Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2001       Página Inicial (Índice)    


02/05/2001
Eleições pela Internet

A descoberta da subversão do painel do Senado de fato trouxe os holofotes para a questão da segurança das urnas eletrônicas. Além de dar gás à discussão no próprio Senado do projeto de lei do senador Requião, notada na coluna da semana passada, a Câmara dos Deputados também resolveu investigar este assunto, através de subcomissão da Comissão de Constituição e Justiça (www.estadao.com.br/agestado/noticias/2001/abr/24/253.htm). O assunto também mereceu investigação em maior profundidade pela grande imprensa, com cobertura recente pelo Jornal do Brasil (www.jb.com.br/jb/papel/brasil/2001/04/28/jorbra20010428001.html) e pela Folha de São Paulo, na sua edição de 1o de maio. Isto é ótimo, pois é um assunto que obviamente precisa de atenção e discussão públicas, e estava sendo mantida longe dos manchetes.

A intenção hoje é discutir aqui um assunto correlato, que é a reforma das eleições nos EUA, e a alternativa de realizar eleições através da Internet. Há algumas iniciativas tomadas nesse país, que têm como foco estas preocupações. A mais antiga foi do estado de Califórnia, que publicou relatório em janeiro de 2000 sobre a questão do aproveitamento da Internet para a realização de eleições (www.ss.ca.gov/executive/ivote). As conclusões do estudo da Califórnia foram estendidas por outro estudo, encomendado pela National Science Foundation (NSF) - o equivalente do nosso CNPq - e realizado pelo Internet Policy Institute (IPI). O IPI publicou seu relatório em março de 2001 (http://www.internetpolicy.org/research/results.html), e um sumário se encontra numa nota à imprensa da NSF (http://www.nsf.gov/od/lpa/news/press/01/pr0118.htm).

Os dois relatórios têm vários pontos em comum, notadamente o reconhecimento da virtual impossibilidade hoje de realizar eleições seguras se os eleitores utilizarem computadores quaisquer ligados à Internet, por exemplo, na casa ou no trabalho. Isto se deve à dificuldade de autenticar o eleitor nesta circunstância, e pelo perigo que esteja viciado de alguma forma o sistema computacional utilizado para o acesso. Ambos relatórios estimam que será necessária uma grande evolução nos mecanismos de segurança da Internet, antes de poder ser considerada esta alternativa.

Eles têm mais confiança a respeito da votação pela Internet em casos quando os computadores usados estiverem em ambientes mais controlados, por exemplo, nos locais convencionais de votação (as seções eleitorais), ou em quiosques montados em locais públicos, mas sob a fiscalização de oficiais da eleição. O relatório da Califórnia propõe que tais locais poderiam ser usados para permitir votação pelo eleitor em trânsito, analogamente ao uso do voto postal admitido hoje. Em ambos casos, seria necessário que o eleitor comunicasse de antemão sua intenção de votar remotamente, para que seu nome não constasse também na lista de eleitores presenciais.

O relatório do IPI é mais extenso, e identifica uma série de assuntos merecedores de pesquisa, para aumentar a segurança, confiança pública ou abrangência de votação pela Internet. Entre estes podemos mencionar: projetos de sistemas computacionais seguras para votação; métodos para reduzir o risco de fraude por parte dos administradores das eleições; procedimentos para validação e certificação contínuas de sistemas de eleições; a adoção de arquiteturas e programação abertas para ganhar a confiança pública. É notável que estes itens também são relevantes para outros sistemas de votação eletrônica, por exemplo, o painel do Senado ou as urnas eletrônicas daqui.

No outro lado do Atlântico, os suíços já decidiram que vão ser os primeiros a realizar uma eleição pela Internet, já no primeiro semestre do ano que vem (www.estado.estadao.com.br/editorias/2001/04/13/int586.html). Tanto na Suíça, como nos EUA, uma preocupação dos governos é o aumento do número de eleitores que deixam de votar, pois não é obrigatório o voto nestes países. Podemos interpretar o recurso à votação Internet como um apelo ao conforto dos eleitores.

O último dos três relatórios dos EUA é de um grupo de trabalho de altíssimo nível, criado pelas universidades tecnológicas Caltech e MIT no meio da confusão que se seguiu às eleições quase empatadas nos EUA em novembro passado. Conhecido como o Projeto de Tecnologia de Votação, o grupo inicialmente tratou das deficiências dos equipamentos usados atualmente para registrar votos, e levantou dados históricos para avaliar o grau de confiabilidade das diferentes tecnologias usadas no seu país. É importante se lembrar que a escolha da tecnologia é uma decisão local, tomada ao nível de condado (sub-unidade administrativa de cada estado). O único critério usado para comparar as tecnologias era a variação da proporção de votos em branco e nulos de acordo com a tecnologia usada, pois partiu-se da suposição que, como o exercício do voto é facultativo, os eleitores iriam querer fazer valer cada voto, e só seria impedido de fazer isto por deficiências nesta tecnologia.

Seu relatório preliminar foi publicado no final de março (www.vote.caltech.edu/Reports/index.html), e apresenta a conclusão talvez surpreendente que os índices mais baixos foram obtidos pela contagem manual das cédulas, seguido de perto por uso das antigas máquinas mecânicas de votação, e por leitura ótica de cédulas preenchidas à mão. Sistemas considerados bem piores do que estes incluíam o uso de cartões perfurados pelo eleitor, e o uso de urnas eletrônicas ("direct recording equipment - DRE"). O relatório afirma que a diferença do número de votos em branco e nulos entre o melhor e o pior resultado chega a 1,5% dos votos. Estes números são considerados importantes para documentar o que são as reais características da tecnologia de votação, ou, pelo menos, como os eleitores se relacionam com a tecnologia e a aceitam. O grupo é otimista que estes índices poderão ser usados para orientar melhorias nas tecnologias usadas, e ele ainda expressa confiança que a votação eletrônica tem mais condições para se tornar uma tecnologia boa e bem aceita.

Como se pode ver, não é apenas aqui que as pessoas se preocupam com o impacto de tecnologia em processos eleitorais. Numa democracia, é importante sempre prestar atenção aos métodos adotados para expressar a vontade do eleitorado, pois fundamentalmente esta vontade é a sustentação de todo o processo de governo.