Michael Stanton

WirelessBrasil

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30/09/2002
Mais considerações sobre as eleições 2002

A propósito da coluna da semana passada, recebi de Amílcar Brunazo Filho, moderador do Fórum do Voto Eletrônico (www.brunazo.eng.br/voto-e), alguns comentários que corrigem afirmações feitas na coluna, e que reproduzo a seguir:

" Tenho apenas duas pequenas atualizações a fazer, que não mudam o conteúdo geral do artigo, mas que devem ser destacadas:

1- Neste ano de 2002 o TSE resolveu abrir o código do programa de criptografia feito pelo CEPESC. O único código que continua fechado é o do VirtuOS, sistema operacional que roda em 350 mil urnas modelos 2000 e anteriores, pois realmente foi cobrado R$ 250 mil dos partidos que quisessem examinar o seu código por 3 dias. As 50 mil urnas do modelo 2002 tem o SO Windows CE.

2- O problema dos lacres das urnas que não rompiam quando se abria a urna pela tampa frontal, foi finalmente resolvido com a adoção de um lacre adicional que já está sendo colocado nas urnas neste ano."

Agradeço a colaboração de Amílcar e reconheço que errei ao afirmar que o programa de criptografia ainda era secreto. Entretanto, continua verdade que o sistema operacional VirtuOS continua fechado aos fiscais dos partidos, o que desvirtua a eficácia do seu trabalho. Como se vê, o problema do lacre adicional foi resolvido a tempo.

Merece maior reconhecimento o trabalho de Amílcar, profissional de segurança de dados, que vem estudando a questão da segurança das urnas há mais de cinco anos, e se dedica à divulgação dos problemas identificados e as soluções encaminhadas. Foi ele o principal assessor técnico do senador Requião, que primeiro propôs formalmente a auditoria das urnas através da impressão dos votos, sugestão tardiamente adotada em forma emasculada pelo TSE.

Na semana passada, Amílcar divulgou na semana passada na sua lista de discussão uma nota sobre os programas das urnas para as eleições deste ano no estado de São Paulo
(
www.mail-archive.com/voto-eletronico@pipeline.iron.com.br/msg11251.html).
Neste relato da carga dos programas nas urnas na cidade de Santos, foi constatada uma falha num dos programas de auditoria das próprias urnas (que testam seu funcionamento). Este programa, que deveria listar na tela todos os candidatos para deputado federal e estadual, falhou, não exibindo nenhum candidato a deputado estadual e ainda nenhum candidato a deputado federal dos partidos 56, 65 e 70. Esta falha, que aparentemente somente se manifesta em estados onde há número muito grande de candidatos, quase certamente se deve a um erro banal no dimensionamento do projeto deste programa de auditoria, que não foi detectado a tempo pela equipe do TSE. Devemos notar que esta falha nada implica sobre a presença de falhas nos programas de votação e totalização dos votos, mas ela serve de recordação do que precisamos de mais do que a simples chancela do TSE para garantir a segurança de qualquer software desenvolvido para as urnas eletrônicas.

Na coluna anterior, além das próprias urnas, foram também proferidos comentários sobre o sistema de votação para deputados estaduais e federais, onde o eleitor tem apenas um voto para dar para um candidato entre centenas nos estados mais populosos. Este colunista sempre fica infeliz com a votação proporcional para estes cargos, por causa da sua matemática. Como se sabe, os eleitos não são necessariamente os candidatos mais votados, mas os candidatos das legendas mais votadas. Há muitos casos de candidatos com votação individual expressiva para deputado, mas não se elegem porque seu partido (ou coalizão) não alcança o quociente eleitoral, que é o mínimo de votos necessários para garantir a eleição de um candidato numa eleição proporcional. Este quociente é um a mais do que o resultado de dividir os votos válidos pelo número de cadeiras no parlamento sendo eleito. Por exemplo, no caso de haver um milhão de votos válidos e 25 vagas, então o quociente seria (1.000.000/25) = 40.000 votos. Neste caso, somente elege um ou mais deputados a legenda que contabiliza pelo menos 40.000 votos. As vagas são então distribuídas entre os partidos (ou as coalizões) dividindo os votos dados ao partido (ou coalizão) pelo quociente eleitoral. Isto significa, normalmente, que para os partidos (coalizões) com muitos candidatos boa parte dos eleitos individualmente não alcança este quociente, e que um partido dito nanico pode eleger ninguém porque os votos do partido não alcançaram o quociente.

É evidente que um sistema destes pressupõe a existência de partidos fortes e coesos, porque o partido é muito mais importante do que o candidato - o quociente é do partido (ou coalizão) - e leva ao conceito de puxador de legenda, nome dado a uns poucos candidatos que colecionam tantos votos, que sozinhos eles conseguem não apenas se eleger, como também eleger vários outros candidatos da mesma legenda, pois os votos excedentes (acima do quociente eleitoral) são transferidos para estes. Entretanto, não é o caso que a maioria dos partidos é forte e coesa, e a falta de coesão pode ser medida pela alta taxa de troca de partido dos candidatos depois de eleitos. Há uma transformação do que pertence ao partido (o quociente eleitoral) em propriedade pessoal, que é a vaga de deputado conseqüente. Há algumas incongruências aqui: um candidato eleito que muda de partido conserva sua vaga de deputado. Porém, se ele deixar de ser deputado, para assumir um cargo no governo ou num tribunal, por exemplo, é chamado como suplente o próximo em ordem de votação da legenda pela qual ele foi eleito. É lícito perguntar porque não se deve adotar o mesmo procedimento para deputado eleito que abandona seu partido original, devendo ele perder seu cargo eletivo.

Como as regras vigentes permitem este tipo de traição do voto do eleitor, qual deveria ser a estratégia deste para fazer valer seu voto? Eu diria que seria bom escolher seus candidatos a deputados de acordo com o apelo e substância do seu partido, e não primariamente por seus dotes pessoais. Em segundo lugar, seria oportuno examinar com cuidado a história de infidelidade partidária dos eleitos pelo partido da sua escolha. Há várias legendas de aluguel que estão concorrendo nestas eleições, e a sua história recente demonstra a pequena fidelidade dos representantes eleitos com suas cores no passado. (Tem casos gritantes de grande debandada entre partidos - o caso da revoada para o PSB de boa parte dos deputados eleitos pelo PDT do estado do Rio de Janeiro em 1998 é apenas o caso mais recente.) Finalmente, tendo sido adotado o partido de preferência, o eleitor deve escolher seu candidato, lembrando que este voto pode ser transferido para outro candidato da mesma legenda em várias situações.

Na coluna anterior, argumentou-se a favor da adoção do voto distrital para eleger deputados, o que simplificaria bastante a análise anterior, sendo necessário apenas escolher o candidato/partido mais apropriado. Para este autor, seria recomendável também complementar o voto distrital com a adoção de um segundo turno, que já temos para cargos executivos. Há muitos anos, os franceses adotaram o segundo turno para eleger também os deputados, com a participação dos dois candidatos mais bem votados no primeiro turno. Como no caso das eleições majoritárias, isto evitaria a eleição de candidatos sem uma clara maioria a seu favor.