Michael Stanton

WirelessBrasil

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02/10/2000
Conectividade universal na Internet

Da mesma forma que a Internet, a rede global de telefonia não tem uma administração central, mas depende da colaboração entre um número elevado de provedores de serviços para que seja possível oferecer um serviço universal. Historicamente, serviços de telefonia não eram universais, existindo em alguns países e cidades operadoras concorrentes que não praticavam colaboração entre si. Nesta situação seria necessário assinar os serviços de diversas companhias telefônicas para poder falar com seus outros assinantes. Evidentemente, numa situação deste tipo, as pessoas iriam preferir assinar o serviço com a maior cobertura, pois o valor de um serviço de telefonia reside em ter o maior número possível de correspondentes. A tendência é de produzir um "monopólio natural", onde apenas uma empresa domina o mercado. Em diferentes países, os governos naturalmente interferiram nesta situação, para regulamentar o mercado, como nos EUA, ou para estatizar o monopólio, como em muitos países, inclusive este. Mais recentemente, mudou-se aqui para o modelo de mercado regulamentado (pela Anatel). Esta regulamentação inclui a obrigação de interoperação entre as operadoras, e a remoção (gradativa) de barreiras à concorrência entre provedores de serviço de chamadas interurbanas e internacionais.

Como seria a situação de serviço universal na Internet? Da mesma forma que na rede telefônica, a conectividade universal é a característica mais útil da rede, e não prosperará um provedor de acesso que não a forneça a seus clientes. Porém, esta conectividade depende, como no caso da telefonia, da colaboração entre os diversos provedores. Estes podem ser classificados entre de conteúdo, de acesso e de backbone. Os provedores de conteúdo são os provedores de serviços de informação, como os grandes portais, bem como as livrarias, bancos, empresas de transporte, e assim em diante. Em geral, estes não provêem conectividade. Isto é feito pelos provedores de acesso, que atendem a indivíduos e provedores de conteúdo, fornecendo-lhes a conectividade. Um provedor de acesso, por sua vez, precisa prover conectividade universal para seus clientes, e a obtém através de um provedor de serviço backbone. Estes provedores normalmente dão cobertura regional, nacional ou até internacional, e fornecem as interconexões necessárias para permitir o acesso a provedores de conteúdo não servidos por nosso provedor de acesso. O funcionamento em larga escala da Internet depende fundamentalmente do funcionamento dos backbones, e especialmente nas suas interconexões.

Quando começou a Internet no País, havia apenas um backbone nacional, que era da RNP (Rede Nacional de Pesquisa), mantida pela Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), e diversos backbones regionais, mantidos por governos estaduais. Quando abriu-se a Internet brasileira para uso comercial no meio dos anos 90, apareceram outros backbones, sendo o maior entre estes o da Embratel. Mais recentemente, outras operadoras de telecomunicações montaram seus backbones e há muitas alternativas hoje em dia. Porém, o cenário comercial é dominado atualmente pelo backbone da Embratel, apoiado fortemente pela "verticalização" do seu negócio: apesar de ter sido alijado do mercado de provimento de acesso discado, por acordo entre MCT e Minicom em 1995, sua presença é forte no provimento de acesso a empresas, especialmente os provedores de conteúdo. Adicionalmente, provê a infra-estrutura de telecomunicação que é essencial para montar as redes de dados. Estima-se que 90% do tráfego nacional corre hoje pelo backbone da Embratel.

As interconexões entre os backbones são a chave à conectividade universal. As relações entre os backbones são de dois tipos: paritárias e de trânsito. Numa relação paritária, os dois backbones aceitam trocar tráfego entre si, para que os clientes (diretos e indiretos) de um possam se comunicar com os clientes do outro. Os custos da interconexão serão rachados entre os dois. Esta é a relação entre os backbones da Embratel e da RNP. Tipicamente, numa relação paritária, existirão diversos PTTs - pontos de troca de tráfego, para tornar mais eficiente a interação. Na última semana de setembro foi anunciada que já foi instalado o terceiro PTT entre estes dois backbones, que agora se fazem conexões em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília (www.rnp.br/noticias/2000/not-000925.html).

Em caso de grande desigualdade de tamanho entre os dois backbones, ao maior não será interessante comercialmente estabelecer uma relação paritária, porque as vantagens serão quase todas do menor, o qual ganhará acesso aos clientes do maior, por um investimento menor em infra-estrutura. Para estes casos, o backbone maior oferecerá apenas o serviço de trânsito para o menor. Isto significa que o backbone menor se tornará cliente do maior, e lhe pagará para usar sua conectividade maior para o benefício dos seus próprios clientes. A grande maioria dos backbones terão papéis subalternos desta forma. Os principais backbones de um determinado país são aqueles que mantêm apenas relações paritárias com outros backbones - são os backbones do primeiro escalão. Para dar uma idéia da situação nos EUA, lá tem apenas cinco backbones do primeiro escalão, que mantêm relações paritárias entre si. Os demais são clientes de um ou mais destes.

Foi publicado no final de setembro um estudo da Federal Communications Commission dos EUA sobre o mercado de backbones nesse país (www.fcc.gov/Bureaus/OPP/News_Releases/2000/nrop0002.html). Este estudo apresenta o funcionamento das relações paritárias e de trânsito, e examina se o mercado está funcionando convenientemente. Para o autor deste estudo, o ideal seria um mercado competitivo, com vários backbones do primeiro escalão, e sua avaliação do cenário norte-americano é que isto está acontecendo atualmente, embora ele expresse reservas sobre a situação futura, com a oferta de serviços de tempo real (veja a coluna de 21 de agosto). Seria possível neste caso que um backbone não vá querer trocar tráfego de tempo real com outros, e tentará a atender seus clientes sozinho, levando a uma "balkanização" da nova Internet. Neste caso, ele admite a introdução de regulamentação governamental da indústria de backbones para corrigir os rumos.

O que dizer da situação nacional? Por falta de concorrente do seu tamanho, a Embratel ainda pode ditar as formas de relacionamento praticadas com os demais backbones, inclusive os preços cobrados pelas relações de trânsito. Porém, a situação poderá estar mudando com o aparecimento de novos concorrentes neste mercado. Durante muito tempo a Embratel lucrou muito pela posição estratégica que ocupa, mas a desestatização da indústria de telecomunicações e a abertura do mercado possibilitam a concorrência, tanto no fornecimento de infra-estrutura de telecomunicação como na operação de backbones. Cabe aos órgãos competentes, tais como o Comitê Gestor Internet, monitorarem a situação, e proporem remédios, caso o mercado competitivo não venha a se materializar em tempo hábil.