Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2001       Página Inicial (Índice)    


26/02/2001
Esperteza não tem fim, espírito público sim

Na coluna de 5 de fevereiro foi discutida a situação incômoda das instituições de ensino superior e pesquisa, que seriam obrigadas a mudar para o domínio "edu.br" seus nomes Internet já sagrados por até 10 anos de uso. Felizmente, prevaleceu o bom senso, e o Comitê Gestor Internet/BR já aceitou as ponderações da comunidade acadêmica, permitindo-lhe manter o uso dos nomes históricos (v. a nota publicada em 19/2 em www.cg.org.br/dominios/nota-edu.htm).

Voltamos hoje ao estopim da crise que levou o Comitê Gestor a encerrar o registro automático diretamente debaixo da raiz .br de nomes de domínio para as instituições de ensino superior, que foram as peripécias da Faculdade Oeste Mineira de Informática - FIOM, com sede em Divinópolis, MG. Esta entidade, aproveitando do privilégio de cadastrar domínios diretamente sob o .br, já o fez, mais de 60 vezes, e já é responsável pelos seguintes domínios:

Acabamentos.br, Advocacia.br, Agro.br, Aluguel.br, Arquitetura.br, Arte.br, Auto.br, Baby.br, Bar.br, Brindes.br, Cao.br, Car.br, Carnaval.br, Casa.br, Chique.br, City.br, Club.br, Clube.br, Computador.br, Computer.br, Confeccao.br, Construcao.br, Contabilidade.br, Cook.br, Dentista.br, Diet.br, Emp.br, Empregos.br, Escola.br, Esportes.br, Festa.br, Festas.br, Futebol.br, Games.br, Idoso.br, Imoveis.br, Kid.br, Lar.br, Lazer.br, Ltda.br, Medico.br, Moda.br, Music.br, Musica.br, Noivas.br, Page.br, Palm.br, People.br, Pesca.br, Pets.br, Pg.br, Restaurante.br, Rock.br, Seguranca.br, Servicos.br, Shows.br, Sites.br, Software.br, Som.br, Tour.br, Videos.br.

Curiosamente, não se importou em registrar o domínio fiom.br, o que seria normal para uma instituição que tivesse a pretensão de usar a Internet para fins educacionais.

As intenções da FIOM agora estão públicas e transparentes. Durante os últimos dias, o sítio "www.sites.br" vinha anunciando um serviço de criação de páginas WWW, com endereço de domínio próprio, dentro de um dos domínios da lista acima. Por exemplo, os grêmios carnavalescos Mangueira, Camisa Verde e Galo da Madrugada poderiam ter os endereços de rede "mangeira.carnaval.br", "camisaverde.carnaval.br" e "galodamadrugada.carnaval.br", e assim em diante. Em outros palavras, estava sendo oferecido um serviço de provimento de nomes de domínio, de segundo nível, em concorrência direta com aqueles oferecidos pelo Registro.br (www.registro.br) , que fica subordinado à autoridade do Comitê Gestor. É claro que as condições técnicas não eram idênticas (o serviço da FIOM permitia apenas a criação de uma página WWW, de estilo padronizado, enquanto o registro de um nome no Registro.br permite que seja criada uma subárvore de nomes, apropriada para uso por uma organização inteira), e os preços eram diferenciados (o serviço da FIOM era gratuito). Esta vez o Comitê Gestor agiu rapidamente, e mandou "congelar" os domínios da lista da FIOM no dia 23/2. Isto significa que eles desapareceram da árvore de nomes .br e não estão mais acessíveis através do DNS (Domain Name System).

O que está em jogo aqui é o controle do espaço de nomes de domínio usados no país. A subárvore de nomes .br teve sua administração delegada para a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) pela IANA (Internet Assigned Numbers Authority) em 1988. Na época, a Internet era apenas da comunidade acadêmica, e a FAPESP agiu para ajudar organizar o campo virgem. Com o crescimento da Rede nacional, e a subseqüente adoção da tecnologia Internet, a administração dos nomes se tornou uma tarefa maior, e mais crítica, pois requeria o bom funcionamento do serviço DNS. A administração dos nomes .br continuou com a equipe da FAPESP, mesmo depois do início da Internet comercial no País e da criação do Comitê Gestor em 1995. Desde então, o Comitê Gestor dita as regras do funcionamento, e a FAPESP as implementa.

Desde dezembro de 1994 a FAPESP também administra endereços IP (como 200.20.15.165), alocando-os a instituições usuárias nacionais, normalmente através da intermediação das redes "backbone". Nesta data foi lhe outorgada a condição de "registro nacional" pela IANA, e concedido um bloco grande de endereços (200.128.0.0 a 200.255.255.255), do qual vêm a grande maioria dos endereços IP usados atualmente no País. Esta iniciativa economizou muito dinheiro a instituições nacionais, pois posteriormente o serviço de administração de endereços para a região América Latina e o Caribe foi encampado pela empresa ARIN (American Registry for Internet Numbers) (http://www.arin.net), que hoje cobra uma taxa anual mínima de US$ 2.500 por um bloco de 4096 endereços. Atualmente, a FAPESP não cobra nenhuma taxa para alocação de endereços IP.

A partir de 1998, foi regulamentada a cobrança de taxas pelo serviço de registro de nomes de domínio, em "valores compatíveis com os vigentes internacionalmente". Atualmente são cobrados R$40 pelo registro inicial e uma anuidade de R$40. Segundo a resolução que estabeleceu a cobrança, "o produto da arrecadação decorrente das atividades de que trata esta Resolução deverá ser utilizado pela FAPESP para ressarcir-se dos custos incorridos com as mesmas e para promover atividades ligadas ao desenvolvimento da Internet no Brasil", ficando claro que é o Comitê Gestor que aprova os dispêndios a serem feitos (www.cg.org.br/regulamentacao/resolucao002.htm). Atualmente tem quase 375.000 domínios pagantes registrados, o que implica num montante de quase R$ 15 milhões em anuidades. Como o número de domínios cresce fortemente (mais de 100.000 desde julho de 2000), é considerável também o montante das taxas iniciais. Entretanto o fruto da cobrança destas taxas é reaplicada na própria atividade de melhoria do serviço prestado.

Existem outras propostas, da iniciativa privada. A empresa BulkRegisterBrasil (http://bulkregisterbrasil.com) se oferece como intermediária entre o usuário final e os registros de nomes de domínios, no País e fora dele, como uma espécie de "ciberdespachante". Por exemplo, cobra R$ 152,82 por ano para registrar e manter um domínio .com.br durante um ano (a FAPESP cobra R$ 80 no primeiro ano, e R$ 40 em anos subseqüentes). Por outro lado, provê servidor DNS para seus clientes, caso não o tenham. Esta empresa, entre outras, está pressionando para que seja privatizado o serviço de registro atualmente prestado pela FAPESP, argumentando que, neste caso, os preços baixariam, e os clientes seriam melhor atendidos. Evidentemente, o serviço pode ser altamente lucrativo, pois seu uso é obrigatório para quem utiliza a Internet. Resta ver se queremos cartorializar este serviço, privatizando seus lucros, ao invés de deixá-lo ser prestado por uma instituição pública, que vem mostrando sua capacidade e eficiência, e que demonstravelmente aplica o produto deste serviço em benefícios da comunidade de usuários.

Por outro lado, face ao forte crescimento da receita do Registro.br em conseqüência direta do crescimento da Internet nacional, é lícito perguntar se não deveriam ser reduzidas ainda mais as taxas cobradas pelo serviço prestado pelo Registro.br. A tabela de preços da BulkRegisterBrasil pela criação de um domínio (.com, .net ou .org) indica um custo em torno de US$ 25 por ano, o que é inferior ao custo do Registro.br para períodos de até 3 anos. É de se perguntar também se as taxas cobradas por nomes de domínio de pessoas físicas não deveriam ser (bem) menores do que de pessoas jurídicas. Menos de 9000 pessoas já registraram domínios próprios, e o custo alto parece funcionar como forte desestímulo ao florescimento desta iniciativa interessante do Comitê Gestor.

Voltando ao caso da FIOM, é importante reconhecer que a situação que a envolve decorre de uma tentativa dela tentar se valer de um privilégio concedida a entidades de ensino superior, para criar condições de comercializar serviços que nada têm a ver com esta característica. O Comitê Gestor agora refinou a definição deste privilégio, exigindo, com toda propriedade, que o nome de domínio registrado (gratuitamente, diga-se de passagem) seja relacionado com o nome verdadeiro da entidade, e prevendo a extinção de todos os nomes registrados diretamente sob a raiz .br, que não exibam este relacionamento.