Michael Stanton

WirelessBrasil

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29/05/2001
As bibliotecas no tempo da Internet

As bibliotecas têm uma longa e honrada história como repositório de escritas para o estudo desde a antigüidade. Hoje em dia é dentro das universidades onde está mais forte o binômio biblioteca-pesquisa, pois a pesquisa se alimenta de, e estende, o conhecimento gerado por pesquisas anteriores, divulgadas através da publicação de livros e artigos, e as principais comunidades de pesquisadores estão radicadas justamente na comunidade acadêmica. Têm crescido muito nos últimos anos o número de pesquisadores e o volume dos resultados das suas pesquisas, pelo aumento de demanda pela formação de profissionais altamente especializados para o mercado de trabalho, o que por sua vez requereu uma expansão do número e da titulação dos docentes universitários.

O impacto nas bibliotecas tem sido enorme, pois a "explosão da informação" resultou em aumento significativo do número de publicações, tanto livros como periódicos. Este aumento tem seu lado bom, pois demonstra eloqüentemente a expansão da pesquisa. Por outro lado, vem minando muito a eficácia dos esforços dos diferentes centros de pesquisa para manterem atualizadas e úteis as coleções das suas bibliotecas. O problema é custo. Um aumento do número de periódicos publicados obriga uma decisão de assinar os novos, e, possivelmente, de deixar de assinar alguns velhos, embora seja esta uma decisão difícil, pela lacuna nas coleções que representa uma descontinuidade da assinatura de um periódico. Adicionalmente, o custo das assinaturas cresceu muito, e um pequeno levantamento realizado recentemente pelo Consortium of University Research Libraries, do Reino Unido, (http://www.curl.ac.uk) demonstrou que alguns títulos tiveram alto de preço de assinatura de mais de 300% (em libras esterlinas) desde 1991.

Em alguns casos, a publicação de periódicos científicos fica por conta de sociedades profissionais. Porém, é crescente a comercialização da divulgação da pesquisa, e ela virou um grande negócio, com empresas bilionárias como a Reed-Elsevier (anglo-holandesa) e a Harcourt (norte-americana) dominando o mercado. Estas empresas publicam periódicos contendo artigos escritos por pesquisadores e avaliados por seus pares, e vendem seus produtos às bibliotecas de pesquisa, normalmente dentro das universidades. É importante notar que os pesquisadores envolvidos neste processo não são remunerados por suas contribuições essenciais ao processo de publicação, e ainda passam para as editoras os direitos intelectuais sobre as publicações. Há inconformidade no meio acadêmico sobre esta situação, mas até pouco tempo atrás não sempre existiam meios alternativos para a necessária divulgação do produto da pesquisa. Isto agora mudou, graças à Internet.

O advento da Internet trouxe uma novidade de enorme importância para o mundo dos estudiosos, que é a biblioteca virtual. Através dela, consegue-se realizar uma pesquisa bibliográfica, como também ter acesso aos textos dos artigos publicados. De maneira informal, isto já é possível há muitos anos de forma não homogênea, pois muitos autores e instituições de pesquisa vêm montando sítios onde estão disponíveis artigos, notas de cursos, monografias e dissertações. Adicionalmente, é crescente o número de periódicos que publicam seu conteúdo eletronicamente, além do que na forma impressa tradicional. A publicação eletrônica tem várias vantagens, entre as quais podemos citar a possibilidade de consulta concorrente de diferentes leitores ao mesmo texto, e a disponibilidade imediata e mundial após a publicação, muito diferente do que no caso de envio de publicação impressa pelo correio. Mais do que isto, permite a interligação entre documentos, e possibilita o uso de ferramentas poderosas de busca antes efetivamente impossíveis de realizar. Tudo isto aumenta a conveniência do leitor, e torna mais eficaz o processo de divulgação. Talvez a maior contribuição é dispensar a ida ao recinto físico de uma biblioteca, pois pode-se fazer consultas a partir de qualquer computador ligado à Internet. Confesso ter-me tornado um usuário pouco assíduo das bibliotecas tradicionais hoje em dia, face a estas vantagens das virtuais.

Porém, as bibliotecas virtuais podem ter seus custos. No meu caso pago uma anuidade para uma sociedade científica para o acesso pessoal a alguns dos seus periódicos, inclusive os números atrasados. Bom seria poder prover este tipo de serviço para uma comunidade maior, por exemplo, incluindo também os meus alunos, como vem sendo realizado tradicionalmente pela biblioteca da universidade. É justamente isto que agora começou a fazer a CAPES (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior), uma entidade vinculada ao MEC, que o assessora na educação pós-graduada.

A nova política da CAPES para fomento às bibliotecas universitárias é realizar uma assinatura coletiva a uma coleção grande de bibliotecas virtuais mantidas por várias editoras de informações científicas (www.periodicos.capes.gov.br). Isto veio a substituir então a política antiga de subvencionar a aquisição de assinaturas das publicações impressas pelas bibliotecas tradicionais. Naturalmente, esta mudança depende de outras de melhoria de infra-estrutura das universidades, que se vêem pressionadas a investir mais em acesso à Internet para permitir acesso às bibliotecas virtuais. De modo geral, esta iniciativa foi muito bem pensada, pois explora e alimenta a sinergia entre a infra-estrutura de acesso à Internet e uma grande aplicação, e faculta um aumento muito grande de acesso à informação bibliográfica de centenas de instituições que antes eram menos bem servidas - foi realmente um passo a favor da democratização da informação.

Ainda há melhorias possíveis. Por exemplo, para usar as bibliotecas virtuais facultadas pela CAPES, é necessário fazer o acesso físico através da instituição acadêmica. Isto resultou de uma situação, que deve ser passageira, onde somente seria possível garantir que o usuário é de uma instituição beneficiada pela CAPES, porque seu acesso físico é feita a partir desta instituição. O mesmo usuário, tentando fazer seu acesso a partir da sua residência, através de um provedor comercial, teria este acesso negado. Com isto, complica seu uso em apoio à educação à distância. A princípio, existem outros meios mais sofisticados de identificar um usuário individual que estaria autorizado a fazer acesso, usando certificados digitais. Este assunto foi discutido semana passada no III Workshop RNP2 em Florianópolis (www.rnp.br/wrnp2/2001), e requer a adoção ampla pelas universidades de suporte para aplicações cooperativas distribuídas.

As possibilidades abertas por bibliotecas virtuais estão, neste momento, agitando o meio acadêmico mundial, e os mais visionários propuseram a criação da Biblioteca Pública das Ciências (do inglês, Public Library of Science, ou PLoS), uma biblioteca digital de acesso universal. Este movimento procura estabelecer um novo equilíbrio entre os interesses dos pesquisadores e das editoras, propondo que as informações publicadas deixem de ser sempre privativas das editoras, e passem para o domínio público, através da publicação eletrônica, seis meses depois da sua publicação inicial (www.publiclibraryofscience.org). Alegam os defensores da PLoS, que a criação desta biblioteca pública aumentaria muito o acesso e a utilidade da literatura científica, aumentaria a produtividade científica, e catalisaria a integração de comunidades de conhecimentos e idéias, que hoje estão dispersadas. Para os países em desenvolvimento representaria um enorme auxílio para o acesso à informação. Seria a globalização aplicada seriamente à comunidade científica.

Naturalmente, a proposta é combatida pelas editoras, especialmente as grandes, e não é claro se será fácil manter a frente organizada pelos cientistas. Porém já foram colhidas as assinaturas de apoio de mais de 23.000 pesquisadores das ciências da vida em mais de 160 países para uma carta aberta comprometendo-se a deixar de colaborar, a partir de setembro, com as editoras que se recusam a aderir a este movimento. Um artigo recente do periódico Scientific American explora de maneira mais profunda os argumentos dos dois lados (www.scientificamerican.com/explorations/2001/042301publish).

Deveremos apoiar a iniciativa da PLoS, e torcer que vingue, pois os benefícios serão ainda maiores aqui do que nos países ricos. Uma coisa é certa: as bibliotecas continuarão a ser essenciais para o avanço do conhecimento. Entretanto, o impacto revolucionário da Internet já está mudando sua face para sempre.