmo de áreas significativas das grandes áreas urbanas, que são atendidos por autorizatárias do SCM de menor porte, não teriam nenhuma informação sobre como está o nível de qualidade dos seus provedores. Ou a Anatel imagina que estes provedores de menor porte irão simplesmente aderir voluntariamente ao processo de medição e divulgação dos dados coletados?

O próximo bloco de alegações da Oi relaciona-se à impropriedade do uso do Código de Defesa do Consumidor (CDC) como argumento para justificar intervenções do estado sobre a atividade econômica privada, visto que o objetivo do CDC é assegurar um relacionamento contratual - de comércio e serviços - equilibrado quando uma das partes é pessoa física. Acho isso até razoável, mas a argumentação descamba demais para os princípios do Direito. Não é minha especialidade, por isso não vou me meter neste assunto.

Quanto à alegação de bis in idem, no caso do indicador SCM2 ele não procede, porque o denominador da fórmula deste indicador não é o número de acessos em serviço, mas o número total de reclamações recebidas na operadora, que vem a ser o numerador da fórmula de cálculo do indicador SCM1. Mas, com relação aos indicadores SCM1 e SCM12 existe tanto o problema do bis in idem quanto a inconsistência dos valores das metas reclamados pela Oi.

O indicador SCM1 é calculado assim:
SCM1 = [[Nº de reclamações recebidas pela operadora] / [Nº de acessos em serviço]] × 100

E o indicador SCM12 é calculado assim:
SCM12 = [[Nº de solicitações de reparo] / [Nº de acessos em serviço]] × 100

O nº de solicitações de reparo é um subconjunto do nº de reclamações recebidas. E, como para duas frações de mesmo denominador, a menor delas será a que tiver menor denominador, sempre teremos que o valor do SCM12 será menor ou igual ao valor do SCM1, entretanto o RGQ-SCM estipula que as metas para o SCM1 são, progressivamente, de 6%, 4% e 2%, enquanto que as metas para o SCM12 nos mesmos períodos são de 8%, 7% e 5%. Isto é impossível, porque contraria a aritmética.

Com relação ao RGQ-SMP a Oi prossegue até o fim contestando a metodologia de cálculo dos vários indicadores relativos a atendimento e completamento de chamadas, que eu prefiro comentar em outro post.

Já na impugnação do RGQ-SCM, a Oi termina argumentando da insegurança jurídica criada pelo art. 8, em função dele permitir que a Anatel use outros métodos, que não os estipulados pelo regulamento, para calcular qualquer indicador, e que em caso de divergência de resultados o indicador da Anatel tem prevalência. Este é um ponto que eu sou obrigado a concordar veementemente com a Oi. Esta determinação é arbitrária e excessiva. No mínimo este é um pleito que deve ser acatado pela Anatel, por não fazer o menor sentido, nem técnico nem jurídico.

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J. R. Smolka


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