Michael Stanton

WirelessBrasil

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30/12/2003
As redes avançadas em 2004

Ao longo de 2003, os textos publicados neste espaço vêm tocando nos planos e projetos em curso para instalar ou estender as redes de computadores usadas pela comunidade de pesquisa e educação neste país. Partindo de uma visão otimista, a coluna de 17 de fevereiro de 2003 já antecipava para o ano que está terminando o funcionamento das novas redes CLARA, que integrará redes acadêmicas de países da América Latina, e GIGA, uma rede experimental interligando universidades e centros de pesquisa nos estados de SP e RJ. Embora não tenha iniciado ainda a operação destas duas redes, podemos dizer com bastante confiança que falta muito pouco para isto ocorrer, certamente menos de um semestre.

A mais adiantada é a rede do projeto GIGA (v. coluna de 1º de julho de 2003), cuja operação inicial é prevista para março ou abril. Para esta rede, já foram assinados com as operadoras Telefônica, Telemar, Pegasus e Intelig contratos de cessão de fibra óptica apagada para o uso deste projeto, e foram realizadas as licitações de compra dos equipamentos necessários para iluminar estas fibras, permitindo com isto interligar computadores instalados em vinte universidades e instituições de pesquisa no eixo entre Campinas, SP, e Petrópolis, RJ. A taxa de transmissão de dados será algo ainda inédita no Brasil para distâncias interurbanas, começando com diversos canais de 1 Gbps (gigabit por segundo), devendo passar até 2005 para canais de 10 Gbps. Estas taxas de transmissão permitirá a interoperação entre computadores em cidades diferentes, como se estes estivessem na mesma sala, e isto tornará possível um alto grau de colaboração científica entre grupos geograficamente dispersados. O projeto GIGA é experimental e tem duração prevista até o final de 2005, mas o paradigma de comunicação que pretende estabelecer valerá para futuras redes operacionais, inicialmente para atender a comunidade acadêmica nacional, devendo ser incorporado nas redes commodity (ou comerciais) mais adiante.

Esta migração de tecnologia nova, de rede experimental à rede commodity, passando pelo uso operacional pela comunidade acadêmica, repete o ciclo já visto em diversas ocasiões no passado, e não apenas no Brasil. Nos EUA, a rede acadêmica de tecnologia avançada vai pelo nome genérico Internet2, para distinguir-se da rede commodity, também conhecido como Internet1, e com tecnologia mais antiga. A Internet2 está no meio da sua migração para a mesma tecnologia adotada na rede GIGA, e estes dias teve uma excelente notícia com a celebração de importante acordo entre a operadora AT&T e o consórcio de universidades SURA (Southeastern Universities´ Research Association), pelo qual a AT&T cederia para a SURA o uso de 13.000 km de fibra apagada da sua rede para o desenvolvimento de uma rede avançada, com benefícios para pesquisadores em todas as áreas (v. www.sura.org/news/news03/ATTPrRel.pdf). Espera-se com isto dar um salto no domínio de novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) nesse país. Talvez esta notícia reforce a determinação no Brasil de fazer do limão da falência da Eletronet uma bela limonada que traga semelhantes benefícios para o desenvolvimento das TICs entre nós (v. coluna de 22 de dezembro de 2003).

Está adiantada a evolução do projeto ALICE, que pretende montar e manter até 2006 a rede CLARA (v. coluna de 22 de junho de 2003),. Aqui, o ritmo é mais lento pelo grande número de participantes, que incluem as redes acadêmicas nacionais (do Brasil participa a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa - RNP) de dezoito países da América Latina, algumas das quais em formação, a DANTE, gestora da rede pan-européia GÉANT, e a Comissão da União Européia (UE), que está financiando até 80% das despesas. Em cada país é ainda necessário contar com o apoio explícito do governo nacional, e às vezes negociar tratamento tarifário diferenciado de operadoras de telecomunicações, em função da finalidade não comercial do projeto. Finalmente, cada rede nacional precisa assumir a responsabilidade para o pagamento da sua parte dos 20% restantes que cabem aos beneficiários latino-americanos do projeto. Todas estas combinações levam tempo para ser concluídas.

Embora ainda não tenha sido concluída a licitação de conectividade para montar a rede CLARA, já estão razoavelmente bem definidas sua topologia e capacidade. As principais redes nacionais (da Argentina, Chile, Brasil e México) estarão interligadas de forma redundante (em anel) com enlaces de 155 Mbps. Deverá haver mais um nó neste anel, possivelmente no Panamá, para permitir o acesso aos países da América Central, Os outros países de América do Sul deverão ser ligados a nós do anel no Chile, Argentina e Brasil. Estas conexões serão de capacidade menor, geralmente entre 10 e 45 Mbps. Os acessos dos quatro países principais sediando nós do anel serão entre 34 e 155 Mbps. A rede toda será ligada à rede GÉANT, através de uma conexão de 622 Mbps saindo do Brasil. Espera-se para maio de 2004 o início de funcionamento do anel e da sua conexão para Europa.

Os benefícios para Brasil a curto prazo incluirão um novo acesso em 155 Mbps às redes avançadas internacionais (hoje temos duas conexões de 45 Mbps para a Internet2 nos EUA), com melhores facilidades de comunicação com as redes européias e as dos países latino-americanos. Espera-se que esta rede inicial seja ligada em breve também à Internet2, através do México, e que ela possa crescer para atender as necessidades internacionais para colaboração com pesquisadores, laboratórios e observatórios localizados nos países da região. Na verdade, a própria sustentabilidade da rede CLARA depende de encontrar formas alternativas de financiamento depois de terminado o projeto ALICE em meados de 2006. Até então os europeus pagarão, como mencionado, até 80% do custo. Este nível de subvenção externa é inédito na curta história das redes de ensino e pesquisa, onde quase todos os custos vêm sendo pagos pelos países latino-americanos. A eqüidade mandaria manter algum número intermediário, pois há real interesse nos dois sentidos em manter a conectividade, e temos um pouco mais de dois anos para encontrar uma saída para esta questão de como financiar a conectividade internacional.

É importante reconhecer que o trabalho já começou, e envolve a participação de instituições multilaterais, como a Organização de Estados Americanos (OEA) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), além da própria Comissão da UE. Por exemplo, foi realizado em dezembro em Quito uma oficina sobre Desenvolvimento Científico e Tecnológico (C&T) nas Américas, organizada pela OEA, que prepara uma reunião em novembro de 2004 em Lima de ministros de C&T. A OEA já incluiu na pauta de discussões para a reunião ministerial o assunto de Redes Avançadas e Infra-estrutura de Informação, e este assunto foi explorado na oficina de Quito. Participaram nesta oficina representantes das redes acadêmicas nacionais do Brasil, Chile, México, EUA e Canadá, entre outras.

Voltando à organização CLARA (Cooperação Latino Americana de Redes Avançadas), cujos estatutos já foram subscritos pelas redes acadêmicas nacionais de 14 dos 18 países da região que participariam do projeto ALICE, deu-se a boa notícia que ela foi legalmente reconhecida no último dia 23 de dezembro pelo governo do Uruguai como uma Associação Civil Internacional, sem fins lucrativos. A partir de agora CLARA poderá atuar legalmente como representante das redes latino-americanas, por exemplo, em negociações com DANTE ou Internet2. Adicionalmente, ela poderá passar a receber recursos financeiros, e há boas chances de vir a receber subvenção do BID a curto prazo para poder seguir seus objetivos.

Por enquanto, CLARA e GIGA são apenas nomes no horizonte de poucas pessoas razoavelmente bem informadas sobre as novidades recentes na área das redes avançadas. Em 2004, ambas devem se tornar mais visíveis, fazendo importantes contribuições para o progresso científico e tecnológico deste país e dos seus colaboradores.